A medida que as empresas expandem as suas actividades as possibilidades de o proprietário (principal) se fazer presente na condução das operações esvaem-se, surgindo, então, a necessidade de se fazer representar por um gestor (agente), que o substitua na condução das operações, que, entretanto, por vezes, tende a perseguir o seu próprio interesse, toma decisões em seu próprio benefício, cujo custo associado é absorvido pelos proprietários da empresa e pelas partes interessadas (stakeholders), o que se convencionou chamar de problema de agência, causando o custo de agência. A tensão criada na relação principal versus agente é diluída, ou, pelo menos, reduzida, com a aplicação dos mecanismos de governação corporativa, fazendo com que o agente não tome decisões focadas nos seus próprios interesses, em vez, dos interesses do principal (proprietário ou accionista). Os órgãos através do qual é exercitada a governação corporativa (gestão operacional e supervisão), são os conselhos de administração e comissão executiva (boards), existindo dois modelos de estrutura dos conselhos de administração: o modelo monista (one tier board) e o dualista (two tier Board). O modelo monista, também chamado por anglo-saxónico, predominante no seio do mundo corporativo dos países de expressão inglesa (Reino Unido, Estados Unidos, Austrália, Canadá, Nova Zelândia, entre outros), a gestão e a supervisão, são concentradas numa única pessoa, ou seja, o presidente da comissão executiva (CEO), é também o presidente do conselho de administração (chairman). Enquanto no modelo dualista, mais predominante nos países da Europa Continental e Japão, a função de gestão de operações e de supervisão estão separadas, exercidas por pessoas diferentes. O presidente da comissão executiva (CEO) que gere as operações da empresa, com o apoio dos outros executivos, os chamados C-suit (CFO, COO, CIO, etc.), executando a visão, a missão e os objectivos definidos pelo conselho de administração e o presidente do conselho de administração (chairman) e outros administradores, que são administradores não executivos, que fazem a supervisão, através de comités diversos (conduta e ética, remuneração, risco, entre outros). Então, quais são as principais diferenças, as vantagens e as desvantagens de cada modelo?
A tabela a seguir sumariza a comparação dos principais atributos diferenciadores dos dois modelos, a confrontação lado a lado, ajuda uma melhor compreensão das diferenças entre o modelo monista, também é referido como sendo de predominância ao accionista (shareholder primacy) e o modelo dualista, que muitas vezes é referido como de predominância das partes interessadas (stakeholder primacy), abrangendo o interesse de uma gama maior de interesses.
Comparação do modelo monista (um nível -one tier) vs modelo dualista (dois níveis - two tier).
Atributos diferenciadores Monista (EUA, UK) Dualista (Europa Continental e Japão), Remuneração Acima da média Moderada Tamanho do conselho (Board Size) Pequeno, maioritariamente externos Grande, maioritariamente composto por pessoas internas Foco da acção dos órgãos sociais Accionista (shareholder) Stakeholders, ou pessoas com interesse na empresa (accionistas, fornecedores, trabalhadores, Estado e comunidade) Capital Disperso/Orientado para o mercado Concentrado/ Bloco/Domínio da família Recorrência das reuniões do Conselho (Board meetings) Muito frequentes Pouco frequentes Mercado de capital Muito líquido Relativamente líquido (mais inclinado para endividamento) Origem dos Administradores /Directores Recurso ao mercado/Independentes Redes de amizade/representação Liderança/Cultura de gestão Confrontacional por natureza Consensual/Democrática por natureza Adaptado de Eluemen, (2016)
A literatura aponta algumas vantagens e desvantagens para cada um dos modelos. Em síntese, o mérito apontado ao modelo monista é essencialmente o facto de; permitir um fluxo de informação mais expedito e muito fluido, ter uma estrutura pequena de conselho (board), o que facilita a circulação de informação entre os seus membros e, consequentemente, a tomada de decisão, ao que se associa a recorrência de reuniões do conselho em períodos curtos, o que permite uma maior interacção entre os seus membros. O conselho monista é dominado por administradores não executivos especializados de reconhecida experiência, totalmente independentes, contribuindo para a tomada de decisões com maior rapidez, reduzindo a burocracia, dada a proximidade dos órgãos do conselho de nível unitário, facilitando a resolução de questões trazidas ao conselho, evitando a aprovações separadas de decisões. As desvantagens que a literatura aponta referem-se, essencialmente; a excessiva concentração de poder nas mãos de poucas pessoas, que são obrigadas a tomar decisões e, ao mesmo tempo, monitorizar as decisões que eles próprios tomam. A combinação das funções de Presidente do Conselho de Administração (PCA) e Presidente da Comissão Executiva (Chairman/CEO), do modelo monista, ou anglo-saxónico, desemboca, geralmente, no domínio deste sobre todos os outros membros, passando ao poder despótico. É referido também que dado a concentração do poder nas mãos de poucos, facilmente ideias contrárias são esmagadas e cria-se um ambiente de tipo club de amigos. Portanto, foi assim, que os maiores falhanços e escândalos corporativos se deram nos países onde predomina o modelo monista. os anglo-saxónicos.
