Como se percebe de imediato ao olhar para os gráficos dos mercados petrolíferos, com uma descida acentuada do preço do barril nesta manhã de sexta-feira, 20, o Presidente dos Estados Unidos parece estar a querer dar uma oportunidade à diplomacia.

E é isso que se pode aferir do anúncio quase em simultâneo em Pequim e Moscovo de uma conversa entre os Presidentes Xi Jinping e Vladimir Putin quase exclusivamente dedicada ao conflito israelo-iraniano, com ambos a criticar severamente o ataque não provocado de Israel.

Segundo os media russos, Vladimir Putin garantiu a Xi Jinping que está a trabalhar na possibilidade de Telavive e Teerão terem nele um mediador sério para este conflito, porque uma escalada na guerra seria um drama global e impossível de antecipar consequências.

Esta entrada em campo de Xi e Putin é uma das razões, como notam vários analistas, para Donald Trump reduzir o ritmo dos tambores da guerra e deixar o Governo israelita pendurado numa muito aguardada decisão da entrada dos EUA no conflito, a única forma de vergar o Irão.

Até porque, depois de um início tímido das reacções no Médio Oriente, onde a Turquia do Presidente Recepp Erdogan foi o primeiro país a criticar Israel, e depois, embora com pinças, também os sauditas, agora, com mais vigor, emergem do silêncio os países com as maiores comunidades xiitas, a facção do Islão largamente maioritária no Irão.

Desde logo o Iraque, onde o xiismo abrange cerca de 70% da população, e o líder religioso do país veio agora assumir uma posição crítica de Israel, com o Grande Aiatola Ali SIstani a avisar Telavive para as consequências trágicas se os líderes iranianos forem assassinados, o que este garante que conduziria todo o Médio Oriente para a vertigem do caos.

Esse cenário é uma das consequências que os Presidentes da Rússia e da China querem evitar, através de uma mediação activa, embora seja claro entre os analistas mais esclarecidos que Pequim e Moscovo estão a dar os primeiros passos no caminho da defesa do Irão.

Da parte russa, e do Paquistão, já se conhecia o fornecimento de armamento, mesmo antes deste conflito ter sido iniciado por Israel, mas agora também a China não esconde que está a dar esse passo ao fazer deslocar dois navios, pelo menos, de guerra electrónica para o Golfo Pérsico.

Isto, porque Teerão é uma peça estratégica do xadrez mundial que está a ser jogado entre o Ocidente liderado pelos EUA e o eixo sino-russo-iraniano, do qual sairá uma nova ordem mundial que substituirá a actual liderada pelos EUA desde o fim da II Guerra Mundial.

Alias, como pode ser revisitado nos links em baixo, o Irão, onde a China investiu nos últimos anos mais de 400 mil milhões USD em infra-estruturas, é uma plataforma indispensável no projecto global "Iniciativa Estrada & Cinturão" com a qual Pequim visa ligar o gigante asiático ao mundo em cima de uma estrutura de transportes ferroviário, rodoviário e marítimo...

O Irão é uma peça decisiva na ligação entre a China e a EurÁsia, Ásia Central, Cáucaso e Europa oriental, projecto em que a Rússia surge com especial empenho, porque cimenta fortemente as portas de saída para as sanções ocidentais a que está sujeita e consolida as parcerias a Oriente.

Perante este contexto, como advertem vários analistas, seria impensável que China e Rússia deixassem o Irão à sua sorte, demonstrando esta conversa Xi-Putin que os dois países, a par do Paquistão, passaram de um apoio camuflado para uma empenhada frente de protecção a Teerão.

Uma das razões é o facto de nesta altura do campeonato, e depois de Israel ter atacado o Irão quando os EUA estavam a negociar com Teerão, e a horas de uma nova ronda negocial, fazendo cair a desconfiança sobre o papel de Washington, estas duas semanas "dadas" por Donald Trump pode ser apenas um período considerado necessário para fazer chegar à região os meios militares "adequados" a um ataque em larga escala ao Irão.

Como nota Tiago André Lopes, na CNN Portugal, este refriamento da postura desafiante de Donald Trump é, possivelmente, resultado deste posicionamento da China e da Rússia, o que deixa Israel com o desafio gigantesco de ter de lidar sozinho, pelo meos nos próximos 15 dias, com a resposta iraniana à guerra que imprudentemente lançou contra Teerão a 13 de Junho.

