Desde esse distante alerta lançado pelo CENCO, como o Novo Jornal noticiou em Abril de 2021, a Aliança das Forças Democráticas (ADF), uma guerrilha nascida no Uganda em meados da década de 1990, com génese islâmica, e com actuação mortífera na RDC desde então, anunciou a sua integração na rede de organizações do "estado islâmico", jurando-lhe lealdade, e foi reivindicando pequenos atentados nas províncias do Kivu Norte, na fronteira entre os dois países.

Agora, com a realização do mais mortífero dos seus atentados em anos, que provocou 17 mortos e dezenas de feridos numa igreja protestante de Kasindi, junto à fronteira do Uganda, ainda na província congolesa do Kivu Norte, com recurso a um engenho explosivo artesanal, o "estado islâmico", ou "daesh", como também é conhecido, marca a ferro e fogo a sua presença na RDC, o vizinho de Angola com a qual partilha a maior fronteira, e mostra a sua intenção, como os bispos católicos assinalaram há quase três anos, de ganhar dimensão e poder nesta região.

Com efeito, a ADF, uma das mais violentas guerrilhas, das muitas quo peral no leste congolês, e depois de jurar fidelidade aos "estado islâmico", que tem vindo a assenhorar-se de vastas regiões do Corno de África e do Sahel, e a avançar para a África Central e os Grandes Lagos face à perseguição que sofre mais a norte e na origem, no Médio Oriente, se já era uma dor de cabeça para a região, começa a ganhar dimensão de ameaçar a soberania de Kinshasa como é comum na sua estratégia de tomada de territórios.

Este atentado terrorista, que teve lugar no Domingo, 15, segundo analistas ouvidos pela imprensa congolesa, ceifando vidas numa comunidade quando decorria uma missa cristã evangélica, pentecostal, sem outro propósito que não espalhar o terror, é a marca de água do "estado islâmico" e o objectivo é claramente ganhar controlo do território, expulsar os organismos do Estado congolês e deixar claro que quem manda são eles, de forma a ir alargando as fronteiras desses territórios, através da violência sobre as populações ao mesmo tempo que exploram o potencial em recursos naturais da área que controlam.

O modo de actuação deste grupo de radicais islâmicos é semelhante sempre que avança na conquista de territórios, como o fez já na Nigéria, através do Boko Haram, de quem obtiveram a lealdade jurada em 2015, ou na Somália e no Quénia, através do al-shabbab, espalhando o terror de forma a vergar a vontade das comunidades locais, que exploram através de uma continuada violência, como, de resto, fizeram no Iraque e na Síria, após a invasão dos Estados Unidos, aproveitando o desmantelamento do Estado, no Iraque com a morte de Sadam Hussein, e na Síria, com a fragilização do Presidente Bashar al-Assad.

Primeiro, as novas organizações são integradas por membros mais experimentados, como é o caso das ADF, que passaram a contar com a presença de membros do daesh oriundos do Quénia e da Somália, ou mesmo do Mali, como o demonstra a detenção pelas Forças Armadas da RDC (FARDC) de um jihadista queniano conhecido.

São estes indivíduos, radicais destemidos que passam a orientar as forças para os objectivos jihadistas, que, no limite, é a expulsão dos cristãos das áreas dominadas e a expansão do islamismo radical, que, normalmente conta com a oposição das organizações islâmicas moderadas.

Isso mesmo parece estar a suceder com as ADF e não é que o mundo e as organizações regionais e sub-regionais, como a União Africana, as organizações dos estados da África Oriental (EAC) ou Central (CEEAC) ou ainda a Conferência Internacional para a Região dos Grandes Lagos (CIRGL), que é actualmente liderada por Angola, sendo que o país também faz parte da CEEAC, não soubessem que tal estaria a acontecer depois de a CENCO ter feito um alerta veemente para essa realidade.

Coquetail explosivo

Um dos obstáculos à acção concertada destas organizações contra estes radicais islâmicos é a dispersão de meios e energia que estão agora focados no combate ao M23, outra organização de guerrilha, que está igualmente a avançar nestes territórios, que, segundo o Governo congolês do Presidente Félix Tshisekedi, conta com o apoio do Ruanda e levou à mobilização de um contingente armado da EAC para se lhe opor.

A redobrada energia com que, ao que tudo indica, a ADF-daesh está agora a procurar conquistar terreno no Kivu Norte-leste do Congo pode ter por detrás um aproveitamento da dispersão de meios das FARDC e da própria MONUSCO, a missão da ONU na RDC, com operacionalidade combatente e uma das mais vastas em todo o mundo onde as Nações Unidas estão presentes como força de interposição.

Se tal cenário estiver a acontecer, isso será sempre uma má notícia para Kinshasa, mas, no médio prazo, também para os países vizinhos, devido ao potencial de desestabilização que estes grupos terroristas representam, embora o avanço nesta geografia se deva confinar ao leste do Congo porque é ali que se concentram os enormes e muito cobiçados recursos naturais do subsolo do país, há décadas a serem explorados sem o controlo do Estado, em especial o coltão, o cobalto, o ouro e os diamantes, ou ainda as denominadas "terras raras", que são um conjunto de minérios raros e fundamentais na indústria das novas tecnologias.

E se os esforços de paz feitos por Luanda, onde o Presidente João Lourenço organizou em Novembro de 2022 mais uma das várias mini-Cimeiras para, em conjunto com os chefes de Estado da região, fazer face a este problema, ou no Quénia, onde a EAC também desenvolve idênticos avanços, tinham por objectivo dobrar a vontade do M23, cortando o apoio umbilical do Ruanda, com o surgimento em força do daesh na mesma região, todo esse empenho pode colapsar, não só por falta de meios, mas, essencialmente, porque os interesses do estrangeiro, incluindo as potências ocidentais, nas riquezas desta região, leva a que muitos "cavalos" estejam a correr por fora, como advertem alguns analistas ao serviço de ONG"s internacionais, incluindo na área da defesa dos Direitos Humanos.