Do Sumbe, capital do Kwanza-Sul, até ao Mussende são quatro horas de carro, num percurso que passa pela Quibala. Em alguns pontos, o asfalto está desgastado, o que faz com que a viagem tenha que ser feita com cautelas redobradas. O Mussende está mais próximo das províncias vizinhas do que da maior parte dos municípios da província que integra. O percurso para Malanje, de carro, dura uma hora e até ao Bié o dobro desse tempo, o que faz com que os moradores locais se sintam mais próximos dos vizinhos.

Domingas é agricultora e vive no Mussende, não consegue precisar com quantos anos começou a trabalhar, lembra apenas que era criança na altura. Hoje, com 36 anos, continua na lida do campo, numa lavra familiar. O resultado do trabalho, como explica, dá apenas para sobreviver porque muitas vezes os produtos apodrecem por falta de comprador.

Para obter algum lucro, Domingas leva os produtos do campo para vender na Praça do 4, um dos maiores mercados locais, mas poucas vezes consegue vender tudo por falta de compradores.

"Consigo alguma coisa, mas só no final do mês quando os funcionários públicos recebem os seus salários. Não há dinheiro, é muito triste", lamenta a camponesa.

Com cada vez menos recursos, a vida da família de Domingas é difícil.

"Muitas vezes, as crianças dormem com fome porque também não tenho nada para dar", explicou, encolhendo os ombros enquanto tentava acalmar o seu bebé que chorava muito. Enquanto aguardava por clientes para os produtos do campo que tinha para vender, ela revelou que os seus filhos menores "ficaram em casa à guarda da avó", explicou-nos, um sacrifício inevitável para conseguir algum dinheiro para as necessidades familiares.

A realidade da família de Domingas reflecte as dificuldades que muitos dos residentes no Mussende enfrentam. O excedente da produção de feijão, milho, mandioca e legumes acaba por apodrecer, pois o estado das vias e a falta de recursos faz com que os agricultores tenham muita dificuldade para fazer chegar os seus produtos aos grandes mercados informais ou redes de supermercados.

O professor Alberto Trigo, que vive no bairro Kitari II, na sede municipal, lamentou o estado das estradas que ligam o município a Malanje e também ao Bié. A situação é mais difícil porque muitas vias secundárias e terciárias estão em mau estado de conservação. "A situação no município é muito difícil devido aos vários problemas que temos", lamentou o nosso interlocutor.

Saúde: «Recebemos as receitas e temos que ir procurar o que precisarmos nas farmácias»

Outro dos motivos de preocupação para os habitantes locais é a falta de água potável. Os moradores do bairro Kitari II reclamam por não terem água canalizada em casa.

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Bernarda Paulo explicou que a água que consomem é retirada de um poço, o que é confirmado pela sua vizinha Maria António, 27 anos, que esclareceu que a zona onde vivem nunca beneficiou de canalização para água.

Sem água potável, os moradores também vivem com um fornecimento deficitário de energia eléctrica. Alberto Trigo resume da seguinte forma a questão: "Temos energia eléctrica dia sim, dia não".

Em caso de doenças, os habitantes da sede municipal têm acorrido ao hospital local onde, segundo os munícipes ouvidos, são "bem atendidos".

A preocupação tem sido a falta de medicamentos. "Recebemos as receitas e temos que ir procurar o que precisarmos nas farmácias", explicou Bernarda Paulo, tendo acrescentado que, muitas vezes, a situação se torna dramática porque não tem dinheiro para pagar os fármacos, uma realidade enfrentada por muitos munícipes.

Emprego: Falta de oportunidades de trabalho para jovens do município

Num contexto de muitas dificuldades, as oportunidades de emprego são insuficientes, o que tem afectado principalmente os jovens. Para os que conseguem concluir o ensino médio no único instituto que tem as suas portas abertas no município, o sonho é uma carreira numa instituição pública mas a pouca oferta no mercado laboral não consegue absorver todos.

Como consequência, muitos entregam-se ao vício das bebidas alcoólicas e ao submundo do crime.

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Os moradores do bairro Kitari II relataram vários casos de assaltos às residências que ocorrem principalmente enquanto os moradores estão a trabalhar nas lavras. Sem uma esquadra da polícia por perto, as vítimas recorrem aos números disponibilizados pela polícia mas esta tem estado indisponível na maior parte das vezes ou, quando aparece, "já é demasiado tarde".

