Um acordo de paz entre os guerrilheiros do MFDC e Dacar não é uma novidade, visto que, ao longo das últimas décadas, foram vários documentos com esse fim assinados, mas sempre torpedeados por dentro do "movimento" com a criação de novas facções com renovadas reivindicações separatistas.

Com milhares de mortos e feridos e desalojados no registo, por causa dos combates, embora de baixa intensidade, entre os rebeldes e o Exército senegalês, especialmente a partir de 1990, a região de Casamança, que deve o nome ao rio que a atravessa, é fundamental para o Senegal devido à sua densa coberta vegetal e solos qualificados para a produção agrícola, ao contrário da quase totalidade do restante território semiárido ou desértico.

Casamança pertenceu à então colónia portuguesa da Guiné, actual Guiné-Bissau, até 1988, quando Portugueses e franceses negociaram a integração do território no Senegal enquanto os portugueses acolhiam no seu "império" colonial uma parte do norte da Guiné-Conacri, actual República da Guiné, que acabou agregada à Guiné-Portuguesa.

Mas o povo de Casamança, maioritariamente de etnia "Jola" e com fortes ligações culturais e sanguíneas ao norte da Guiné-Bissau, nunca aceitou integralmente esta separação e, no início da década de 1980, a criação do MFDC deu corpo a essa insatisfação, exigindo a intervenção do Governo de Lisboa na intermediação deste conflito, mas de Portugal esse passo nunca surgiu.

Com pequenas escaramuças a garantir que a luta em Casamança não saia por muito tempo do espaço mediático, um pouco à semelhança, inclusive do ponto de vista histórico, com Cabinda, em Angola, um acordo de paz nunca deixou de ser tentado pelo Governo de Dacar, levando mesmo, ao longo dos anos, a episódios de tensão entre os países vizinhos, a Guiné-Bissau e a Gâmbia, com algumas situações muito próximas de um conflito militar aberto porque Dacar acreditava que eram porosos à condição de refugio seguro para os guerrilheiros.

Ainda hoje, os rebeldes do MFDC estão permanentemente sob foco quando ocorrem golpes ou tentativas de golpes de Estado na Guiné-Bissau, devido à facilidade com que tomam partido por um dos lados devido à proximidade étnica, ou porque são facilmente contratáveis para ajudar nos objectivos de quem melhor pagar.

Com este acordo, agora divulgado pelo Governo de Macky Sall, o Presidente senegalês e também actual líder da União Africana, os rebeldes do MFDC prometem baixar as armas e trabalhar em conjunto com as autoridades de Dacar para consolidar a paz em termos definitivos.

O líder dos rebeldes, César Atoute Badiate e um emissário de Macky Sall assinaram este acordo em Bissau, no passado dia 04 de Agosto, sob os auspícios do Presidente guineense Umaro Sissoco Embaló, o que permite ao líder guineense ganhar pontos na sua procura por protagonismo no continente africano, sendo este o maior trunfo da sua recente Presidência da CEDEAO, a organização sub-regional da África Ocidental, a primeira vez que este pequeno país lusófono assume o cargo.

Também Macky Sall consegue o objectivo prioritário do seu segundo e derradeiro mandato enquanto Presidente do Senegal, que era, precisamente, por termo ao "eterno" conflito de Casamança.

Numa citação divulgada pela AFP, o Presidente guineense disse ao chefe do MFDC, aquando da assinatura do documento, que a sua luta começou quando ele tinha apenas 10 anos e, hoje, aos 50, é tempo de ver terminado esta situação que trava o desenvolvimento do Senegal e dos seus vizinhos também, lamentando ainda todos aqueles que morreram, ficaram estropiados ou foram obrigados a abandonar as suas casas.

Sissoco Embaló comprometeu-se a acompanhar de perto este processo e a ser o "garante da paz" através da vigilância do cumprimento do que o acordo estabelece, disse o igualmente presidente da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental)

Este acordo é assinado agora depois de mais de ano e meio de forte ofensiva do Exercito senegalês no interior da região de Casamança, cortando as suas fontes de subsistência e financiamento, como o tráfico de madeiras nobres e estupefacientes, impedindo, através de um forte contingente ao longo das linhas de separação com a Guiné-Bissau e a Gâmbia, onde os homens de César Atoute Badiate habitualmente se refugiavam.

O MFDC é um dos mais antigo movimentos de guerrilha independentista em África, existindo desde 1982, e é de natureza distinta de outras organizações semelhantes, como, por exemplo as do leste da República Democrática do Congo (RDC) mais familiares aos sentidos dos angolanos, como os ugandeses da ADF ou os ruandeses da FDLR, bem como o M23, que têm origem em conflitos existentes e na necessidade de protecção de interesses e grupos de carácter étnico, sem a dimensão da reivindicação territorial, sendo, isso sim, de génese equiparada à Frente para a Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC), criada em 1963, combatendo, primeiro o Exército colonial português e, depois, a partuir de 1975, as forças de Luanda.