Um jornal que tem poder, mas que não quer fazer parte do Poder. Um jornal que entende que afirmar o bom jornalismo é uma necessidade permanente. Esta é uma profissão que requer muita responsabilidade e que tem perdido respeitabilidade. O jornalista deve ter consciência de si mesmo e do papel que desempenha na sociedade. O papel dos meios de comunicação social na sociedade é de grande influência hoje. Tem-se dito que o que a comunicação social desconhece nunca existiu, que os três poderes instituídos "se exercem" através dos meios de comunicação social ou deixam de ter poder. A nossa realidade é que existem poderes que olham para a liberdade e independência do jornalismo como uma ameaça, olham para o jornalismo como um contrapoder, como algo que deve ser condicionado, orientado e instrumentalizado aos serviço dos diferentes poderes. Eles ainda lidam mal com a liberdade do jornalismo e com o escrutínio que estes profissionais fazem aos poderes. Ainda se paga um preço muito alto por ousar-se ser livre, isento e independente. Ainda há um contínuo acumular de equívocos em relação ao exercício e os objectivos da nossa actividade, há uma necessidade de se adoptar novas abordagens e criar-se vasos comunicantes.
Uma das grandes conquistas do processo de democratização de Angola foi a liberdade de imprensa, em ano de celebração dos 50 anos da Independência, devíamos ter um maior destaque e mais abordagens sobre o papel da comunicação neste processo. A democracia só se consolida, só se afirma quando há uma diversidade de meios de comunicação em acção, quando há pluralidade. Houve períodos em que se discutia nas redacções a liberdade, a falta de liberdade, os direitos, a falta de direitos, o poder e as relações com poder, e hoje esta discussão está a desaparecer ao nível do jornalismo. Esta discussão já não é útil para os novos jornalistas. O importante é ter um emprego, é estar no lugar. Hoje temos uma geração com mais acesso à informação, mas também vítima de muita desinformação, que tem mais liberdade de opinião e de expressão, mas também com tendência a enveredar para uma certa libertinagem. O efeito que a falta de um controlo deontológico pode ter nas novas gerações de jornalistas é preocupante. Emídio Rangel dizia que "o jornalista não é um missionário, mas deve observar códigos éticos", tudo para destacar o efeito que a falta de um controlo deontológico pode ter nas novas gerações de jornalistas. Temos cada vez mais redacções jovens e sem experiência, temos uma geração que não nasce no conhecimento e na responsabilidade que resulta dos códigos profissionais, eles precisam de um emprego e vão exercendo em função desta lógica. O espírito de missão, a cultura de compromisso, os valores éticos e deontológicos ficam num plano secundário. Há uma lógica de confiança e de responsabilidade no exercício da actividade que deve permanecer. Um olhar para estas novas gerações é um olhar sobre o futuro da nossa actividade, um olhar sobre a liberdade que (ainda) temos e como ela deve ser usada com rigor, objectividade, isenção e equilíbrio. Hoje, paga-se um preço não apenas por "ousar" ser livre, mas também quando se usa essa liberdade sem regras e sem rigor.
Um jornalismo livre e independente é um verdadeiro barómetro para avaliar os níveis de democracia de uma sociedade. Mais do que ser combatido, ele devia ser estimulado e incentivado. Pagámos um preço para conquistar a nossa independência, pagámos um preço para alcançar a paz e a reconciliação nacional. Também lutámos e pagámos um preço para termos a liberdade de expressão como uma conquista a preservar, um valor a defender. Um dos primeiros sindicatos a ser criado após o período de abertura democrática do País foi o Sindicato dos Jornalistas Angolanos (SJA) em 1992. Um grupo de profissionais num período e contexto difícil decidiram, em nome da liberdade, dignidade e estabilidade, criar uma organização para pugnar pela defesa dos direitos e interesses de toda uma classe, obviamente que pagaram um preço por pensarem e agirem com liberdade, mas garantiram que muitos conseguissem exercer a sua actividade com liberdade. A liberdade de imprensa, o papel do jornalismo e dos jornalistas devem merecer o seu espaço e destaque nestes 50 anos da Independência Nacional. A liberdade de expressão e de opinião são liberdades que jamais abdicaremos durante o exercício da nossa actividade.
NOTA: Deixou-nos o Ernesto Gouveia, um antigo jornalista do NJ e homem que contribuiu para a afirmação do jornalismo livre e independente em Angola. Ousado, irreverente e com grande sentido de visão crítica, Ernesto Gouveia deixa um vazio na nossa classe e, em particular, nesta redacção onde deu o seu contributo, fez trabalhos de reconhecido valor e forjou amizades para toda a vida. Descanse em paz, amigo e colega "Gouvas"!