Há seis semanas consecutivas que os stocks de petróleo bruto e refinados nos Estados Unidos, a maior economia e maior consumidor mundial, aumentam de forma significativa, facto que, aliado à crise energética global devido à escassez de gás natural e carvão para alimentar a "fome" de electricidade na Europa e na China, especialmente, mas também noutras latitudes, como o Japão, está a levar os mercados a fazer marcha à ré na escalada de valorização da matéria-prima que vinham permitindo desde o início do ano e no fade out da crise pandémica.

A par disso, em fundo, permanecem os factores que podem, de um momento para o outro, alterar a "química" do negócio global de crude.

Alguns exemplos desses factores são a iminente entrada de mais de 1,5 milhões de barris por dia do Irão, se as negociações do acordo nuclear com os EUA chegarem a bom porto, como se prevê que suceda em breve, os problemas de abastecimento de gás natural à Europa, reforçados pelo corte de relações entre Argélia e Marrocos, que levou ao encerramento do principal gasoduto de ligação à Península Ibérica, ou a possibilidade de a OPEP+, organização que desde 2017 junta os Países Exportadores (OPEP) e a Rússia + nove produtores independentes para equilibrar os mercados fustigados pela Covid-19, ceder à pressão internacional e antecipar o calendário para acelerar o aumento de produção que é esperado apenas para Janeiro de 2022...

E é neste último ponto, a questão da eventual cedência da OPEP+ à pressão, especialmente vigorosa dos EUA, mas também da Europa, Japão, China e Índia, para aumentar a produção, que Angola emerge desta amálgama de situações diversas mas confluentes para a valorização do barril nos últimos meses com um papel importante. Indesejado, mas importante.

De acordo com os dados recolhidos pelas agências, como a Bloomberg, a partir da verificação das exportações de cada um dos membros da OPEP+, Angola e a Nigéria não estão a conseguir cumprir a sua quota de produção para que os 400 mil barris por dia (mbd) que estão a ser acrescentados mensalmente desde Julho sejam se confirmem.

Ou seja, Angola e a Nigéria, que foram das principais vítimas da crise que o sector atravessa desde pelo menos 2016, onde as grandes multinacionais mais desinvestiram, onde menos se investiu na pesquisa por novas reservas e onde a ausência de manutenção mas danos gerou na infra-estrutura produtiva, viram a sua capacidade extractiva evaporar-se num emaranhado de problemas a ponto de não estarem a conseguir cumprir com o acordado no seio da OPEP+.

Estes dois países estão a ser apontados pelos analistas citados pelos sites especializados e agências como estando entre os responsáveis cimeiros de, em Outubro, a OPEP+ ter ficado pela metade do acréscimo de produção, mesmo aquém dos 200 mil bpd.

Angola tem a sua produção limitada próximo dos 1,1 milhões de barris por dia (mbpd), redução de mais de 600 mil bpd em cerca de uma década, pelo desgaste dos seus principais campos e pela ausência de novas descobertas devido ao desinvestimento, e a Nigéria, que é o maior produtor subsaariano, sofre de problemas em tudo semelhantes ao que acrescem problemas de segurança devido aos grupos armados que actuam, no Delta do Níger, cuja importância para aquele país se compara à que Cabinda tem para Angola.

Com este cenário em pano de fundo, o barril de Brent estava hoje, perto das 10:00 de Luanda, a valer, nos contratos para Dezembro, 83,22 USD, -1,79% que no fecho de terça-feira, enquanto em Nova Iorque, o WTI, mesma hora e mesmo prazo, valia 82,33 USD -1,88%.

Olhos postos na reunião da OPEP+ esta semana

Mas os olhos do mundo estão postos na reunião de quinta-feira da OPEP+, onde, mais uma vez, o cartel vai analisar o mercado e tomar decisões sobre a estratégia a seguir para os próximos meses, especialmente se mantém ou altera o calendário em vigor, que desde Julho acrescenta 400 mil bpd mensalmente, até 31 de Dezembro.

