Durante esse período da nossa história, os angolanos foram alvo de múltiplas sevícias por motivos raciais, que, assumindo uma crueldade sem limites, atentavam gravemente contra a sua dignidade.
Durante várias décadas, os angolanos sofreram na pele e na alma a discriminação imposta pelo agente colonizador, que, por todos os meios, tentava transformá-los na sua própria terra em seres inferiores em relação ao ocupante estrangeiro.
A depreciação dos dominados era vista por Adolfo Maria na sua obra "Angola - Contributos à Reflexão" como elemento fundamental da ideologia do dominador. Nela fica claro como a desclassificação do outro, a sua exclusão da sociedade, a sua aniquilação física e psicológica, tornaram-se a norma do pensamento oficial do sistema colonial.
De mãos dadas com o racismo, o colonizador utilizou também o tribalismo como forma de dividir para melhor reinar. O nacionalista Adolfo Maria explica também que "problemas de identidade e profundas alienações em indivíduos ou grupos sociais eram gerados pelo sistema classificativo da lei colonial que", entre outros extractos, "dividia as pessoas em mestiços e assimilados e, no fim da tabela, os indígenas".
Com esta estratégia conseguiu ainda inculcar na sociedade a existência de um (pretenso) complexo de superioridade de angolanos de algumas regiões em relação a angolanos de outras regiões.
O combate a estes dois flagelos foi, por isso, uma das bandeiras que os chamados movimentos de libertação tentaram hastear na luta contra o colonialismo português para pôr fim à discriminação de que os angolanos eram vítimas e que, de forma ardilosa, acabaria por servir para o sistema os dividir, fragilizar e criar clivagens entre si.
Mas, este combate, muitas vezes, era confundido com a hostilização à cor da pele do homem branco. Tudo o que era branco era sinónimo de racista. Tudo o que era branco era sinónimo de inimigo.
A este tipo de discriminação, Adolfo Maria acrescenta ainda que "o colonialismo traçou fronteiras separando etnias, motivou miscigenações biológicas e culturais, novas referências e valores e novas contradições".
Para serem bem sucedidas na luta contra o sistema colonial, as lideranças dos movimentos nacionalistas foram, aos poucos, percebendo que era preciso, porém, fazer uma distinção clara entre o sistema e os portugueses, eles próprios na sua maioria vítimas também da ditadura que se abatia sobre Portugal.
Desse ponto de vista, por aqui, o MPLA surgiria como a força nacionalista que, pelo menos na aparência, mais clara e inequivocamente se demarcava daquela tendência.
Ao fazê-lo, partindo do princípio de que se o racismo era imposto por um sistema que advogava a supremacia do homem branco em relação aos indígenas, o MPLA não deixava, porém, de reconhecer que a prática da discriminação atingia também segmentos da população branca de nível baixo, sobretudo quem tivesse nascido em Angola.
Nascia aqui a classe dos brancos de primeira em contraponto com os brancos de segunda. Não admira, por isso, que, por aqui - como noutras antigas colónias portuguesas - muitos brancos, alguns dos quais nascidos em Portugal, se tivessem filiado em movimentos nacionalistas, aliando-se à causa da Independência de Angola.
Uma vez iniciada a luta armada, com ressentimentos à flor da pele, não foi fácil, porém, vencer esse desafio e romper com velhos recalcamentos. Não foi fácil fazer a travessia do Rubicão, mesmo no seio dos movimentos nacionalistas.
Não espanta, por isso, que por terem concepções políticas diferentes das vias a seguir para derrubar pela força das armas o ocupante colonial, MPLA, FNLA e UNITA se tivessem envolvido em disputas fratricidas que, prolongando-se por muitos anos depois da independência, acabariam por mergulhar Angola numa sangrenta guerra civil.
Não espanta ainda que o MPLA tenha sido visto pelos outros dois movimentos - FNLA e UNITA - como uma força política representativa do crioulismo, devido à predominância de mestiços na origem da sua criação e da sua afirmação política.
O próprio MPLA, no início do processo da luta armada, ao lidar com este desafio, não escaparia também aos efeitos altamente danificadores deste vírus.
Não espanta, deste modo, que, a dada altura, para o combater e para não ferir susceptibilidades, Agostinho Neto tenha optado por manter na Argélia alguns combatentes mestiços e brancos.
Durante os anos que se seguiram à integração de militantes de várias origens oriundos de diversos países aliados do MPLA onde haviam recebido treino militar, embora fosse colocado um acento tónico no combate ao preconceito racial e tribal, as clivagens motivadas por estas duas taras, na verdade, nunca chegaram a ser definitivamente expurgadas do seu seio.
É, de resto, a partir da "estratégia de contenção" do grupo de mestiços e brancos naquele país do norte de África, que mais tarde, depois da Independência, nasceria o chamado grupo de "argelinos".
As acusações que são feitas ao MPLA como força fomentadora da exclusão do outro "têm origem na própria luta de libertação nacional quando passou a ser conduzida de modo autocrático e continuou assim após a Independência".
Mas, do lado oposto, ninguém também se pode rir. Na verdade e para desgraça dos angolanos, a FNLA e a UNITA incorporavam igualmente a mesma matriz.
Chegados à Independência, confrontamo-nos com um primeiro problema. O domínio da administração do Estado por alguns brancos e também por alguns angolanos mestiços, fez nascer, entre os defensores de um nacionalismo radical, a ideia de que se estava perante o prolongamento, sob outras formas, do domínio colonial.
Dir-se-ia que não estávamos, afinal, senão diante de um falso problema, que, de resto, de forma magistral, seria na altura desmistificado por Agostinho Neto.

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