No último 29 de Outubro, cerca de 38 milhões de eleitores tanzanianos foram às urnas para escolher o/a Presidente da República e os parlamentares, numas eleições com vencedores antecipados, tal e qual o vizinho Moçambique, em Outubro do ano passado.
Semelhante ao do País de Samora Machel e Eduardo Mondlane, o desfecho das eleições tanzanianas foi uma vitória "retumbante" dos "libertadores" e centenas de mortos, sobretudo jovens da chamada Geração Z, guiados por opositores que contestam a farsa político-eleitoral de democracia de morte, como disse Kenneth Kaunda.
Panafricanista e pai da independência da Zâmbia, Kaunda justificou a reposição do sistema de partido único no seu País, em 1972, com o facto da "democracia multipartidária" provocar mais mortes que o sistema de partido único.
"Começámos como uma democracia multipartidária, mas porque nos estávamos a matar devido às diferenças políticas, todos os partidos concordaram em transformar-se num só", contou Kenneth Kaunda, em 1997, numa entrevista à revista África Hoje, sobre a democracia na Zâmbia e em África.
Com essas democracias, que transformam processos eleitorais em autênticos campos de batalha com o envolvimento de brigadas, pelotões e companhias e onde há elevadas "baixas inimigas", a África insiste num teatro com tanto de macabro quanto de destruidor. Se na Pátria de Samora Machel, a contestação pós-eleições se saldou em mais de 400 mortos, incluindo dois destacados políticos da oposição (Elvino Dias e Paulo Guambe) e muitos milhares de presos, no País criado por Julius Nyerere, o balanço das vítimas mortais situa-se entre as duas e as sete centenas, de acordo com diferentes fontes.
Qual proporcionalidade populacional, qual quê!? A Tanzânia tem 68 milhões de habitantes. Já Moçambique tem cerca de metade deste número. Depois do "sucesso" eleitoral de Moçambique, da Frelimo e de Daniel Chapo, a Tanzânia adoptou a mesma receita, certamente indo ao encontro do princípio segundo o qual os bons exemplos devem ser copiados. E, se possível, aprimorados.
Se a justiça moçambicana excluiu a formação política Coligação Aliança Democrática (CAD), depois desta ter decidido incluir nas suas listas às legislativas, bem como sustentar a candidatura presidencial de Venâncio Mondlane, principal opositor político, na Tanzânia, o principal partido da oposição, CHADEMA, Partido da Democracia e Progresso, foi impedido de concorrer e o seu líder, Tundu Lissu, julgado e condenado.
Assim, a Presidente Samia Hassan, na sua primeira candidatura à PR, teve como adversários políticos inexpressivos que representam menos de 5% do eleitorado, fazendo dessas eleições uma espécie de passeio alegre para a sua candidatura.
Nesse processo distópico, Samia Hassan, que ascendeu à presidência, em 2021, na sequência da morte do Presidente John Magufuli, de quem era vice-presidente, ignorou que "se não tapar os buracos, terá de reconstruir as paredes", de acordo com um provérbio Swahili.
Ganhou as eleições com 98% dos votos, um pouquinho abaixo do seu colega Paul Kagame, vencedor com 99% das presidenciais do ano passado no Rwanda, resultado que diz mais do vencedor que do País com exilados políticos espalhados pelo Mundo, incluindo em Moçambique.
Apesar do prestígio e reconhecimento interno, granjeados graças a sua agenda política dos 4R -reconciliação, resiliência, reformas e reconstrução, com muito apoio popular e resultados económicos notáveis, a exclusão de fortes opositores nessas eleições incendiou o ambiente político-eleitoral da Tanzânia.
No âmbito da referida agenda dos 4R, Samia Hassan conseguiu diminuir a crispação política na sociedade, reunindo-se regularmente com líder da oposição e participando em comemorações alusivas a diferentes datas nacionais e internacionais com membros de partidos de oposição.
Com o ambiente político pacificado, a economia tanzaniana cresceu 5,4% em média nos últimos três anos, impulsionada pelos sectores da mineração, agricultura, construção e manufactura, segundo o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD).
