Desde logo, porque se os cinco - Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul - já são um desafio cintilante para o Ocidente, personificado no G7 - EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Itália, Canadá e Japão -, se a eles se juntarem, como se espera, a Arábia Saudita e, entre outros, a Argentina, Argélia ou a Indonésia, então, finalmente, os mais ricos do Norte terão de se por em guarda, porque o mundo poderá passar a ser disputado palmo a palmo em influência, crescimento económico mas, o mais relevante, no acesso aos minérios estratégicos e essências à indústria do futuro, na sua esmagadora maioria presentes no subsolo do imenso e empobrecido Sul.

E se os trabalhos vão decorrer, no Centro de Convenções de Sandton, em Joanesburgo, sob o lema "BRICS e África, Uma Parceria para o Aceleramento Mútuo do Desenvolvimento Sustentado e o Multilateralismo Inclusivo", a verdade é que é o alargamento da organização que, a acontecer neste histórico encontro, fará a diferença para o futuro.

Sobre esse particular, sabe-se que são muitos os candidatos à entrada neste cada vez mais cintilante grupo restrito - mais de 30 convidados e potenciais candidatos, além das organizações globais, como a ONU, e regionas, como a União Africana, estarão nesta Cimeira -, desde logo outras grandes potências regionais, como a Argélia, a Indonésia, a Argentina, a Arábia Saudita ou o Egipto, uns com mais empenho que outros para fazer esse caminho, mas Angola não é um deles.

Já foi, em 2018, quando o Presidente João Lourenço, igualmente na África do Sul, disse formalmente que queria ver Luanda a integrar esta organização, mas, entretanto, muita água correu debaixo das pontes e hoje, Angola está claramente apostada em cimentar os laços com o Ocidente, especialmente com os EUA.

Angola escolheu para se fazer representar na 15ª Cimeira de Chefes de Estado e de Governo dos BRICS, a cada vez mais poderosa organização dos mais ricos entre os pobres e que melhor representa o Sul Global, o ministro de Estado para a Coordenação Económica, José de Lima Massano.

Esta opção surge como um contraste gritante com a Cimeira de 2018, igualmente neste país africano, onde Luanda esteve ao mais alto nível, com o Presidente da República, o que condiz com a clara e consciente opção de Angola em apostar numa maior aproximação aos EUA e ao Ocidente, como João Lourenço frisou na Cimeira EUA-África em finais de 2022, em detrimento de Moscovo e Pequim, embora sem "queimar" a histórica ligação de Luanda a estas capitais.

Alias, o Chefe de Estado angolano, em 2018, lançou mesmo um desafio aos BRICS para que acolhessem Angola no seu seio, como membro efectivo, defendendo na altura que esta organização era o palco ideal para levar o país a acelerar o seu desenvolvimento. Hoje, é com o Ocidente liderado por Washington que Luanda se vê a trilhar os caminhos do futuro.

Todavia, a representação de João Lourenço pelo seu ministro de Estado, Lima Massano, que em termos diplomáticos é relevante, embora, por norma, se considere que é através do ministro das Relações Exteriores que se confere maior peso institucional à representação do Chefe de Estado, demonstra que em Luanda não se pretende terraplanar os elos históricos com a organização e os seus membros, todos com fortes laços de amizade e interesses, bastando lembrar a Rússia, a China e o Brasil.

O caso Putin

E, por falar em representação, enquanto não se sabe se os BRICS vão assumir de uma vez por todas a designação BRICS +, o que permitirá acrescentar membros a esta cada vez mais relevante trincheira económica e política global - basta atentar na importância que agora lhe está a ser dada pelos mais relevantes media de todo o mundo -, é a ausência física do Presidente russo, Vladimir Putin, e a possibilidade, embora remota, da criação de uma nova moeda para destronar o dólar norte-americano como principal divisa franca planetária, que está a encher os cabeçalhos da comunicação social quase de forma geral, especialmente no Ocidente.