Outra ruptura inesperada para o Governo radical de Benjamin Netanyhau, que há décadas procura uma justificação para atacar o Irão, e teve agora essa necessidade apertado que está internamente pela Justiça e pela oposição política, foi a recusa dos seus aliados europeus em alinhar com Israel .

Alias, os ministros dos Negócios Estrangeiros da França, Reino Unido e Alemanha estão a caminho de Omã para um encontro com o chefe da diplomacia iraniana, Abbas Aragchi, depois de o Presidente francês, Emmanuel Macron, ter criticado a opção militar israelita e apontanco como caminho as negociações.

O mesmo que é preconizado por Pequim e Moscovo, que igualmente sublinham a forma como Telavive feriram severamente com este ataque ao Irão a Carta da ONU, como fica claro do resumo da conversa entre Xi Jinping e Vladimir Putin, com este último a ter estado também ao telefone nas últimas horas com o Presidente do Irão, Masoud Pezeshkian.

Uma inesperada reacção alargada que, segundo o analista militar major-general Carlos Branco, na CNN Portugal, foi responsável já pela mudança de retórica em Telavive que passou de uma acção de largo espectro, incluindo a mudança de regime, para, agora, uma contida acção preventiva, nunca provada, da aquisição por Teerão de capacidade nuclear militar e fez Donald Trump tirar o pé do acelerador.

Mesmo que o Presidente dos EUA já tivesse informação suficiente para não acelerar, como estava a fazer até meio desta semana, desde logo com a assunção pela sua coordenadora do conjunto da secretas norte-americanas, Tulsi Gabbard, no Congresso, de que não há nenhum dado que indique que o Irão está à procura de obter uma ogiva nuclear.

O mesmo foi dito pela ONU, através do chefe da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), Rafael Grossi, que admitiu, sendo este um conhecedor presencial da infra-estrutura do programa nuclear civil do Irão, não haver nada que indique ser esse o objectivo de Teerão.

Como referia o major-general Carlos Branco, existe uma ideia cada vez mais clara de que todas as partes neste conflito, onde é errado dizer, como tem sido repetido por vários analistas no ocidente, que o Irão está sozinho, estão num "jogo de soma negativa", o que, por norma, é uma porta aberta para que a sensatez entre no jogo e permita soluções negociadas.

Isto, quando começa igualmente a ser evidente que está a ser repetido, para justificar o ataque ao Irão, o mesmo "truque" usado pelos Estados Unidos em 2003, para justificar a invasão do Iraque, apresentando provas falsas na ONU, através do então secretário de Estado, Collin Powel, de que Sadam Hussein estava a desenvolver um programa de produção de armas de destruição massiva.

E é perante este cenário de frágeis justificações isarelitas e norte-americanas para lançar um ataque ao Irão que o Kremlin, numa circunstância à margem da conversa telefónica de Putin com Xi Jinping, veio dizer, através do porta-voz Dmitri Peskov, que um ataque dos EUA ao Irão "seria um gigantesco erro" e o tiro de partida para um conflito de proporções incalculáveis no Médio Oriente.

"A entrada dos Estados Unidos neste conflito deixaria todo o Médio Oriente a arder", apontou Peskov, que acrescentou, citado pela RT, que "a ideia de provocar uma mudança de regime em Teerão é absolutamente inaceitável" para Moscovo.

Entretanto, ao 8º dia de ataques mútuos, com Israel, desde o primeiro dia, a usar a sua aviação para, com apoio das bases norte-americanas na região e dos aviões-tanque para o reabastecimento aéreo, lançar misseis e bombas sobre o Irão e o Irão através de misseis balísticos de longo alcance, começa a surgir a banalização mediática desde conflito.

Mas também começa a surgir a ideia de que Israel, acicatado pela resposta iraniana mais dura e efectiva que o esperado, e a procrastinação norte-americana anunciada por Trump, poderá estar à beira da exaustão do seu stock de misseis para a sua sofisticada, mas menos eficaz que a "fama" dizia, defesa anti-aérea.

E se tal vier a suceder, alguns analistas começam já a referir que a acontecer uma mudança de regime, esta poderá ocorrer em Israel e não em Teerão.

Até porque começa a ser demasiado visível a diferença de critérios para classificar crimes contra a Humanidade em Telavive, ignorando a mortandade gerada em Gaza, onde as forças israelitas destruíram dezenas de hospitais, e depois a acusação a Teerão desse tipo de crimes devido ao impacto de um míssil num hospital no sul de Israel.