As vantagens apontadas para a estrutura de governação dualista, consistindo em dois níveis (two tier board) de conselhos de administração, são referidos frequentemente os seguintes: a estrutura de dois níveis auxilia na redução dos custos de agência, que surgem como resultado da separação de interesses entre os gestores (agente) e os accionistas (principal) de uma empresa, através do controlo efectivo sobre o influente grupo de executivos seniores; a representação mais ampliada do conselho de dois níveis permite um maior escrutínio das decisões, evitando-se compadrio ou domínio dos administradores mais influentes, protegendo, melhor os accionistas, bem como o interesse das outras partes interessadas, facilitando a inovação e a concorrência devido ao interesse das partes interessadas; o modelo dualista tem foco predominante no interesse dos stakeholders (partes interessadas), representando apropriadamente, o carácter social da empresa nas modernas sociedades, em vez do foco no interesse do accionista unicamente, característica marcante do modelo monista; a separação das funções de gestão e de supervisão (monitorização), permite exercer o efectivo controlo e monitorizar a gestão executiva através do consenso, aconselhamento e outros incentivos proporcionam maiores oportunidades para evitar egocentrismos. São apontados, entretanto, debilidades: os membros do conselho de supervisão podem não ter o conhecimento interno do negócio e a informação adequada necessária para exercer um controlo eficaz sobre o conselho executivo; a informação inadequada pode ser um problema, dado as comunicações ineficazes e ineficientes, o que pode trazer uma estrutura burocrática pesada, para limitar os efeitos nefastos da falta de agilidade na interacção entre os membros do conselho de administração.
Chegados aqui, certamente a questão que surge é: qual é então o melhor modelo? A empresa, como instituição relevante, é influenciada pela cultura e os valores da sociedade em que está inserida. O sistema de gestão de qualquer empresa, as diferenças entre o modelo monista (um nível, ou one tier board) e o modelo dualista (dois níveis ou two tier board), está muito dependente das crenças corporativas e aos diferentes valores e visão da sociedade em que está inserida. As diferenças no tamanho do conselho, composição, frequência das reuniões, grupos de interesses, a orientação e a renumeração dos administradores, são exemplos destas normas corporativas, diferenças que tornam cada sistema de governação peculiarmente orientado para reflectir cada um dos valores das sociedades. O modelo monista ou anglo-saxónico é o apropriado num ambiente de mercado de capitais líquido, o capital está disperso por vários investidores institucionais, então podem nomear directores (administradores) totalmente independentes, pois não dependem da folha de salário da empresa. Já o modelo dualista, é apropriado em mercados em que a predominância do financiamento das empresas não é o mercado de capitais, antes, o financiamento bancário. Por conseguinte, vale reafirmar que nenhum dos modelos referenciados neste texto são comparáveis ao que é praticado em Angola, ou seja, o modelo monista angolano é, de certa forma, diferente do anglo-saxónico puro. Por outro lado, o modelo dualista angolano, tem características que diferem do dualista da Europa continental ou Japão. Por exemplo, os conselhos de administração dualistas germânicos integram representantes de trabalhadores, o que não se verifica no modelo dual angolano. No que respeita as empresas familiares, vector importante das economias capitalistas, tendem a optar pelo monista, quando os fundadores da primeira geração, que, geralmente, são resistentes a se dissociar das operações, estão no activo. Porém, os diversos exemplos, quer mundiais, quer mesmo da realidade angolana, sugerem que os fundadores no activo devem antecipar a profissionalização da gestão das operações das suas empresas, porque, a maior pretensão dos fundadores, é perpectuar o legado, que é facilitada, com as operações geridas por profissionais, relegando a família a função de supervisão. n
Bibliografia consultada
Chonoperekweyl, J. (2018). Notion Press, Índia.
Eluemen, E. A. (2016). Corporate Governance Board Structure (One Tier vs two tier), University of South Wale.
Larcker, D. & Tayan, B. (2019). Corporate Governance Matters. 2nd Edition. Pearson Education, New Jersey, United States of America.
Mallin, C. A. (2019). Corporate Governance. 6th Edition. Oxford University Press, Osford, UK.
Tricker, B. (2019). Corporate Governance, principles, policies and Practices. 4th Edition, Oxford University Press, United Kingdom.