"Don"t, don"t!", ou, em português traduzido na intenção, "nem pensem!", foi como Joe Biden aproveitou a sua declaração oficial, na Casa Branca, ladeado pela vice-Presidente Kamala Harris e pelo seu secretário de Estado (ministro das Relações Exteriores), Anthony Blinken, e com a heráldica dos Estados Unidos por detrás, para enunciar a disposição para reagir militarmente contra o Irão se este país tentar tirar proveito do conflito em Gaza (ver links em baixo nesta página).

A forma como Teerão pode aproveitar a guerra declarada por Israel ao Hamas após o trágico ataque desta organização político-militar que governa a Faixa de Gaza, o único território da Palestina que não está ocupado por Israel, no passado Sábado, ocupando varias localidades (kibutzs) do sul de Israel, onde deixou um rasto de morte e destruição sem precedentes, seria alargar o conflito a norte com a fronteira do Líbano, onde conta com a disponibilidade do Hezbollah, e na Cisjordânia e Jerusalém Oriental, territórios palestinianos sob domínio militar israelita mas geridos pela Autoridade Palestina.

Com essa possibilidade em mente, o Presidente norte-americano procurou cortar cerce qualquer plano de Teerão para levar o mundo árabe a rebelar-se contra o Estado hebreu face à, caso assim viesse a suceder, resposta devastadora de Israel sobre os palestinianos destes territórios, como de resto, está a suceder em Gaza, onde as bombas da sua aviação militar e artilharia já mataram mais de 970 civis, incluindo centenas de crianças e idosos.

O Irão já negou, através do seu líder supremo, o ayatollah Khomeini, ter tido qualquer papel na organização ou fornecimento de armas ao Hamas para desencadear o ataque de Sábado, 07, embora tenha dito apoiar a luta contra a ocupação dos palestinianos, mas a generalidade dos analistas acredita que a envergadura e organização da acção audaz das Brigadas Al Qasam só podia acontecer com apoio externo e os iranianos são o suspeito do costume, embora também o Qatar e a Arábia Saudita estejam entre os apoiantes, financeiramente, pelo menos, da organização que governa Gaza desde 2006.

O porta-aviões chegou à costa de Israel

Com uma gigantesca frota naval já deslocada para as costas israelitas no Mediterrâneo oriental, liderada pelo porta-aviões Gerald Ford, apoiado por vários contratorpedeiros e submarinos, os EUA demonstram, o que ficou agora reforçado pela declaração de Joe Biden na noite de terça-feira, que estão na disposição de, não só fornecer armamento como também empregar as suas forças no terreno para combater os inimigos de Israel.

Os analistas não descartam essa possibilidade, até porque com o desastre que está a ser a guerra na Ucrânia, onde o apoio a Kiev está longe de ter conseguido os objectivos de fazer desmoronar a Rússia, Washington e a Administração Biden precisam de uma vitória fulgurante para "limpar a cara" em tempos de pré-campanha eleitoral para as Presidenciais de 2024, e o Médio Oriente tem sido o par de ases norte-americano no jogo de póquer que é a batalha internacional das percepções.

Se o Hezbollah, a organização político-militar criada no sul do Líbano, com o apoio do Irão, a quem, de facto, responde, em 1982, para lutar contra a ocupação israelita, atacar as posições do Tsahal e avançar pela fronteira do norte de Israel, então os combates em curso na Faixa de Gaza serão, comparativamente, uma brincadeira, porque, nessa circunstância, as forças norte-americanas na região entrariam em combate ao lado de Tel Aviv (Jerusalém Ocidental), como avisou de forma clara Joe Biden.

Até porque Israel tem contas históricas a ajustar com o Hezbollah que, em 2006, numa guerra de grande intensidade, que durou cerca de três meses, e onde as forças israelitas foram salvas de uma desonrosa derrota pelo "gong" que é como quem diz, pela intervenção da ONU, que criou espaço para um cessar-fogo e, depois, um acordo de paz onde Tel Aviv teve de aceitar levantar o bloqueio naval que mantinha no Líbano.

