Os sinais de descontentamento e frustração com a governação de João Lourenço podem, agora, ser aferidos nas palavras de Zenaida Machado, investigadora sénior da WRW, que descreveu a situação nestes moldes: "No tempo do Presidente José Eduardo dos Santos, estávamos habituados a um regime de um ditador, opressivo, mas com o Presidente João Lourenço tínhamos expectativas muito altas de que ele iria melhorar essa situação porque estava má, mas [agora] piorou".

Em entrevista à VOA, sem eufemismos ou adornos na linguagem, ela foi peremptória ao afirmar que "a situação dos direitos humanos em Angola está pior". Dito de outro modo: Mal com José Eduardo dos Santos, pior com João Lourenço.

Segundo o documento da HWR, estão implicados nestas violações membros da Polícia Nacional, do Serviço de Investigação Criminal (SIC), bem como do Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE), no homicídio ilegal de pelo menos 15 pessoas, bem como na detenção arbitrária de centenas de outras pessoas.

No leque das vítimas da violência e dos excessos policiais, a HRW apontou os activistas sociais e políticos, artistas que criticam abertamente o Governo e manifestantes que organizaram ou participaram em actividades antigovernamentais pacíficas em todo o país.
Embora o documento não faça nenhuma referência específica à morte, há dois meses, de cinco pessoas numa manifestação pacífica de motociclistas no Huambo, em sinal de protesto contra a subida dos preços dos combustíveis, presume-se que elas façam parte dessa lista sangrenta de homicídios cometidos pelas forças policiais.

Na opinião de algumas testemunhas, as mortes registadas na cidade capital do Planalto Central, assim como em outras manifestações do género noutras localidades teriam sido evitadas se houvesse uma proporcionalidade de meios por parte da Polícia que, segundo elas, não se coibiu de usar meios letais, ou seja, recorreu às balas reais para reprimir e calar as vozes descontentes durante as manifestações de protesto.

De igual modo, o relatório da HRW não faz referência aos métodos pouco ortodoxos usados pela Polícia angolana, que consiste na destruição dos meios de comunicação portáteis dos activistas durante as manifestações. Como também o documento não faz alusão a uma espécie de rapto levado a cabo pelas forças policiais que, após da detenção dos manifestantes, estes são deslocados e abandonados em matas, a dezenas de quilómetros dos locais da manifestação, e privados dos seus haveres.

O recrudescimento das acções de repressão às manifestações de protesto tem sido mais intensa em cenários de crise profunda, como a que o País tem vindo a registar nestes últimos meses.

À semelhança do que ocorreu em 2016, sob o consulado do ex-Presidente, José Eduardo dos Santos, o "modus operandi" das forças policiais continua o mesmo no sentido de criar o medo e aos manifestantes e descontentes.

Convém recordar que, no referido ano, a Amnistia Internacional (AI) havia acusado o Governo angolano de usar julgamentos com "motivações políticas" ou acusações de difamação e leis de segurança nacional para suprimir os direitos humanos.
"O descontentamento social e os protestos decorrentes do agravamento da crise económica no País, provocada pela quebra nas receitas do petróleo, foram silenciados pelo Governo e com violação de direitos", acusou, na altura, a AI.

O relatório em causa sublinhava que a crise "desencadeou aumentos de preços para alimentação, saúde, combustível, recreação e cultura", o que levou a manifestações contínuas de descontentamento e restrições aos direitos à liberdade de expressão, associação e reunião pacífica.

Aos olhos do Governo angolano, o relatório da HRW e o de outras organizações não-governamentais (ONG) afins poderão ser encarados como se estivessem eivados de má-fé, conspiração contra as instituições nacionais, com objectivos supostamente escusos para desestabilizar o instituído em Angola.
Aliás, essa estratégia de atacar o mensageiro, em vez do teor da mensagem, ficou bem patente nas declarações do director nacional dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça que, há poucas semanas, criticou severamente a postura das ONG"s que, segundo ele, estariam a empolar os acontecimentos e pintar um quadro assaz negativo do que se tem passado em Angola.

Numa aparente fuga para frente, ao responsável governamental faltou-lhe coragem para reconhecer que o uso desproporcional da força pelos agentes policiais durante as manifestações chegava a causar mais ruídos do que as manifestações em si, muitas das quais de tão diminutas quase não produziam eco.

No seu relatório, a WHR admite que o Executivo angolano tem feito alguns esforços para inverter a grave situação de violação sistemática dos direitos humanos, mas que os mesmos têm sido manifestamente insuficientes ou ineficazes.
"Nos últimos anos, o Governo fez algumas tentativas para melhorar a aplicação da lei, nomeadamente a demissão de agentes responsáveis por abusos, a integração dos direitos humanos no currículo da academia da polícia e a realização de actividades de direitos humanos regulares em parceria com as Nações Unidas e organizações não-governamentais nacionais", lê-se no documento.

A HRW não esconde, porém, a sua insatisfação pelo quadro actual do País, ressaltando que a aplicação de acções penais a agentes da Polícia por "uso ilegal da força continua a ser rara" e que "as tentativas de melhorar a conduta dos agentes não foram sustentadas por medidas de responsabilização fortes, como acções disciplinares e processos criminais, havendo muitos casos de abuso policial que escaparam impunes".

A HRW lança, por fim, uma espécie de desafio ao Governo angolano para que adopte urgentemente medidas "concretas e significativas", de forma a promover o pleno respeito pelos direitos humanos e o tão propalado Estado democrático e de direito.
Sintomaticamente, o Executivo angolano ainda reagiu ao relatório da HRW, e a imprensa pública não fez a mínima referência ao documento.
Por mais esforços que os sectores afectos ou próximos aos círculos do poder venham a fazer no sentido de passar a mensagem de que há uma evolução dos direitos humanos, ninguém em sã consciência pode negar o incremento dos níveis de repressão e cerceamento das liberdades individuais e colectivas.

Depois dos episódios a que assistimos, recentemente, no Parlamento, com a bancada do MPLA a evitar ao máximo a responsabilização criminal dos agentes policiais que pratiquem os excessos e abusos policiais durante as manifestações de protesto, há motivos de sobra para suspeitar que o partido governante não parece inclinado a mudar o actual que, verdade seja dita, nada dignifica a imagem de Angola fora de portas.