A publicidade em Angola tem alguma história?
A publicidade em Angola tem sim história. Foi para dar a minha pequena contribuição na explicação desse fenómeno, ou seja, sobre o passado da publicidade em Angola, que publiquei em 2010 um livro intitulado "Publicidade em Angola - contribuições", onde faço uma retrospectiva da publicidade no tempo colonial, quando, na década de 70, as autoridades coloniais tomaram algumas medidas para promover o crescimento económico da então Província (como forma de estancar o descontentamento e travar o movimento nacionalista) e, consequentemente, começaram a ser utilizadas (nomeadamente em jornais, revistas e rádios), os instrumentos de publicidade e marketing, aparecendo também as primeiras agências e produtoras. Com a independência e as opções pela "planificação socialista", tal actividade desapareceu completamente, pois ela é característica das economias de mercado. Posteriormente, no início dos anos 90, com as alterações a nível político e económico que foram sendo introduzidas no país, ressurgiu então, no quadro da economia de livre concorrência, a actividade publicitária em Angola.
De lá para cá qual foi a evolução do sector publicitário no país?
Foi considerável e significativa a evolução, aliás acompanhando a própria evolução da economia, dos novos conceitos e ideias criativas, da globalização, das inovações tecnológicas. Desde logo desenvolveu-se e cimentou- se a cultura publicitária dos empresários, que começaram a dar cada vez maior importância à necessidade da publicidade para darem mais notoriedade às suas marcas e para aumentarem o seu volume de negócios. Aumentaram pois os investimentos publicitários, maior volume de verbas disponíveis nos orçamentos das empresas e também maior número de clientes, quer nacionais, quer empresas e marcas que se foram aqui estabelecendo e posicionando. Mais agências de publicidade, produtoras de vídeo e áudio, concessionários de "out-doors", empresas de eventos, gráficas, empresas de impressão digital, mais meios (televisões, jornais e revistas). O mercado hoje, não tem nada a ver com a situação da pré-independência e é também bastante diferente de há 10 ou 15 anos atrás.
A nossa publicidade ainda enferma de sevícias do passado?
Eu acho que não! Utilizando o seu termo, eu acho que a publicidade em Angola enferma de sevícias do presente! O actual liberalismo económico e alguma dificuldade em legislar e/ou fazer aplicar leis e regulamentos, é que provoca essas sevícias! Entidades que não respeitam o que está previsto na Lei 09/02 (Lei Geral de Publicidade), alguma falta de transparência na atribuição de valores para algumas campanhas, adjudicação directa de alguns projectos e outras inconformidades do mercado, que urge eliminar e que são fruto, não do passado, mas das ambições incontroladas do presente.
Fazer publicidade em Angola é já rentável? A pergunta tem duas variantes. Rentável para quem?
Para quem é cliente, ou seja, os empresários, donos dos negócios, promotores das marcas, é com certeza rentável, porque ao contrário não investiriam em publicidade, se fosse para perder dinheiro. E o que vemos é que cada vez há mais investimentos nesta área. Para quem cria publicidade, para quem produz publicidade, para quem oferece produtos publicitários, igual raciocínio se coloca. Se existem cada vez mais empresas nesta indústria, é porque vale a pena criá-las, porque o mercado absorve os seus serviços. Neste domínio, teríamos que distinguir algumas situações concretas, em que, face ao sufoco provocado por algumas empresas estrangeiras, operando algumas vezes fora das normas, estão a desaparecer algumas empresas nacionais deste ramo. Por isso, a Associação de Publicidade tem apelado a que se criem mecanismos de protecção à indústria nacional de publicidade.
Pode avançar valores por exemplo?
No último censo que apresentámos na Assembleia Geral da Confederação de Publicidade dos Países e Língua Portuguesa, informámos que o mercado publicitário em Angola deve valer cerca de 350 milhões de dólares (a preços de tabela). Estima-se que a área de eventos tenha movimentado em 2013 cerca de 100 milhões de dólares, seguido pela televisão (85 milhões), out-door (70 milhões), imprensa (65 milhões), rádio (15 milhões) e impressão digital (10 milhões).
