Há muito que se sabe que o Governo congolês acusa o Ruanda de estar por detrás da ofensiva dos rebeldes do M23 sobre o leste do país (ver links de notícias em baixo nesta página) e que a França tem uma relação mais apertada com Kigali do que com a RDC, o que levou os jornalistas a aproveitarem a sua presença em Kinshasa para lhe perguntarem se iria apoiar ou aplicar sanções ao Governo do Presidente Paul Kagame?

Perante um quadro em que Macron procurou sair bem na fotografia sem comprometer as suas alianças e relações na região, aludindo à velha condenação de Paris dos ataques dos rebeldes do M23 mas sem condenar abertamente o Ruanda, que o Governo congolês do Presidente Félix Tshisekedi acusa de ser o garante da logística e do armamento moderno exibidos por esta guerrilha, mas que as Nações Unidas já deram como correcta essa acusação, um jornalista local perguntou-lhe quando é que Paris avançaria com sanções a Kigali usando a mesma justificação para o apoio de Paris às sanções ocidentais à Rússia por causa da invasão da Ucrânia?

Emmanuel Macron, ao lado do Presidente Tshisekedi, o seu anfitrião, respondeu com uma fúria que raramente se lhe vê, embora já a tenha mostrado na última vinda ao continente, onde, em Julho do ano passado, acusando, nos Camarões, os países africanos de serem "hipócritas" no que respeita à forma como lidam com a Rússia após a invasão da Ucrânia.

"Desde 1994 - ano do genocídio ruandês, onde subsistem dúvidas sobre o comportamento francês -, e não é culpa da França, vocês (os congoleses), desculpem por colocar as coisas assim, de forma tão brusca, não conseguiram restaurar a soberania do vosso país, nem militarmente, nem em matéria de segurança, nem administrativamente", atirou Macron, surpreendendo tudo e todos, tendo ainda ouvido o seu homólogo congolês a dizer-lhe que é altura de Paris sancionar Kigali pelo seu apoio ao M23, que considera ter como exclusiva justificação questões económicas, que é a exploração dos recursos naturais do leste congolês a coberto da "cortina de fumo" criada pelos rebeldes.

Depois de ter estado em Luanda, na sexta-feira, numa curtíssima visita oficial, Emmanuel Macron passou por Brazzaville antes de aterrar em Kinshasa, no Sábado, levando na bagagem todo o historial das negociações de paz para o leste da RDC, com múltiplas cimeiras na capitak angolana, envolvendo as lideranças regionais no âmbito da CIRGL (Grandes Lagos) e da EAC (Países da África Oriental) que lhe foi contado por João Lourenço.

Mas o Presidente angolano tinha ainda um presente para o visitante: um novo acordo de cessar-fogo entre os rebeldes do M23 e as forças militares congolesas, FARDC, que, sendo apenas mais uma tentativa, já nesta terça-feira, depois de vários fracassos impostos pelos avanços sucessivos das forças rebeldes, contrariando acordos anteriores.

Mesmo que não venha a ser cumprido, o que é esperado que venha a suceder, porque o M23 tem mostrado uma resistência a cumprir com a palavra dada que permite "adivinhar" que não é desta que vai depor as armas, João Lourenço criou uma "cortina de fumo" por onde Macron poderá "escapar" deste momento mais rubro em KIinshasa, onde acusou as autoridades que dirigem o país desde meados da década de 1990 de não terem conseguido garantir a soberania do país, que e uma das mais graves acusações que se pode fazer aos sucessivos governos congoleses-democráticos.

Porém, embora sem condenar directamente o Ruanda, o que enfureceu as autoridades congolesas, Macron disse que Paris sempre condenou o M23, apontando como urgente que "todos devem assumir as suas responsabilidades" colocando entre os "todos" o Ruanda, prometendo que "aqueles que não cumprirem com o acordado para cumprir o acordo de paz, expõem-se a sanções".

"O que esperamos do Ruanda e dos restantes actores neste contexto de aplicação do acordo de paz é que cumpram com o compromisso de exercerem o papel que assumiram sob a supervisão dos mediadores", apontou Macron, citado pelo Le Monde.

E acrescentou que é sua esperança que o acordo previsto para esta terça-feira, conseguido pelo Presidente angolano, "seja efectivamente respeitado" porque, avisou, "a RDC não pode ser uma permanente frente de batalha, um campo de pilhagens a céu aberto. Nem pilhagens, nem balcanização (divisões territoriais) nem guerra podem ser tolerados".

Ouviu, porém, uma frase avassaladora do seu anfitrião, Félix Tshisekedi, que lhe disse ter muitas dúvidas sobre a boa vontade dos que atacaram a RDC, notando que "a questão agora é saber se o Ruanda pode subsistir sem a pilhagem permanente do Congo que já se prolonga há mais de 20 anos?!".

"Vamos ver agora se o Ruanda pode manter a sua pujança económica sem as pilhagens constantes na RDC e vamos ver isso já durante este processo", advertiu o Chefe de Estado congolês.

As boas relações entre Paris e Kigali ganharam nova tracção em 2021 depois de anos de fragilidades geradas com o genocídio de 1994, quando a maioria Hutu assassinou mais de 800 mil Tutsis, a etnia do actual Presidente Kagame, quando Emmanuel Macron assumiu a responsabilidade francesa naquele desfecho sangrento.

Sobressaiu ainda desta passagem de Macron por Kinshasa o seu veemente pedido para que as partes aceitem e cumpram o plano de paz em curso para o leste da RDC.

Alias, Macron foi ainda sujeito à presença de milhares de manifestantes nas ruas de Kinshasa contra o papel da França na região, com, tal como sucede mais a nordeste, no Sahel, muitas bandeiras russas empunhadas pelos manifestantes, fortemente críticos de Paris devido ao que dizem ser um apoio ao Ruanda por inérrcia na sua condenação.