Depois de longos meses a fugir às suas responsabilidades, com uma redução substantiva das armas e dinheiro para Kiev, as sanções europeias e norte-americanas voltam a ser disparadas contra Moscovo para marcar o simbolismo do calendário.

Desde que se tornou evidente o falhanço da famosa contra-ofensiva ucraniana do Verão de 2023, o tema "guerra na Ucrânia" foi saindo das primeiras páginas dos grandes jornais ocidentais, evidenciando um cansado nas sociedades ocidentais com este conflito e as suas consequências económicas.

As armas pouco... maravilha

De nada valeram as vagas de armas modernas e sofisticadas oferecidas pelos norte-americanos, alemães, britânicos, franceses... e isso foi especialmente notado tanto nas "trincheiras" dos governos aliados do ocidente como na "frente" mediática pró-ucraniana.

De tal forma assim foi, que no segundo semestre de 2023, a questão da guerra na Ucrânia esteve escondida nas páginas interiores desses mesmos jornais e os grandes canais de tv internacionais desfizeram-se dos longos espaços de noticiário e análise a este conflito.

Mas, foi-se aproximando a data do início da invasão russa, não do início da guerra, porque esta tem raízes mais profundas, desde logo no golpe de Estado de 2014, onde, com o apoio dos Estados Unidos, os nacionalistas ucranianos destronaram o Presidente pró-russo, Petro Poroshenko.

E o tema não só voltou aos espaços mais nobres dos media ocidentais como voltou a ser tema importante nos corredores do poder nos países ocidentais, onde emergiu por estes dias um ímpeto pró-ucraniano como já não se via há longos meses.

E tudo para que a data de 24 de Fevereiro não seja um estrondoso marco da iminente vitória russa nesta guerra, onde, com o volume de mortos e estropiados, de um lado e do outro, dificilmente no futuro alguém de poderá gabar de a ter ganho.

Mas nada mudará no rumo dos acontecimentos no terreno, porque o apoio ocidental à Ucrânia não acompanha em volume e importância o regresso da retórica pró-ucraniana, como o mostra a incapacidade dos EUA em aprovar novos pacotes de ajuda no Congresso.

E se há uma coisa que é evidente é que sem o dinheiro e as armas Made in UA, a Ucrânia está, a prazo, condenada a soçobrar perante a superioridade russa em todas as frentes e em meios disponíveis.

Sem forma de conseguir levar o Congresso, onde a maioria republicana da Câmara dos Representantes lhe trava o passo, o Presidente democrata, Joe Biden, fica com as sanções como única arma de arremesso contra Moscovo.

E, apesar de as sucessivas vagas de sanções contra a Rússia, as mais pesadas de sempre aplicadas a um país, 13 pacotes aprovados pela União Europeia e uma dezena deles em Washington, a economia da Federação Russa soma e segue a crescer com números que fazem inveja à Europa ocidental e aos EUA.

Os estranhos números do FMI

Depois de uma quebra em 2022 e 2023, embora menor que o esperado e em linha com o que sucedeu nos países ocidentais, mas melhor que a Alemanha, por exemplo, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima para 2024 um crescimento de 2,6%.

Isto, apesar das sanções, é muito superior ao que o fundo espera para o Reino Unido, apenas 0,6% e para o conjunto da União Europeia, que será de uns meros 0,9%, o que permite a alguns analistas expor já como facto que as sanções de Washington e Bruxelas saíram pela culatra.

A razão essencial é que as potências industriais europeias assentavam a sua força produtiva no gás e no petróleo baratos que chegavam da Rússia em gasodutos e oleodutos... mas foi nesse sector energético exactamente onde as sanções mais incidiram.

E isso obrigou estes países a irem comprar energia, não apenas petróleo e gás natural, mas também carvão, muito mais caros, aos Estados Unidos ou no Médio Oriente e na longínqua África, criando o risco de a Europa ver diluir-se a sua relevância económica.

Apesar desta evidência, tanto a União Europeia, que aprovou esta semana o 13º pacote de sanções, como os EUA, colocaram a correr novas punições económicas aos russos, com o pacote norte-americano anunciado por Joe Biden a incidir sobre 500 alvos.

Entre estes 500 alvos, a Casa Branca, nesta "prenda de aniversário", entregue esta sexta-feira, visa ligações entre o complexo industrial militar do Kremlin e companhias estrangeiras que estejam a apoiar, directa ou indirectamente, o esforço bélico de Moscovo.