As marcas já muito conhecidas chegam até a dispensar a publicidade. Será que isso não terá consequências negativas ou tão simplesmente representa uma estratégia de poupança quando a publicidade em Angola já não é barata?
A pergunta merece dois reparos. Em primeiro lugar, não me parece que as marcas conhecidas dispensem a publicidade. Pelo contrário. Não conheço uma marca conhecida que não esteja a investir cada vez mais em publicidade em Angola. E, a nível internacional, veja-se o exemplo da Coca-Cola que é a marca que, quanto mais biliões de litros de bebida venda, mais investe em publicidade em todo o Mundo! Sobre preços, também não corresponde à verdade dizer-se que a publicidade em Angola é cara. Basta fazer uma pesquisa, consultando tabelas de publicidade de países africanos, da América Latina, Europa, etc. Comparando com os preços internacionais, os preços da publicidade em Angola, ao contrário de outros (alimentação, hotelaria, viagens aéreas, etc.) não contribuem de maneira nenhuma para que Angola seja considerada a cidade mais cara do Mundo, no ranking publicado.
Quantas agências do ramo existem em Angola e qual é a tendência (crescimento ou retracção)?
É difícil para nós, Associação Angolana de Publicidade, apresentarmos números. Competirá aos Ministérios do Comércio e da Comunicação Social, apresentarem este censo. Sabemos é que existem muitas registadas! Acontece é que, muitas delas, embora inscrevendo esta actividade no respectivo objecto social, não a concretizam. Em exclusivo, a trabalharem no mercado angolano na área da publicidade (num conceito mas amplo), deverão estar no activo cerca de duas centenas de empresas. Não temos ainda uma visão clara sobre as tendências futuras. Embora esteja claro que o mercado vai continuar a crescer, poderá esse crescimento ser feito na base de novas empresas, mas também de fusões e falências.
Há cada vez mais diversidade de painéis publicitários sobretudo em Luanda. Será que os investimentos realizados pelas agências compensam nas receitas?
A mídia exterior é, de facto, um dos sectores de maior rentabilidade e desenvolvimento, com crescimento permanente no nosso mercado. Possuímos como associados da AAEPM vários concessionários de out-doors e outros equipamentos de mídia exterior (felizmente as maiores e as mais eficientes empresas no sector). Mantemos igualmente uma relação muito forte de boa colaboração, que muito apreciamos, com a área do Governo Provincial de Luanda que monitoriza esta actividade. Esta colaboração tem permitido alguma regulação do mercado, o respeito por alguns princípios e normas e o combate à pirataria também neste domínio. As características deste veículo de publicidade, face às muitas horas que os cidadãos passam no trânsito, aos engarrafamentos e ao permitir chegar a públicos muito diferenciados e heterogéneos (várias classes, extractos sociais e idades), tanto para produtos de alto consumo, como para marcas mais diferenciadas, fazem deste meio uma actividade atractiva para os anunciantes e marcas, com elevada rentabilidade para os concessionários.
A cidade de Luanda albergou há dias a reunião da Confederação de Publicidade dos Países de Língua Portuguesa. Que ganhos foram obtidos com este evento?
Realizámos sim nos dias 2 e 3 de Abril a X Assembleia Geral da CPPLP - Confederação de Publicidade dos Países de Língua Portuguesa. Estiveram em Angola os máximos representantes das Associações Nacionais de Publicidade do Brasil, Cabo Verde, Moçambique e Portugal. Realizámos, no quadro da Conferência, palestras para dezenas de estudantes universitários, publicitários e outros interessados. Com a AAEPM, de Angola, realizámos em conjunto uma análise da situação dos nossos mercados, recebemos de cada um uma fotografia da realidade actual de cada país, o que estão a fazer, que dificuldades, que experiências, qual o papel do Estado, que legislação e outros elementos, que vão ajudar a continuar a desenvolver a actividade em cada um dos países. Percebemos que os mercados crescem, mas há que continuar a preservar a liberdade de expressão comercial, há que evitar que medidas administrativas sejam dominantes na censura da mensagem publicitária, há que desenvolver acções em cada País para proteger cada mercado, para proteger as Agências nacionais de cada país, contra as interferências ilegais de terceiros, percebemos que devemos continuar a ter critérios de responsabilidade social na divulgação de mensagens que protejam a criança, que evitem a exposição despropositada do corpo da mulher, que sirvam para a educação cívica e que respeitemos os valores culturais de cada sociedade. Reafirmámos a importância da auto-regulação (e, no caso de Angola, foi no próprio encontro realizada uma reunião com o INADEC e com a AIA), como instrumento do mercado, que reúne anunciantes, agências e meios, que permite dirimir rapidamente conflitos que surjam na interpretação do conteúdo da mensagem publicitária. Decidimos igualmente lançar, "pró-bono", em todos os Países da CPLP, uma campanha de sensibilização sobre a "segurança alimentar", que é o tema eleito ela presidência da Comunidade. Enfim, foi uma reunião muito positiva, cujas conclusões, em cada um dos Países, cada uma das Associações fará questão de adaptar, de acordo com as suas realidades.