Esta atenção é especialmente importante porque a China e os EUA já admitiram a possibilidade de abrir a torneira das suas gigantescas reservas - só as dos EUA atingem os 700 milhões de barris armazenados em bruto -, se os mercados continuarem a hipotecar, devido aos elevados preços, a retoma económica global que se esperava ser mais viçosa no pós-pandemia do Sars CoV-2.

Para já, como ficou claro no resumo de várias intervenções dos membros mais relevantes, como a Arábia Saudita, a Rússia ou o Kuwait, entre outros, feito pelo ministro angolano dos Petróleos, Diamantino Azevedo, actual presidente rotativo do "cartel", no sentido de que o actual programa, + 400 mil bpd mensalmente até Janeiro, é o mais indicado face aos contornos dos mercados actuais, não sendo aconselhável ir mais longe, para já.

O que, se vier a suceder, EUA e China deverão mesmo libertar parte das suas reservas, o que, nos próximos dias, deverá pressionar ainda mais os preços em baixa.

E isso é cada vez mais evidente porquanto alguma pressão anti-combustíveis fósseis que pudesse vir da Cimeira Mundial do Clima da ONU, ou COP26, em Glasgow, na Escócia, como antecipava a activista sueca, Greta Thunberg (na foto), não está a ser mais que "bla, bla, bla, bla...", apesar de o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, não se cansar de repetir que a Humanidade está claramente sem alternativas e à beira do precipício, "cavando a sua própria sepultura" através da contínua queima de combustíveis emissores de Co2 e metano, entre outros poluentes, como o enxofre, que tem nos transportes marítimos o seu grande... fornecedor.

E, apesar de tudo, como pode Angola aproveitar este momento?

Para países como Angola, cujas economias são extremamente dependentes das exportações de crude, este momento é, seguramente, gerador de derradeiras oportunidades para investir na diversificação das suas economias com os excedentes gerados pelos elevados preços da matéria-prima, escolhendo bem onde apostar.

Com o barril nos 83 USD, o Executivo angolano, que elaborou o OGE 2021 com 39 USD - o de 2022 está pensado, embora ainda não tenha sido aprovado, para os 59 USD - como valor de referência para o barril, conta com um bónus de 43/44 dólares, o que permite, mesmo que sejam gigantescos os compromissos com a dívida externa, colocar uma boa parte deste superavit na diversificação da sua asfixiada economia.

No entanto, para já, de forma a corresponder a urgências imediatas, como é o caso da redução dos gastos com a subsidiação dos combustíveis, gasolina e gasóleo, que leva dos cofres públicos quase 2 mil milhões USD/ano, o Governo tem colocado uma boa parte das fichas na aposta da construção de refinarias, contando com o abastecimento local e com a exportação de refinados para outros países do continente onde a transição energética, espera-se, venha a demorar mais a chegar.

Porém, como alguns especialistas têm vindo a chamar à atenção para isso, o calendário destes processos não obedece às leis a que estávamos habituados no passado e podem, de um momento para o outro - a COP26, em Glasgow, é um bom exemplo e uma possibilidade de algo inesperado suceder - conduzir a mudanças radicais de paradigma que deitem por terra tudo isso, face à já hoje evidente urgência de mudança, como lembrou na última Assembleia-Geral da ONU, o seu Secretário Geral, António Guterres, afirmando que o mundo vive o seu último curto intervalo temporal para levar a sério o "alerta vermelho" climático.

Ou seja, se não for nos próximos 2 a 3 anos, Angola terá, exponencialmente, mais e mais dificuldades em ter como investir na modernização da sua agricultura, na diversificação das fontes de rendimento, no aproveitamento do seu potencial mineiro...

Cenário de fundo

No entanto, este é o momento para aproveitar o que houver para aproveitar. Mas mesmo isso não está a ser fácil.