O apoio do Irão ao Hezbollah foi decisivo para o desfecho que ficou até hoje atravessado na garganta do até então invencível Exército israelita.

A disponibilidade dos EUA para alargar este conflito, pelo menos de forma controlada, até ao Hezbollah, parece cada vez mais evidente, embora este momento possa ser cáustico para os planos alargados de Washington que tem em curso uma bem afinada estratégia de aproximação diplomática entre Israel e a Arábia Saudita através da qual espera poder fragilizar a relevante parceria "petrolífera" de Riade com Moscovo, através da qual controlam a produção de crude na OPEP+, e diluir a importância do sucesso sino-russo no reatar das relações diplomáticas entre sauditas e iranianos no "grande jeu" do Médio Oriente.

Joe Biden ignora história da Palestina

Alias, os analistas mais próximos do caldeirão palestino ouvidos pela Al Jazeera notavam esta manhã de quarta-feira, 11, que a declaração de Joe Biden praticamente ignorou a situação histórica da Palestina, que nas quase 1300 palavras e mais de 6.500 caracteres que proferiu apenas foi referida uma vez e sem qualquer nota de relevo, o que deixa evidente que em Washington todas as atenções estão centradas na procura de uma colagem à esperada vitória de Israel sobre o Hamas.

Biden nem por uma vez disse estar ciente de que o processo de preparação da invasão terrestre de Gaza consiste na abertura à força de bombas de grande tonelagem de corredores para o avanço dos blindados destruindo centenas de edifícios habitacionais civis sem qualquer presença de elementos dos "terroristas" do Hamas.

Sendo Gaza uma estreita faixa de 42 kms de comprimento e 10, em média, de largura, na costa do Mediterrâneo, com o Egipto a sul e Israel a norte e nordeste, com um total de 365 kms2 habitados por 2,3 milhões de habitantes, o que dá uma densidade populacional de 6.500 habitantes por km2, a mais alta do mundo, seria um desastre as IDF (Forças de Segurança de Israel) avançarem pelo labirinto urbano deste exclave onde seriam submetidas a todos o tipo de armadilhas e ataques de posições vantajosas para quem defende.

Face a essa realidade que os comandantes israelitas bem conhecem, e sem que, face à pressão do Hamas sobre os antigos informadores, tenham escassa informação do terreno, excepto a que é adquirida através dos drones, satélites ou dos awacs (aviões de vigilância electrónica), a única forma de garantir alguma diluição do mortífero atrito que vai existir é a abertura de manchas desurbanizadas com um tapete de bombas que tem sido mostrado em directo pelas televisões internacionais desde Domingo, por onde o Tsahal pode avançar com os seus carros de combate.

O objectivo declarado de Israel, como o disse logo após se refazer do ataque de Sábado o primeiro-ministro Benjamin Netanyhau, é mudar a face do Médio Oriente para sempre com a limpeza total do Hamas de Gaza e de toda a Palestina, o que só pode ser feito com a ocupação militar da faixa durante um período de tempo alargado.

Com um bloqueio total a Gaza, para onde não entra nem alimentos nem combustíveis nem electricidade, com os hospitais a referirem já estarem com escassas horas de gasóleo para os seus geradores, locais de acolhimento da ONU sem alimentos para mais de alguns dias, e com uma população de milhões sem ter para onde fugir, excepto pela fronteira de Rafah, com o Egipto, mas sob forte controlo e escassa capacidade de fluxo de pessoas, as organizações internacionais alertam para uma tragédia brutal em curso.

Os "animais" na prisão de Gaza

Porém, pelo que disse o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, a vida dos palestinianos de Gaza não conta porque "são animais com forma humana", confundido os milhões de civis deste território com os homens das Brigadas Al Qasam que no Sábado mataram quase 1.200 civis e militares israelitas, de onde se destacam as mortes nos kibutz de famílias inteiras e crianças, ou os 260 jovens mortos num festival de música moderna que estava a decorrer no deserto de Neguev, e onde foram igualmente feitos dezenas de reféns, incluindo estrangeiros, havendo mesmo a notícia de 14 norte-americanos mortos e mais de 500 feridos.

