É preciso não esquecer que muitos dos que têm emprego são obrigados a fazer biscates em algum sítio para garantir a existência mensal de paz no prato. A salvaguarda da integridade dos angolanos face às agressões de um rendimento ou salário corroído pela inflação e de uma diversificação da economia que nunca aconteceu obriga a que todos os dias milhões de cidadãos tenham que decidir se compram velas ou gasóleo para acender a vida ou comida e medicamentos.

E mesmo optando pela comida, porque a fome dói, quarenta e seis filhos morrem todos os dias de fome. Um salário que não estica, que não dura sequer duas semanas, e, ainda assim, o povo não se tornou hostil, mesmo sabendo que nunca foi convidado para participar no banquete que produziu uma catrefada inimaginável de milionários entre nós.


Nesta Angola do século XXI, nunca nenhuma instituição foi capaz de medir a resistência do povo "heróico e generoso", face à resiliência com que tem enfrentado a vida e a morte. E a pergunta que se deve fazer é: E se um dia o povo responder? Se o povo decidir cobrar, com igual azedume, os seus Direitos Constitucionais que têm sido preteridos em função de investimentos que nem sempre são prioritários? O desemprego épico em Angola tem um pai que é a gravíssima falta de investimento na qualidade e universalidade da Educação. Porque, mesmo que o desenvolvimento fosse uma realidade entre nós, teríamos de enfrentar o problema do analfabetismo e iliteracia de milhões de cidadãos, bem como a falta de qualidade de muitos que conseguem sair da universidade com um diploma, mas sem qualquer lógica ou capacidade de trabalho.


Em Angola, um aluno anda 8 anos na escola e apenas aprende o equivalente a 3 anos. Este dado foi divulgado pelo Banco Mundial em Angola. Somos mesmo muito pobres em Recursos Humanos e, por isso, em muitas instituições estruturantes, os segredos e as estratégias do Estado estão nas mãos de consultores estrangeiros pagos a preço de ouro. A Escola Pública nunca mereceu o devido respeito e sempre foi tratada como mais uma obrigação, sem qualquer conexão com o desenvolvimento do País, em vez de ser encarada como o único factor que pode criar desenvolvimento se for considerada a mais importante instituição social pública.


Não obstante o País estar a afundar devido à incapacidade de Executivo em criar os mínimos olímpicos para reverter a situação, nunca assumindo a derrota das promessas, facto comprovado por o País não ter problemas novos, o monólogo musculado das autoridades tem crescido, o que constitui outra preocupação. Somos o País da intimidação, onde o eleito todos os dias estica a corda achando que ainda faz sentido reprimir e ordenar, numa altura em que a maioria dos jovens deixou de reconhecer a ardósia de "140 kbt", onde se regista o resultado da prestação governativa.


E, se um dia os "biscateiros" cansados da indiferença e abandono se levantarem contra a fome, a desigualdade, a pobreza, a violação das mulheres e dos menores, exigindo que o Executivo se mexa e corra atrás dos 2 milhões de crianças que todos os anos ficam fora da escola, da "água para todos" que não sendo ainda de todos permite a morte de milhares de angolanos por negligência institucional, bem como a exiguidade dos salários e a promiscuidade na justiça?


Se o "País dos biscateiros" se levantar e disser basta, será rotulado como antipatriota, malfeitor, inimigo da paz, perturbador da ordem, será perseguido, preso ou morto. Imediatamente, levantar-se-ão os falsos pastores de seitas cujo nome, por si só, já é um pecado, os juristas vergonhosamente alinhados com a falta de sentido, os jornalistas domesticados, os políticos sem ética a defenderem que o Estado não se discute, cumpre-se. E logo virão as mesas oblíquas nas TPA"s 1 e 3, em discursos estéreis em humanidade pela ausência de amor pelo próximo e de fundamentação científica, com uma análise baseada nas "teorias do achismo", que de forma indecente se recusam a identificar quem tem menos e de quem é a culpa.


Surgirão académicos que perderam a honra e se prestam a envergonhar a ciência, desafiando todas as Leis da Física, quando nos dizem que o País está a "cair para cima", o que, sem dúvida, comprova a indiscutível visão sem lógica, que, durante vários anos, tem sido o suporte da governação. Estarão todos em fila indiana, de ombros curvados como convém aos servos, na sala de espera das benesses de futuros cargos e em uníssono baterão palmas ao absurdo.


Angola e a maioria dos países africanos apenas vêem crescer a sua dívida externa e a população. Este perigoso crescimento populacional, sem estruturas para acolher ninguém com respeito pela dignidade humana, põe em perigo milhões de crianças que nascem todos os anos em todo o continente. A sua vida é um verdadeiro inferno, que dispensa a intervenção do diabo. Por essa razão, muitos africanos preferem morrer ao tentar emigrar, a esperar sentados por uma morte anunciada e por um futuro em que deixaram de acreditar. E com eles emigram também os cérebros que África não protege nem acarinha, gente independente que apenas tem na ciência a sua militância.

O principal desafio de Angola está na aposta consciente na EDUCAÇÃO de Recursos Humanos, assente na formação alinhada às necessidades de desenvolvimento futuro do País, única alternativa para garantir sucesso e viabilidade económica e social.
A avaliação do nosso presente é imperativa. Está esgotado o actual modelo de atendimento à infância. O oxigénio para garantir o desenvolvimento de qualquer país depende da qualidade de vida das suas crianças e do rigor com que são protegidas e educadas. É preciso que a nossa política social seja consequente e eficaz, que se implemente do campo para a cidade e não ao contrário, não confundindo política social estruturada e assente em programas eficientes com as pobres doações estéreis de futuro. Temos mesmo de abrir um novo capítulo na nossa história desafiando ideias novas.

Não podemos continuar a ser uma Nação insegura, desconfiada, órfã de um sentimento de pertença (por falta de inclusão dos mais pobres) e sem justiça social. Sem um mecanismo de alerta com carácter vinculativo (poder retirado à Assembleia Nacional pelo famoso Acórdão) e com o actual modelo de gestão das dores na nossa precariedade, tudo o que podemos esperar é uma derrota colectiva, a derrota de Angola e do povo angolano, empobrecidos em todos os sentidos, não obstante terem passado 46 anos desde que o País ficou nosso.