Ainda não é a linha vermelha de que em tempos Vladimir Putin falava para o risco de se ver forçado a uma escalada neste conflito, mas aquilo que os Estados Unidos acabam de divulgar, é, pelo menos, atravessar uma linha laranja, ao prometerem a Kiev que não vão poupar esforços no reforço da capacidade anti-aérea ucraniana para impedir que a Rússia continue a ter o poder de cortar a luz a milhões de famílias do leste ao oeste da Ucrânia.

A par do reforço da capacidade de defesa do seu espaço aéreo, com as mais modernas armas existentes nos arsenais dos aliados de Kiev no Ocidente - ainda está em aberto o envio de sistemas norte-americanos Patriot para as fronteiras ucranianas -, a Ucrânia vai, em breve, passar a contar com um gigantesco apoio dos europeus e dos americanos para garantir que sempre que os misseis e drones russos atingirem as linhas de fornecimento de energia, sistemas alternativos possam ser imediatamente ligados para que a electricidade não falhe nas casas agora geladas por temperaturas que chegam aos 15 graus negativos nalgumas regiões.

Se isso acontecer, com a aumentada capacidade anti-aérea e a garantia de resposta imediata aos cortes de electricidade, através da colocação de ilhas de geradores a gasóleo, os russos deixarão de poder contar com a sua mais eficaz arma actualmente para tentarem vergar a resistência ucraniana, que é cortar as fontes de aquecimento das casas quando o "general Inverno" se instalou no campo de batalha, e sem essa capacidade, aos comandantes russos restará pouco mais que o esforço sangrento na linha da frente de avançar lentamente no terreno, ao mesmo tempo que as forças de Kiev parecem estar cada vez mais eficazes nos ataques de longa distância a bases a centenas de quilómetros no interior da Federação Russa.

Isto, quando se sabe, confirmado tanto pelos media ocidentais como pelos órgãos de comunicação social russos, em Bahkmut, uma área ainda sob domínio ucraniano na região de Donetsk, no Donbass, se trava a mais sangrenta batalha desde a II Guerra Mundial em solo europeu, com ambos os lados a forçar o avanço sobre trincheiras escavadas no solo gelado, com alguns analistas militares, como o major-general Agostinho Costa, em análise desenvolvida na CNN Portugal, a avançarem que os ucranianos, sob continuado bombardeamento russo nas suas posições de defesa, estão a perder perto de 500 homens por dia e dezenas de veículos e peças de artilharia, sendo que do lado russo, o volume de perdas será muito próximo.

O que pode estar a mudar?

Somam-se, entretanto, as notícias de que os lideres europeus estão a ficar demasiado cansados do efeito boomerang das sanções aplicadas à Rússia, especialmente agora, com a chegada do Inverno - se a Ucrânia se contorce de frio com 15 graus negativos, em alguns países europeus, como a Alemanha, Polónia, na Escandinávia, os Bálticos, ou mesmo na Hungria e Roménia, etc, o problema repete-se -, com o risco de apagões prolongados em França, por exemplo, tendo mesmo o Presidente Macron sido obrigado a vir a público pedir que se evite espalhar o pânico, mas essencialmente com o custo de vida a atingir patamares estratosféricos nunca vistos.

Isso mesmo fica claro nas palavras ditas em público pelo chanceler alemão, Olaf Scholz, que não se nega a manter uma linha aberta de diálogo com o Presidente russo, ou ainda o Presidente francês, Emmanuel Macron, que, não só mantém a via a aberta com o Kremlin, como faz questão de sublinhar que esta guerra tem de acabar e de se chegar a um acordo, porque, como também disse o alemão, todos os conflitos acabam à mesa das negociações. E se Berlin e Paris estão com este posicionamento, dificilmente a restante europa ocidental poderá desalinhar muito disto.

Alias, os media franceses divulgaram por estes dias que largas dezenas de CEO"s das maiores empresas do país, logo, das maiores da Europa, e mesmo do mundo, se reuniram, num relativo secretismo, para elaborar uma nova abordagem a este problema, sendo que o objectivo é acabar com a guerra na Ucrânia, sejam quais forem os inconvenientes políticos.

Ao que, do Kremlin, veio como resposta, não dirigida mas coincidente temporalmente, a garantia, repetida, diga-se, de Putin, de que Moscovo está disponível para um acordo imediato que ponha fim ao conflito. Para já, de Kiev, veio um sonoro "não" a tal possibilidade, mantendo Zelensky como posição oficial e inamovível, para já, que a guerra só acaba quando o último soldado russo sair de todo o território ucraniano, incluindo a Crimeia, o que faz com que só uma pressão externa com tamanho poder - só os EUA o possuem - leve Kiev a alinhar numa solução negociada que imponha perdas de território.

A Europa a duas velocidades

O debate que se trava hoje nos gabinetes de Bruxelas no que diz respeito à Ucrânia é tão violento quanto simples... se, por um lado, o 9º pacote de sanções europeias à Rússia está garantido, falta definir detalhes, como é o caso do preço máximo a pagar pela energia russa entre os países europeus, com os mais aguerridos "falcões", como a Polónia e os bálticos, Lituânia, Letónia e Estónia, a exigirem limites restritos e forçar a uma redução drástica das importações de gás e petróleo russos.

A União Europeia, que está na linha da frente dos mais aguerridos aliados de Kiev neste esforço de guerra com a Rússia, está a definir os últimos pormenores do 9º pacote de sanções à Rússia, após chegarem a acordo sobre a inclusão na 'lista negra' de 144 pessoas e 48 entidades envolvidas na intensificação da guerra na Ucrânia.