A nível destes países Portugal e o Brasil serão certamente mais avançados. Que experiências puderam eles brindar aos países menos avançados no sector?
A experiência que eles têm brindado aos chamados Países emergentes, no seio da nossa CPPLP, é enorme. Desde logo, passarem-nos (e tem acontecido) as experiências falhadas que tiveram ao longo dos anos, para que nós não as repitamos. Igualmente a necessidade de legislação sobre a protecção aos mercados, a importância da auto-regulação, o combate ao negócio intermediário financeiro que sufoca as Agências de Publicidade, o respeito pela cultura, a necessidade de respeito pelos criativos publicitários, as ofertas de formação e refrescamento dos nossos profissionais, a interligação das nossas Agências e das Associações de Publicidade com as Universidades e com as empresas, para garantir o mercado de trabalho e outras valências que os mais desenvolvidos aportam aos nossos mercados menos desenvolvidos. A CPPLP tem sido ao longo de todos estes anos, desde que foi constituída em Maputo, em 1999, uma excelente plataforma de crescimento comum e de partilha de informações, documentação e experiências.
E pode-se dizer que o país já detém "know-how" suficiente para concorrer em paridade com as agências publicitárias internacionais?
A pergunta é muito importante, mas permita que eu desvie o foco do problema e da resposta. A questão não está no "know how", por si só! A questão básica está na necessidade de as Agências nacionais serem respeitadas, consultadas, consideradas e capitalizadas, para poderem adquirir o "know how", caso não o possuam. No nosso Pais, por comodidade, interesse e invenção, é fácil dizer que as nossas Agências (que empregam angolanos, mas também estrangeiros, que cumprem todas as leis, que pagam taxas, impostos e rendas, etc.), não têm"know how", não têm qualidade! E, então, é mais fácil, "comprar" publicidade empacotada no exterior, é mais fácil e mais "barato"! É uma mentira e uma falácia! Esta prática esconde outros negócios financeiros, que só enganam os distraídos! Com a protecção, infelizmente, de alguns angolanos, os clientes, os investidores! Mas o "know how" compra-se, adquire-se, da mesma maneira que as empresas estrangeiras, privilegiadas com as consultas e o encaminhamento das verbas dos orçamentos dos grandes clientes angolanos, também adquirem esse "know how", onde ele existe! Então, porque não capitalizar as Agências nacionais de publicidade, legalmente constituídas que, por si, podem depois aliar-se a outros parceiros?
Haverá em Angola concorrência desleal entre agências publicitárias? A análise a este assunto daria para outra entrevista…
Felizmente, temos uma boa relação com o Ministério da Comunicação Social, que em Angola tutela a publicidade e, em conjunto, pugnamos por encontrar normas, caminhos e mecanismos, que permitam a protecção das Agências nacionais, das empresas nacionais, desta nossa indústria, filosofia que naturalmente será do Executivo angolano, para todos os sectores da economia nacional.
Até que ponto o sector da publicidade poderá jogar um papel preponderante no crescimento económico de Angola?
