As primeiras medidas que os media norte-americanos garantem que vão ser tomadas pela nova Administração são na área do combate à pandemia - desde logo a ausência de pessoas em elevado número na cerimónia, estando apenas previstas 8 mil em vez das centenas de milhar normais - e na definição da soma a injectar na economia como estímulo para a recuperação no contexto dos efeitos da Covid-19, o que é uma reviravolta na política norte-americana conduzida até aqui e nos últimos quatro anos por Donald Trump.

Na cerimónia, onde Trump já disse que não vai estar presente, vão estar a apoiar o início de uma nova era na política interna e externa da maior potência mundial os antigos Presidentes Bill Clinton, George W. Bush e Barack Obama, que vão ouvir Joe Biden apelar a um novo consenso nacional sobre os valores fundamentais da democracia e da história dos EUA, contrastando com a estratégia claramente divisionista de Trump.

E são muitas as razões pelas quais o mundo está de olhos postos em Washington, onde o 46º Presidente dos EUA assume o poder num contexto em que as autoridades admitem acções desestabilizadoras por parte dos apoiantes radicais de Donald Trump semelhantes às que fizeram quando o Congresso confirmou os resultados do Colégio Eleitoral de 14 de Dezembro, o que levou à necessidade de erguer um cordão de segurança com milhares de militares em torno do Capitólio federal e dos outros 49 "capitólios" estaduais.

Estes são tempos históricos nunca vistos em 231 anos de eleições democráticas, com o Presidente ainda em exercício - até ao derradeiro minuto Trump mantém todos os poderes intactos - a ser alvo de um processo de destituição na recta final do seu mandato, que só vai ser votado depois de sair da Casa Branca.

O Capitólio, edifício que alberga o Congresso e local da cerimónia de transição de poder, está já há alguns dias sob fortes medidas de segurança porque a "tribo" radical de apoiantes de Donald Trump, que assaltou o mais importante e simbólico edifício da democracia norte-americana, no passado dia 06, está a lançar ameaças veladas na internet de que pode perturbar o momento em que a dupla democrata Biden/Harris assume a Presidência do país.

Depois das imagens de milhares de radicais apoiantes de Donald Trump, a sua "tribo" de combate, que, por ele incitada, invadiu o Capitólio quando os congressistas votavam a sua derrota eleitoral definitiva, a correrem o mundo, vieram depois as imagens de centenas de militares da Guarda Nacional a dormirem no interior do edifício.

Agora, a escassas horas da cerimónia de transição do poder, onde Donald Trump já disse que não vai estar, juntando mais um elemento de importância histórica à sua passagem pela Casa Branca, sendo igualmente o único Presidente a ser alvo de impeachment por duas vezes num único mandato, milhares de tropas estão posicionados nas imediações do Capitólio para assegurar que a "tribo" radical de Trump se mantém à distância, sendo que o mesmo sucede nos capitólios de todos os 50 estados dos EUA com idênticos propósitos.

Isto, quando já se sabe que a destituição de Trump vai ser votada apenas depois de ter deixado o poder, sendo que essa votação, a ser conseguida com sucesso pelos democratas - depois de aprovada na câmara dos Representantes, falta conseguir dois terços no Senado -, implica que o ainda Presidente fique impedido de se recandidatar em 2024, que é o grande efeito pretendido com este processo.

Com o assumir do controlo do Senado pelos democratas, depois da vitória, na Geórgia, dos candidatos democratas, Raphael Warnock, o primeiro negro ali eleito para o cargo, e Jon Ossoff, o mais novo de sempre a chegar a esta câmara do Congresso, e depois de 10 congressistas republicanos já terem dito que vão votar pela destituição de Trump, faltam apenas sete votos para garantir esse objectivo, o que, parecendo pouco, é muito devido às posições já tornadas públicas por quase todos eles.

Com o Congresso dividido a meio, com 50 senadores para cada lado, o Senado fica a depender da vice-Presidente Kamala Harris, embora isso não chegue para afastar Trump, mas é uma segurança de que Joe Biden não terá obstáculos para o exercício do seu mandato logo após 20 de Janeiro.

Para fundamentar este processo de impeachment, os democratas sublinham que Donald Trump incitou a sua turba de apoiantes radicais a invadirem o Capitólio, num discurso realizado nas imediações da Casa Branca, a escassos quilómetros dali, o que resultou na ocupação do edifício e na morte de cinco pessoas, incluindo um polícia.

Depois, Trump veio dizer - e repetiu num vídeo divulgado na terça-feira - publicamente que condenava a violência, mas os analistas leram estas declarações como uma tentativa dele para se livrar das acusações mais graves no âmbito do impeachment, que pode ter ainda efeitos legais sobre si logo que deixe o poder.

Mas está ainda sob atenção a possibilidade de o ainda Presidente aproveitar estes derradeiros momentos para assinar ordens presidenciais onde se desculpa a si mesmo e aos seus colaboradores mais próximos, o que seria mais uma bizarria histórica do seu mandato mas que alguns analistas admitem como sendo constitucionalmente possível.

Os perdões de Trump

Entretanto, as últimas horas de Trump na Casa Branca fora passadas de caneta na mão, assinando perdões a 143 pessoas com a justiça à perna, incluindo o seu velho amigo, de quem se afastou a meio do mandato, Steve Bannon, um conhecido radical da extrema-direita que esteve por detrás da sua campanha em 2016 e que foi acusado de ter ficado com dinheiro de uma suspeita campanha de recolha de fundos para construir o muro na fronteira com o México.

Das 143 pessoas protegidas agora por Trump, estão 70 a quem comutou penas e 73 a quem concedeu perdões, sendo que esta lista abrange desde membros do Congresso a um rapper que o apoiou, Lil Wayne, passando por elementos do seu agregado familiar.

Embora houvesse quem admitisse essa possibilidade, Donald Trump deixou... Donald Trump de fora da lista de perdões.