A chefe da Acção Social, Família e Promoção da Mulher da Administração Municipal do Mussende, Ana Paula Geraldo, explicou que a falta de oportunidades de emprego e de espaços de lazer tem levado muitos jovens ao consumo imoderado de bebidas e à prática de crimes.

A preocupação estende-se às adolescentes, pois a referida secção tem acompanhado vários casos de gravidez precoce.

"Temos casos de meninas de 12 e 13 anos que tiveram bebés e deixaram de ir à escola", referiu Ana Paula Geraldo, tendo acrescentado que, na maior parte dos casos, as mães são abandonadas pelos parceiros, que continuam os estudos e em muitos casos abandonam o município sem assumir as suas responsabilidades paternais.

"O subdesenvolvimento do município, principalmente devido às dificuldades para escoar os produtos agrícolas tem deixado muitas famílias em extrema pobreza, sem recursos para sobreviver", revela Ana Paula Geraldo.

O director municipal dos assuntos sociais do Mussende, Andrade Gomes, também manifestou a sua preocupação em relação à situação das famílias no município.

"Em 2019, os casos de violência doméstica aumentaram em 27% em relação ao ano anterior, o que tem levado a administração local a dedicar uma especial atenção a este problema", revelou.

De acordo com Andrade Gomes, o Mussende tem 95.278 habitantes, dos quais mais de 32.000 são jovens. "O município é extenso, pelo que não é fácil atender às necessidades de todos", concluiu o director municipal dos assuntos sociais.

Sobre as questões sociais, o director municipal da Educação do Mussende, Oliveira João, explicou que o número de escolas tem aumentado anualmente e que até 2019 tinham 32 estabelecimentos escolares em funcionamento, nas quais lecionavam 623 professores. O total de alunos matriculados em 2019 foi de 29.770.

Sobre as dificuldades enfrentadas no sector, Oliveira João classifica como "conjunturais" tendo em conta o "contexto do país. "A Administração Municipal tem construído mais escolas; a nível da sede municipal, já estamos bem mas continuamos a ter dificuldades nas zonas mais recônditas do município", acrescentou.

Reacção: Director provincial realça melhorias

José Domingos, que está à frente da Direcção dos Assuntos Técnicos e Económicos, realçou que diversos projectos estão em curso para apoiar os comerciantes locais, com destaque para iniciativas de apoio ao empreendedorismo que visam especialmente aos jovens e às mulheres.

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"Ao desenvolver o seu próprio negócio, os empreendedores poderão empregar outras pessoas", frisou. Nos últimos anos, de acordo com o responsável, houve um aumento do número de lojas, minimercados e outros espaços comerciais no município, o que permitiu aumentar a arrecadação de receitas fiscais, principalmente depois de ter sido inaugurada a Repartição Fiscal local.

"No passado, os comerciantes tinham que tratar todos os assuntos relativos ao pagamento de impostos no Waku-Kungo e gastavam dinheiro para deslocar-se até lá, o que fazia com que muitos deixassem de pagar", explicou.

A maior dificuldade do sector, segundo José Domingos, é o transporte de mercadorias para as províncias mais próximas devido ao mau estado das estradas; contudo, o responsável revelou que a estrada que liga o Mussende à Quibala está a ser reabilitada, mas que é preciso também melhorar o troço que liga o Mussende a Malanje.

A Administração Municipal pretende também, durante este ano, reabilitar as vias secundárias e terciárias, o que poderá melhorar muito a circulação no Mussende.

Quanto às reclamações dos munícipes sobre a distribuição de energia eléctrica, revelou que os constrangimentos se devem à avaria de dois geradores que abastecem o município. Já sobre a distribuição de água potável, explicou que é garantida através de uma estação de captação, tratamento e distribuição com grande capacidade. "Os constrangimentos que se registam em alguns bairros se devem às obras que estão a ser feitas em algumas vias, mas vão ser resolvidas pela empresa que está a reabilitar e, enquanto durar esta situação, estamos a distribuir água através de camiões- cisternas", assegurou.

Quanto ao impacto da exploração de diamantes no município, José Domingos não respondeu às nossas questões.