A economia de mercado e a publicidade, completam-se! Naturalmente que o desenvolvimento de Angola está ligado à concretização das politicas que o Executivo definiu para os próximo tempos, como sejam a diversificação da economia, a estabilidade da moeda, o combate às assimetrias regionais, o combate à pobreza e à exclusão, a maior oferta de produtos básicos à população, o incremento dos serviços de educação e da saúde, o desenvolvimento do comércio rural, o crescimento da oferta do fornecimento de energia e água, o apoio ao investimento privado, nacional e estrangeiro, que potencie a economia e promova o desenvolvimento regional e outras metas e objectivos. Para executar, em cada área respectiva, os diferentes programas, cada empresa, quer ligadas aos serviços financeiros (banca e seguros), quer das telecomunicações, quer da alimentação e bebidas, da imobiliária, da agro-indústria, do comércio e serviços, etc., têm que comunicar com o cidadão, com o consumidor, com o mercado.
Para comunicar, que melhores ferramentas que a publicidade e o marketing?
Por isso, este sector será indissociável do crescimento do nosso País.
O senhor exerce durante muito tempo o cargo de director-geral da TVC, por sinal a agência de publicidade da Televisão Pública de Angola. Que peso económico a mesma teve no rendimento da TPA?
Qualquer estação de TV estatal, em qualquer país, que tenha como missão a necessidade de prestação de serviço público, tem que necessariamente viver, prioritariamente, dos fundos provenientes do Orçamento Geral do Estado. Quem considerar que, hoje ou amanhã, uma estação de TV pública, pode subsistir das receitas de publicidade, está profundamente enganado e tem graves defeitos de análise e conhecimento da realidade. As receitas de publicidade serão sempre e só, um adicional de in-puts financeiros, na resolução de necessidades financeiras pontuais da estação, face às inúmeras despesas ligadas a investimentos com a extensão territorial do sinal ao Pais imenso, à renovação permanente dos equipamentos, face à evolução tecnológica, ao pagamento de força de trabalho, quase sempre excedentária, mas "imprescindível", à produção nacional de conteúdos de informação, entretenimento e culturais, necessariamente dispendiosas, à necessidade de aquisição de programação internacional que respeite padrões de ética e de serviço público, etc., etc.., despesas estas que, pelo elevado volume, impossível de cobertura pelas receitas de publicidade, devem continuar a ser asseguradas e garantidas pelo Estado. É a minha opinião. A TVC cumpriu e cumpre este papel, tendo sempre liderado todos os rankings, ao longo da sua existência, na arrecadação de receitas para a TPA, em comparação com todos os outros meios.
A nova Pauta Aduaneira terá alguma incidência sobre a publicidade que se faz em Angola?
Infelizmente não. Não fomos tidos nem achados. Deve ser porque a publicidade é uma mercadoria intangível! Não necessita de ser transportada em contentores. Não necessita de inspecção pré-embarque e inspecção à chegada. Não precisa de facturas licenciadas. É só uma "operação financeira", cuja "mercadoria" pode vir do exterior transportada via fibra óptica, internet ou cassete ou CD "debaixo do braço", ao qual corresponderá uma factura, com muitos termos em inglês, que permitirá enviar para o exterior alguns milhares de dólares. Mas estamos a conversar com o Ministério da Comunicação Social e queremos conversar com o Ministério das Finanças, Direcção Nacional de Impostos, para ver a questão da taxação a esta mercadoria, a publicidade que, muitas vezes, é importada do exterior, sem controlo, em flagrante prejuízo da economia nacional e das empresas angolanas.
Que futuro antevê para o sector publicitário em Angola?
Como angolano e com a firme convicção e desejo de que a economia angolana continue a crescer, só posso estar optimista em relação ao futuro da publicidade em Angola. Com alguns desejos - que se concretizem os planos para a diversificação da economia, que se continue a conter a inflação, que as medidas para a diminuição da pobreza possam ser concretizadas, pela melhor distribuição da riqueza, pelo maior apoio à agricultura, pecuária e pescas, pela aplicação de regras transparentes no comércio, na concessão de créditos, na distribuição de terras e outras medidas que o nosso Executivo tem correctamente preconizado e que devem ser concretizadas no futuro. Se a economia nacional se desenvolver, como o previsto, também crescerá o investimento publicitário.