Só que, mais uma vez, esta sanções, na União Europeia, voltaram a criar atrito entre os Estados-membros, a ponto de a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula Leyen, ter sido obrigada a retirar o alumínio da lista das importações proibidas.

O alumínio importado da Rússia é parte essencial e de base da indústria europeia ligada à aviação, aos comboios e à alimentar (fabrico de embalagens) e esta não aguentaria mais um golpe como sucedeu com o crude e o gás natural, expondo assim a hipocrisia europeia.

A par das sanções "comemorativas" dos dois anos de guerra, europeus e norte-americanos estão igualmente a preparar pacotes punitivos a propósito da morte de Alexei Navalny, o principal opositor de Vladimir Putin.

Embora não seja ainda conhecida a causa, ou as causas da morte de Navalny, de Washington a Bruxelas, não surgiram dúvidas sobre a culpabilidade do Kremlin e isso foi suficiente para o anúncio de novos e severos pacotes de sanções...

A quem serve a morte de Navalny

Alexei Navalny morreu numa das mais duras prisões russas, no Ártico siberiano, onde cumpria uma pena acumulada de 30 anos de cadeia, o que faz com que não se perceba o objectivo do Kremlin, se se confirmar que Putin esteve por detrás desta morte.

Isto, porque o Presidente russo está a lidar com a guerra na Ucrânia, onde nem tudo são rosas, e com as eleições de Março, concorrendo para mais um mandato que o levará à marca de 30 anos de poder, e esta morte é um erro estratégico, nesse contexto, como acusa o ocidente.

Depois de um encontro com a viúva e a filha de Navalny, o Presidente dos EUA disse, citado por The Guardian, que vai anunciar em breve "mais sanções contra Putin", porque "é ele o responsável pela sua morte".

Para o Kremlin, segundo o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, "esta é uma reacção histérica" e lembrou que "os países do ocidente não têm qualquer direito em se imiscuírem nos assuntos internos da Rússia".

Para tentar travar o efeito de distracção com a morte de Navalny do que considera essencial, que é a guerra no seu país, o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky voltou a dar uma entrevista desesperada a clamar por mais apoio dos EUA para o seu esforço de guerra.

E optou por, talvez, a frase mais dramática proferida até hoje, escolhendo uma pequena localidade no leste da Ucrânia, não muito longe da linha da frente: "A Ucrânia sobreviveria sem o apoio dos EUA? Talvez, mas seguramente não nós todos!".

Provavelmente, depois de passar a data simbólica de 24 de Fevereiro, riscando a sangue e morte os dois anos de guerra no calendário, o tema do conflito no leste europeu voltará a sair das primeiras páginas dos grandes jornais ocidentais.

E isso ver-se-á assim que os correspondentes para lá enviados para sublinhar este marco, começarem a regressar, não com os relatos efusivos da iminente vitória ucraniana, como em 2022 e 2023, mas com a realidade a faiscar nos olhos... o iminente colapso das forças de Kiev.

Os heróis do povo de Putin

Para já, em Moscovo, Putin aproveita os sucessos na frente de guerra, como o da conquista de Avdiivka, e quando é a Rússia que prepara uma ofensiva, como admitem vários analistas militares, a partir da gigantesca concentração de forças ao longo dos 1200 kms de frente.

Para isso, numa cerimónia de propaganda e aproveitamento das circunstâncias, Vladimir Putin elogiou os militares que estão nas trincheiras e a crescente capacidade da indústria militar da Federação Russa.

"São autênticos heróis do povo", disse Putin neste vídeo divulgado agora para servir de marco ao simbolismo do calendário, reforçando a ideia de que a Rússia está pronta para levar a guerra até onde for preciso no tempo.

"As nossas mpresas do complexo militar-industrial aumentaram fortemente a produção e a entrega do armamento mais necessário para o cumprimento das suas tarefas", disse Putin com ar visivelmente satisfeito.

Em pano de fundo a todo este momento fica o momento em que, nos EUA, o Presidente Joe Biden, foi onde nunca tinha ido nos ataques verbais a Putin, a quem chamou "um filho da puta maluco" que obriga a Casa Branca a estar sempre inquieta com uma possível guerra nuclear.

A este ataque inusitado, o Kremlin disse ser "uma vergonha para os EUA" e mandou Washington pesquisar um único momento que seja em que Putin tenha tido uma demonstração de falta de respeito pelo seu homólogo norte-americano.