Em Moçambique, o enchimento de urnas documentado com vídeos, a discrepância entre
número de votos e de votantes o "natural" favorecimento da comunicação social ao partido no Poder, a usurpação de competências por parte do Conselho Constitucional, CC, (nas vestes de Tribunal Eleitoral) que contou, somou, dividiu e subtraiu votos, tornou-se normal.
Com isso, os resultados declarados do CC atribuíram à Frelimo, partido libertador, 195 mandatos, maioria qualificada no Parlamento, que conta com um total de 250 deputados, e 65% dos votos à Daniel Chapo, candidato presidencial do partido no Poder, decisão que desencadeou a mais trágica violência pós-eleitoral.
Neste País do Índico, a missão de observação eleitoral da SADC, chefiada por Amani Abeid Karume, antigo Presidente de Zanzibar, região semi-autónoma e arquipélago da Tanzânia, concluiu que as eleições foram conduzidas de "forma ordeira, transparente e exemplar".
Em sentido contrário ao de Moçambique, na Tanzânia a missão de observadores da mesma SADC considerou que as eleições não foram totalmente democráticas. Foram fraudulentas.
A missão na Tanzânia, segundo o seu comunicado, "observou que em algumas assembleias de voto analisadas, havia vários boletins de voto empilhados ordenadamente na urna, durante a votação, o que criou uma percepção de fraude eleitoral e a impressão de que indivíduos votaram mais do que uma vez com a intenção de defraudar o sistema eleitoral".
Adianta que, de acordo com "especialistas", a aparente calma antes do dia da votação foi "mascarada por actos secretos de intimidação da população, dos partidos políticos e candidatos da oposição, nomeadamente supostos raptos de activistas políticos."
O relatório cita como exemplo a prisão e julgamento por traição do candidato Tundu Lissu, do partido CHADEMA, bem como do candidato Luhanga Mpina e do seu partido, o que culminou no seu afastamento do escrutínio.
A fraude reportada pela missão de observadores não impediu a Cimeira da SADC de a 7 de Novembro "felicitar Sua Excelência a Dra. Samia Suluhu Hassan, Presidente da República Unida da Tanzânia, pelas eleições realizadas em Outubro de 2025".
A dualidade de critérios da SADC na avaliação de eleições com os mesmos defeitos de fabrico, nomeadamente uso do lawfare para afastar fortes candidatos da oposição, enchimento de urnas à favor do partido no poder, desigualdade no acesso aos meios de comunicação social, entre outros, além de ser mais um prego no caixão do descrédito da organização levanta questões preocupantes.
E uma das inquietações é porque a SADC não cria mecanismos de intervenção à montante para prevenir crises pós-eleitorais que acabam em centenas de mortos? Os passos dados pela Tanzânia para inviabilizar candidaturas de opositores eram conhecidos.
A missão de observação da SADC na Tanzânia foi chefiada por Richard Msowoya, antigo presidente do parlamento do Malawi. Será que os critérios de avaliação das eleições na SADC mudam em função da liderança da Missão de Observação? Ou da natureza das candidaturas?
Se em Moçambique, o candidato era um homem, ideologicamente pardo, cristão, que estrategicamente expõe a sua devoção ao cristianismo para fazer campanha política, na Tanzânia está uma mulher, com ideologia vincada e assumidamente muçulmana que mostra em público o cumprimento de preceitos islâmicos.
Única líder muçulmana na região Austral, Samia Hassan manifestara vontade de ver o seu país a aderir aos BRICS, organização integrada por Brasil, Índia, China, Rússia e África Sul, representando 40% da população e 37% do PIB mundiais. A presidente da Tanzânia, a nona economia africana e terceira da SADC, depois da África do Sul e de Angola, em discursos panafricanistas, tem defendido uma "África emancipada", liberta dos resquícios do colonialismo e do neocolonialismo.
Depois de considerar fraudulentas as eleições tanzanianas, os africanos da região Austral objectivamente esperam que esta observação da missão liderada pelo malawiano Richard Msowoya faça jurisprudência.
O tira teimas poderá ser já em Agosto de 2026, nas eleições da Zâmbia, onde Hakainde Hichilema se prepara para a sua reeleição. De notar que o candidato-presidente, em 2024, já com os olhos postos nas eleições de 2026, também usou a justiça para considerar inelegível um forte candidato, o antigo Presidente Edgar Lungu, entretanto falecido em Junho de 2025.