Quando ao balanço de mortos e feridos, em Gaza, vítimas dos bombardeamentos israelitas, há registo de mais de 900 mortos, incluindo centenas de crianças, além dos mais de 1500 combatentes do Hamas mortos nos combates subsequentes à operação de Sábado em território israelita.

Depois da operação ter sido desencadeada, um porta-voz do Hamas veio enquadrá-la como sendo uma resposta às décadas de ocupação da Palestina por Israel, ao avanço sem freio dos colonatos em territórios ancestrais de palestinianos, agora com foco centrado na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, dos territórios palestinianos ocupados por Israel desde 1967, e que ano após ano estão a ser engolidos por novos kibutz ou colonatos sob protesto imóvel e contra todas as resoluções votadas por uma esmagadora maioria de países na Assembleia-Geral das Nações Unidas.

Criado em 1947, o Estado de Israel viveu desde então em permanente conflito com os movimentos e partidos palestinianos, impedindo o cumprimento de acordos históricos, como os de Oslo, assinados em 1993, que previam a criação de um Estado Palestiniano, sob a perspectiva de dois Estados no mesmo território, o que deveria acabar com a questão da disputa de territórios. Israel nunca aceitou concluir estes acordos.

Alias, Israel manteve sempre um domínio militar sob a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, que também tinha sobre a Faixa de Gaza mas abandonou em 2007 depois de no ano anterior o Hamas, que é um partido islâmico e fundamentalista criado em 1987, ter ganhado as eleições contra a Fatah, um movimento secular social democrata fundado em 1959 por Yasser Arafat e outros que é ainda responsável pela Autoridade Palestina nos territórios ocupados.

A grande dúvida é...

... como é que a intelligentsia israelita, de onde se destacam o Shin Bet, a agência de segurança nacional interna, e a Mossad, a agência de segurança e operações especiais, foi apanhada de surpresa pelas Brigadas Al Qasam, do Hamas, na madrugada de Sábado, 07? Os analistas, ou uma boa parte destes, primeiro abordaram a questão como uma falha estrondosa e inesperada...

... mas depois, uma falha tão grosseira foi sublinhado que seria impensável no seio de duas das mais sólidas organizações de segurança do mundo (secretas) e dos seus sistemas de alerta que se sabe existirem ao longo dos muros que há décadas separam os territórios palestinianos de Israel, por onde atravessaram milhares de "terroristas" do Hamas.

Foram usadas mesmo retroescavadoras para derrubar os muros, o que é algo que não podia passar desapercebido às IDF, o que, por exemplo, vários especialistas em segurança, como o major-general Agostinho Costa, ouvido na CNN Portugal, a única forma de admitir essa possibilidade seria pensar que as secretas israelitas estariam demasiado empenhadas na guerra da Ucrânia a ajudar os Estados Unidos.

Há, porém, outras possibilidade que estão a surgir, com o passar dos dias, com maior intensidade nos media internacionais, como a de o Shin Bet e a Mossad terem sabido, alias, há mesmo notícias que dizem que os serviços secretos do Egipto avisaram o Governo israelita, mas fizeram ouvidos moucos porque o Governo de Benjamin Netanyhau queria criar esta situação de forma a gerar uma unidade nacional sólida e trazer os EUA para o Médio Oriente, de onde estavam "ausentes" devido à guerra na Ucrânia.

Com este cenário, Netanyhau está a conseguir, de facto, esconder os problemas internos, como sejam os processos judiciais onde é arguido sob suspeita de corrupção agravada, ou os massivos protestos populares contra a sua perversa reforma judicial com a qual pretende quase todo o poder do Tribunal Supremo de Israel e passa-lo para o Knesset (Parlamento).

E se conseguir alastrar o conflito ao irão envolvendo os EUA, o primeiro-ministro israelita colocaria a cereja no topo do bolo, porque estaria em condições de desferir severos ataques, como há muito deseja, à infra-estrutura nuclear iraniana e à sua aliada Síria, arrebanhando ainda vastos territórios deste país que há décadas estão no "carrinho de compras" de Israel, como os Montes Golã.