O anúncio, como avança a Lusa, foi feito pelo Alto Representante da UE para a Política Externa, Josep Borrell, numa conferência de imprensa em Bruxelas, após a reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros europeus, indicando que a lista de sanções individuais foi acordada pelos Vinte e Sete, pelo que espera o acordo final "esta semana" e que a UE aprove em "algumas horas", o "duro pacote" de medidas a impor à Rússia em resposta à escalada do conflito na Ucrânia.

Este último pacote de sanções, que está há semanas a ser debatido pelos Estados-membros da UE, incluirá medidas contra a exportação iraniana de "drones" (aeronaves não-tripuladas) para a Rússia e restrições ao setor financeiro.

Todas as fontes europeias consultadas apontaram que poderá ser aprovado antes do Conselho Europeu da próxima quinta-feira.

"Não há 100% de acordo. Alguns Estados-membros não estão de acordo. Estou certo de que chegaremos a acordo, o problema não é um Estado-membro, mas sim que tipo de exceções aplicamos para garantir que não haverá danos colaterais e que, ao mesmo tempo, não esvaziamos as sanções do seu impacto", disse o chefe da diplomacia da UE.

O ministro dos Negócios Estrangeiros espanhol, José Manuel Albares, precisou depois, numa conferência de imprensa após a reunião com os seus homólogos europeus, que as sanções incidirão sobre 144 pessoas e 48 entidades envolvidas na agressão à Ucrânia.

A reunião decorreu em clima de tensão devido à ameaça da Hungria de obstruir a aprovação de sanções à Rússia, uma atitude de Budapeste que se estende a outras iniciativas, como a ajuda macrofinanceira de 18.000 milhões de euros à Ucrânia para 2023.

O MNE espanhol criticou o facto de a ajuda a Kiev não ter sido já aprovada, dado que o país dela precisa "desesperadamente".

"Não estamos de acordo com a posição daqueles que estão a impedir que seja aprovada", afirmou, insistindo que o apoio a este pacote de ajuda macrofinanceira é "esmagador".

Há, no entanto, notícias de que este previsível acordo venha a ser visto como, mais uma vez, pouco ambicioso, por Kiev, porque, comi avançou o EUObserver, o "draft" de um acordo possível foi considerado "modesto" nos objectivos.

O risco de novo êxodo para o ocidente

Uma das questões mais em foco nas análises dos especialistas no media europeus, onde se sente o mesmo tipo de frio gélido que na Ucrânia, é se a Ucrânia poderá passar este Inverno sem um êxodo gigantesco de milhões de pessoas para os países do ocidente de forma a fugirem do frio, tendo mesmo sido esse o tópico em realce da conversda recente entre os Presidentes Zelensky e Macron.

Patrick Wintour, numa coluna de opinião no britânico The Guardian, sublinha isso mesmo, ao abordar os resultados da conferência sobre resiliência ucraniana que teve lugar em Paris, com iniciativa a partir do Presidente Macron e do Presidente Zelensky, visando garantir o apoio mínimo a Kiev para lidar com um dos mais agrestes invernos em toda a Europa, especialmente na resposta à destruição da sua infra-estrutura eléctrica, rodoviária e ferroviária

Apesar desta procura de resposta a um problema em tempo real, a verdade é que, ao observar as diversas abordagens na imprensa ocidental, facilmente se percebe que de Paris a Berlin, de Varsóvia a Budapeste, de Madrid a Roma, o pânico de um novo tsunami de refugiados ucranianos a atravessar as fronteiras para fugirem do frio está a instalar-se.

Isto é um problema porque, se em Março, Abril e Maio deste ano, depois do avanço das forças russas sobre a Ucrânia a 24 de Fevereiro, milhões de pessoas chegaram aos países ocidentais, a resposta foi imediata e eficaz, muito distinta da que a mesma Europa dispensa aos refugiados africanos e asiáticos que demandam aos seus territórios, hoje teme-se que essa resposta seja menos eficaz e pronta, porque os povos europeus estão, também eles, a atravessar dificuldades que jamais pensaram ser possível, devido a esta guerra, sendo, por isso, a disponibilidade, tanto de meios como anímica, muito menor face ao que ocorreu na primeira avalanche de refugiados.

Alguns analistas mais cínicos sublinham mesmo que não é fácil distinguir o que move os lideres europeus de forma mais sonora, se a "solidariedade europeia", se o "medo" de não conseguirem sobreviver às consequências políticas de uma crise de refugiados em pleno Inverno e em plena crise económica de inflação e recessão históricas, podendo ainda suceder que tal movimentação possa baixar ainda mais a vontade popular de manter o apoio a Kiev que os lideres da União Europeia, especialmente a Presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, do chefe da diplomacia de Bruxelas, Joseph Borrell, insistem em prolongar e aprofundar, sendo cada vez mais evidentes os sinais de que isso também está a ser menos bem visto nas chancelarias das principais capitais europeias, mas muito apreciado em Washington, o que está também a exponenciar um público mal-estar entre europeus e norte-americanos devido ao efeito de refluxo das sanções e do conflito em si.

Para evitar este tipo de consequências, esta conferência de Paris vai procurar responder aos desafios ali desenhados agora, como "impedir" o êxodo através da criação de condições de habitabilidade nas casas das vilas e cidades atingidas pela destruição das infra-estruturas ucranianas pelos misseis russos.

Se vai ser possível, só com o passar do tempo se saberá, mas há um dado que os lideres europeus têm estado a sublinhar, que é o facto de este Inverno, apesar de severo, está longe de ser um dos mais frios dos últimos anos, sendo mesmo dos mais amenos de sempre... E nada garante que no ano que vem, tal se repita.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não é a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, ficando apenas de fora o sector energético, do gás natural e em pate do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 5,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.