Em tempos em que a discussão sobre a autenticidade na comunicação encerra uma elevada complexidade e que a verdade jornalística vai-se confrontando com outras "verdades". E como diz o autor, informação jornalística passou a ser vista socialmente não como "a verdade", mas apenas como a "verdade jornalística", que pode ser ou não adoptada como autenticidade por quem comunica. Num mundo em que a mediação jornalística passou a dividir o palco informacional com o espaço de opinião e as redes sociais, como descrevem os autores.
Qual é o efeito da desinformação sobre as escolhas políticas dos cidadãos? Como lidar com a desinformação num período em que se vive uma decadência da democracia em várias partes do mundo? Qual é a percepção que os cidadãos têm hoje da desinformação? Qual é a importância do jornalismo hoje perante o surgimento de outros actores que vão assumindo o "palco" da comunicação? Como lidar com sociedades em que a mentira, o ódio e a discriminação têm cada vez mais espaço e vão se tornando cada vez mais aceitáveis? Como a literacia mediática deve ser exercida com maturidade e acompanhada de outras literacias? A cultura do "fact-checking ", bem como o papel da transformação cívica e a educação nas sociedades democráticas, estes e outros assuntos fizeram parte desta interessante visita de estudo com mais de uma dezena de profissionais provenientes de África, Ásia e Europa.
A decadência da democracia, a fragilidade das instituições, a fragmentação das sociedades criam várias vulnerabilidades, permitindo que a manipulação e desinformação consigam ter maior penetração e "palco" para actuação. Temos hoje sociedades com acesso a muita informação, mas também muito desinformadas. Segundo um estudo do PEW Research Center, feito entre Julho - Agosto de 2024, 54% da população adulta nos EUA acessam regularmente a informação por via das redes sociais. Sendo que 33% da informação é via Facebook, 32% YouTube, 20% pelo Instagram, 17% via Tik Tok, a rede X acolhe 12% e os restantes por mais três fontes de acesso. Tudo isso foi aqui partilhado e é bastante revelador como hoje as pessoas já não vão aos meios tradicionais para obter informação primária e necessária. Esta é uma realidade não só dos EUA, mas de todo o mundo.
Estes dados também ajudam a perceber que as redes sociais em países como Angola fizeram aumentar a participação livre dos cidadãos no espaço público, aumentou a diversidade de opinião, a sua interacção com os factos políticos e sociais, bem como a própria confiança dos cidadãos, passando a ser um verdadeiro "escape", uma alternativa aos espaços fechados e controlados pelo poder político nas estruturas oficiais e públicas de comunicação. Mas não há bela sem senão, como se ousa dizer. As redes sociais também trouxeram vários desafios e preocupações, sendo muitas vezes tidos como um espaço de ninguém, sem ordem e regulação. São hoje espaços onde o discurso de ódio cresce exponencialmente, o populismo ganha espaço e a desinformação circula facilmente. Como vivemos tempos em que as sociedades estão fragmentadas, estão fragilizadas aos mais variados níveis e são incapazes de lidar com manipulação e interferências externas.
Os cidadãos hoje não acreditam nos órgãos tradicionais e, em muitos países, a questão da confiança está muito associada ao sistema político vigente e a estratégia adoptada. No caso de Angola, o Executivo chamou a si o monopólio da comunicação social, exerce uma excessiva interferência na linha editorial dos órgãos públicos e isso acaba por lhe retirar a confiança dos cidadãos, que passam a olhar para a maior parte dos seus conteúdos como propaganda e manipulação, preferindo a oferta que lhes vai surgindo nas redes sociais. Estudos que tivemos acesso nestes dias revelam que perto 32% da população em todo o mundo tem muitas dúvidas e vai deixando de acreditar naquilo que os órgãos de comunicação social e jornalistas publicam. No nosso caso, Angola, além do que aqui citei, existe também o facto de que a estrutura que não controla os órgãos livres e independentes vai regularmente criando narrativas e mecanismos para os desacreditar, para colocá-los numa posição de contra-poder aos poderes instalados, alimentando a narrativa de que estão "ao serviço" de outros poderes e até forças externas, nunca ao serviço da liberdade, da democracia e da verdade.
É importante dizer que a manipulação e a desinformação são considerados um dos maiores riscos e ameaças à democracia. Temos todos de lutar cada vez mais para a afirmação do jornalismo e da verdade. Temos de debater, reflectir e trabalhar em coordenação. É importante que providencie aos cidadãos o direito de não serem desinformados. É a visão da situação em Angola, do papel do jornalismo e da necessidade de uma estratégia nacional de combate à desinformação que trago aqui e muito mais levo daqui. O tempo urge e a democracia está ameaçada.

