A criança regressou a casa já vacinada sem prévia ou posterior comunicação por parte da direcção da escola ou da equipa médica responsável, disse ao NJ, Eunice Salvador Bango, de 35 anos de idade e irmã mais velha da pequena Dalva. Este é um caso em que exige um chamado dever de esperança por parte do Estado. Esperança de devolver dignidade e qualidade de vida a esta menina.
Dalva foi vacinada no dia 27 de Outubro do corrente ano na sua escola, um dia após a vacinação começou a apresentar algum inchaço na face e noutras partes do corpo. D. Maria Domingas, a mãe da menor, contactou a direcção da escola e membros da equipa médica, que lhe disseram que se tratava de uma reacção natural, uma alergia e que em breve passaria, chegando até a dizer-lhe que havia o caso de duas alunas que apresentaram uma reacção alérgica à vacina. Não satisfeita com a resposta, D. Maria Domingas levou à pequena Dalva ao hospital Jacinta Paulino, em Viana, e aí também a resposta não terá sido diferente, tendo-lhe sido dito que se tratava de uma pequena alergia.
Entretanto, a família voltou a contactar à escola e a equipa médica sem resultados. Vendo que a situação piorava e os inchaços continuavam, a família avisou a equipa médica da escola que se nada fosse feito eles levariam o caso para os órgãos de comunicação social. Foi assim que no dia 7 de Novembro, mais de 10 dias após a vacinação, uma ambulância é enviada para a residência da família e a pequena Dalva é internada no Hospital General Pedalé.
Como foi possível levar tanto tempo para se prestar a assistência médica a uma menor de 12 anos? Tudo muito estranho.
A autorização que os pais ou um doente adulto dão a uma instituição para um procedimento clínico que envolva riscos chama-se Consentimento Informado, que para o caso destas vacinas em crianças é absolutamente obrigatório, pelo que, sem este quesito clínico prévio, se torna ilegal e alvo de penalização. Estamos a falar de um processo de vacinação que está a decorrer em todo o País com crianças do sexo feminino de idades compreendidas entre 9 e 12 anos. Uma das principais funções do Estado é a defesa e a protecção dos seus cidadãos.
O Estado deve ser diligente nos procedimentos, tem de garantir que as crianças estão em condições de ser vacinadas, que estão em condições de lhes ser administrada uma vacina injectável.
O Estado não pode agir com crianças sem autorização dos seus progenitores ou encarregados de educação.
A vacina tem de ser administrada num centro de saúde e por profissionais capacitados. Todos nós conhecemos a realidade das nossas escolas, sabemos que muitas vezes nem condições têm para oferecer aos próprios alunos, quanto mais para a conservação de vacinas. Não se pode esquecer a questão das cadeias de estabilidade da conservação e distribuição da logística que falha muito nos bairros, nas comunas, nas cidades e nas províncias, com sérios riscos para a saúde.
Interpelada à saída das comemorações dos 50 anos da independência nacional, no dia 11 de Novembro, a ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, disse que a pequena Dalva tem uma síndrome nefrótica, em que os rins perdem grande quantidade de proteínas, o que causa inchaço do corpo, principalmente da face. Portanto, diz Sílvia Lutucuta: "Não tem nenhuma relação com a vacina VPH; aliás, as manifestações clínicas começaram antes da administração da vacina." Mas quem garantiu isso à ministra? Por que razão a pequena Dalva foi vacinada se "supostamente" já padecia de uma doença grave e a família nunca foi informada? É que, até ao momento, a família diz que não teve acesso ao diagnóstico nem aos resultados dos exames realizados. Segundo eles, os médicos do Hospital Pedalé limitaram-se a informá-los que o caso "está em estudo" e que se trata de uma "doença grave" que, supostamente, não tem relação com a vacina. Tudo muito estranho.
Quem tem responsabilidades governativas não pode surgir no espaço público a comunicar daquela forma: tem de ter mais pedagogia, equilíbrio, ponderação e bom-senso. O próprio Hospital Pedalé foi na onda e acabou por replicar as declarações da ministra na sua página do Facebook. Por que razão não dá informação à família? Porque é que não fazem uma conferência de imprensa?
Temos de admitir que há um trabalho de sensibilização junto dos cidadãos e das comunidades que ainda não foi feito, temos de adaptar as situações à nossa realidade. Temos consciência de que a vacina é necessária e eficaz. Temos consciência de que a iniciativa é nobre e que pode garantir mais e melhor qualidade de vida para muitas adolescentes e jovens, mas também temos de perceber que existem protocolos a seguir, que estão vidas em jogo, que não se podem tomar decisões em vidas alheias sem o consentimento das pessoas. Até ao momento, a D. Maria Domingas olha com preocupação para a saúde e o futuro da sua filha. Até agora não recebeu uma palavra de conforto da ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, nem da madrinha do projecto, a primeira-dama da República, Ana Dias Lourenço.
É que se, há uns meses, Ana Dias Lourenço, comoveu o País com a sua indignação pelos abusos sexuais que sofrem milhares de crianças angolanas e a "leveza" das pequenas penas aplicadas aos seus autores, não pode certamente ficar indiferente ao caso da pequena Dalva, em que as autoridades médicas levaram mais de dez dias para lhe dar um tratamento condigno.