Se Angola, Nigéria, Líbia ou Argélia, os grandes produtores africanos, sofreram com a baixa do consumo, a recuperação não está a ser igualmente rápida, muito devido à fraca capacidade de resposta, de forma mais acentuada em Angola e na Nigéria, por causa da deterioração da sua infra-estrutura, do desinvestimento em pesquisa, em manutenção e já, também, resultado de uma desistência global do petróleo devido à poluição e o esforço mundial para uma transição energética que afaste a ameaça das alterações climáticas sobre a humanidade.

Mas o mesmo não se pode dizer dos países do Golfo, que tiveram melhor visão estratégica ao longo dos anos, investindo mais na diversificação e na manutenção dos seus campos, que, agora, estão a dar uma resposta adequada ao aumento da procura e a gerar optimismo entre os diversos sectores económicos, como é o caso da Arábia Saudita, cujo mercado bolsista cresceu mais de 42 por cento nos últimos 12 meses.

E mesmo as plataformas abandonadas para a extracção de crude, estão a ser transformadas em atracções turísticas com grande sucesso.

Este exemplo é ainda mais interessante porque o crescimento mais volumoso reflecte-se, segundo os media internacionais especializados, no sector não petrolífero, como as telecomunicações, o turismo, o comércio e a indústria química..., sendo que a petrolífera nacional, a ARAMCO, no último trimestre lucrou mais de 26 mil milhões USD, o que pode comparar negativamente com as continuadas perdas da Sonangol.

A ficar para trás

Entre os restantes exportadores de crude, a recuperação está a ser substancialmente mais lenta, como é o caso de Angola, onde a economia se debate com a pressão da inflação, que pode chegar, segundo o INE e o BNA, aos 27% nos próximos meses, uma crise social sem precedentes desde o fim da guerra, em 2002, e uma assinalável incapacidade para que os esforços da diversificação económica mostrem sinais de estar a produzir efeito.

Como pano de fundo para este cenário difícil, o País tem o acentuado declínio da sua produção de petróleo, que está actualmente abaixo dos 1,1 milhões de barris por dia e com tendência para diminuir ainda mais.

Tudo devido aos sobejamente conhecidos problemas do abandono de algumas das majors com investimentos no off shore nacional, face a uma "infecciosa" dependência do petróleo que, ao longo dos anos, criou uma inércia geral face à urgência de diversificar a economia apesar de ser bem conhecida essa urgência.

E o resultado é o que se sabia estar ao virar da esquina perante uma realidade em que o petróleo ainda é rei e senhor na economia nacional.

Sendo Angola um dos países na linha da frente das repercussões do sobe e desce dos mercados petrolíferos, devido à sua dependência das exportações de crude para o equilíbrio das suas contas - o petróleo ainda é responsável por mais de 94% das exportações e mais de 60 por cento dos gastos do Executivo e acima de 30% do PIB, este cenário de recuperação permite, ainda assim, algum optimismo nas contas nacionais mas ainda longe de um regresso ao patamar alcançado a partir de 2008, com o barril, como exemplo, a chegar aos 147 USD no Verão desse mesmo ano, permitindo um boom económico como nunca visto até ali.

A produção actual, em constante declínio, está abaixo dos 1,1 mbpd devido ao desinvestimento das "majors" a operar no offshore nacional, especialmente a partir de 2014, quando se verificou uma quebra abrupta do valor do barril, que passou de mais de 120 USD para menos de 30 dois anos depois, em 2016, bem como devido ao esgotamento/envelhecimento dos campos mais activos.

Apesar das mudanças substanciais na legislação referente ao sector e às alterações profundas nesta indústria decisiva para o País, a produção tem vindo a perder viço especialmente por causa da deterioração da infra-estrutura produtiva que desde 2014 viu os investimentos das "majors" descer, a fraca aposta na pesquisa por novas reservas e o envelhecimento de alguns dos mais importantes poços activos no offshore nacional.

E com a transição energética a impor cada vez mais a sua vontade, com o crude e os restantes hidrocarbonetos a ser olhado como uma infecção perigosa e contagiosa, o País tem agora de fazer o que não fez nos últimos 20 anos: diversificar a sua economia o mais rápido possível, porque o petróleo tem os dias contados. E são cada vez menos.