A ausência de Putin já estava confirmada há semanas, fazendo-se representar pelo seu veterano ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, por causa do mandato de captura internacional emitido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), ao qual a África do Sul, por ser membro desta corte penal, estava obrigada a cumprir, o que iria causar uma desnecessária turbulência que teria como consequência afastar o foco do essencial, que é o fortalecimento deste grupo cada vez menos ad hoc e mais formal.

Quanto a uma nova moeda de valor assente em matérias-primas, como o ouro, por exemplo, cujo objectivo será excluir o dólar dos EUA das transacções entre os Estados-membros dos futuros BRICS+, essa dificilmente saíra de Joanesburgo já "desenhada".

Embora alguns analistas entendam que se esta organização quiser, de facto, avançar como uma locomotiva contra a ordem mundial assente nas regras criadas pelos EUA após a II Guerra Mundial, e que tem no FMI e no Banco Mundial os pilares do seu poder e domínio, embora também a ONU - cujo Conselho de Segurança é de maioria ocidental -, então, o processo de criação da nova divisa terá se ter em Joanesburgo um "click" que não deixe margens para dúvidas de que se está a falar a sério.

Algumas das questões em cima da mesa são não só complexas como de, provavelmente, desfecho impossível nos três dias da 15ª Cimeira dos BRICS em Joanesburgo. E uma das mais rugosas é o alargamento da organização.

Se, por um lado, a China e a Índia, como economias fortemente assentes na produção e exportação, quererão - mais Pequim que Nova Deli - alargar a geografia o mais possível de forma a facilitar o escoamento do produto da sua afinada indústria, outros, como o Brasil e a Rússia, terão menos apetite por esse alargamento, porque, como está, este grupo confere-lhes uma importância de nível superior ao que têm noutros palcos regionais e sub-regionais, e que, naturalmente, do qual ver-se-ão afastados à medida que o palco é ocupado por mais e novos actores.

Já a África do Sul é, claramente, o membro que mais terá a ganhar e a perder ao mesmo tempo. E se é verdade que à medida que os BRICS alargarem a sua geo-influência, mais Pretória terá argumentos para esgrimir contra EUA e União Europeia que pressionam para afastar a África do Sul das suas parcerias quer com a China quer com a Rússia, por outro lado, é a capital que mais perde palco internacional com a chegada de novo "sócios".

Um bloco gigante a que ninguém queria dar relevância mediática no Ocidente

Os BRICS não são apenas uma frente política à qual já ninguém pode fechar os olhos, são um tsunami económico ao qual ninguém pode virar as costas sob risco de ser arrastado sem apelo nem agravo.

Criado de forma pouco ortodoxa a partir do início deste século, e "cunhado" por alguns analistas financeiros para designar as economias em franco crescimento fora do mapa ocidental ou ocidentalizado, o termo BRICS só ficou completamente desenhado em 2010 com a adesão da África do Sul.

Mas nunca teve tamanha exposição como desde que começou a guerra na Ucrânia com a Rússia a invadir o país vizinho quase ao mesmo tempo que firmava uma parceria histórica com a China e oficializavam, em conjunto, um dos objectivos mais ambiciosos de sempre: a construção de uma nova ordem mundial assente em parcerias entre iguais, de forma a combater hegemónica dominância dos EUA e dos seu parceiros europeus sobre as grandes e mais relevâncias instâncias internacionais, pondo e dispondo a seu belo prazer...

A par das contas que, entretanto, se começaram a fazer, desde logo quando estourou como uma bomba nos media mais importantes este dado simples mas até então quase desconhecido: o PIB conjunto dos BRICS é superior ao do G7, agrega muito mais população (41% da população mundial), a sua área geográfica (27% do mundo) é incomparavelmente maior e tem um potencial de crescimento que nem de perto nem de longe se compara ao da fortaleza ocidental chefiada por Washington.

E é sobre o que fazer com este poder todo nas mãos que Lula da Silva, Vladimir Putin, que estará apenas por videoconferência, Xi Jinping, Narendra Modi e Cyril Ramaphosa terão de falar, e muito, nestes três dias.