Como escreveu a jornalista e amiga Niki Menezes: "Há tragédias que doem pela perda, e há tragédias que doem ainda mais pelo que revelam sobre nós enquanto sociedade". Expondo algo que é mais perturbador, que é a facilidade com que as pessoas tornam a dor alheia em espectáculo. A facilidade com que se sentem no direito de julgar, rotular e adjectivar jovens que partiram de forma trágica e prematura. Volto a concordar com ela quando diz que quem partilha as fotos do carro carbonizado e com os corpos lá dentro, quem partilha publicamente este tipo de imagens não está a informar, está a ferir. Não está a sensibilizar, está a expor. Não está a homenagear, está a desonrar. Mesmo na morte, a narrativa da existência humana persiste. O processo de luto deve tornar-se num espaço de reaprendizagem, de pedagogia de valores e de afectos, de reavaliação do que somos, do que fazemos e do que queremos. Por alguma razão, por altura da morte de alguém, faz-se um elogio fúnebre e não uma crítica fúnebre. É preocupante ver e viver numa sociedade em que a indiferença, o escárnio, o assassínio de carácter, o extremismo e discurso de ódio ganham cada vez mais palco e dominam a maior parte das narrativas que vamos assistindo.
Vamos assistindo o espectáculo da ridicularização, onde um casal de humoristas, alegando desavenças conjugais, envolve na sua tragicomédia uma instituição como a Polícia Nacional e coloca todo o País "distraído" a assistir a uma verdadeira palhaçada. Depois surgem num vídeo a dizer que foi apenas uma briga de casal e fica tudo bem. Mas isso agora é assim? Esqueceram-se eles de que houve uma jovem que foi exposta? Uma jovem que viu o seu nome e identidade associada a uma alegada situação de abuso sexual? Como será agora a vida desta jovem? Como ela agora será recebida no seu bairro, na sua escola e até mesmo pela sociedade? Quem protege esta jovem? Já alguma vez eles se perguntaram: E se fosse comigo?
É preciso saber fazer leituras e interpretar factos, é preciso saber ler os sinais dos tempos, é preciso não ser inconsequente. É preciso termos inteligência para saber olhar para além das verdades fabricadas, onde se movimentam rebanhos alinhados para fazer da política uma actividade meramente metafórica, sem ética, desprezível e sem valor. O general na reforma e militante do MPLA Higino Carneiro (HC) foi constituído arguido, acusado de peculato e de burla qualificada, crimes alegadamente cometidos quando desempenhava o cargo de governador provincial do Cuando-Cubango e de Luanda. Na acusação do crime de burla qualificada, diz que HC, no período em que esteve à frente dos destinos da província de Luanda, "terá recepcionado de uma empresa privada mais de 60 viaturas, distribuídas por várias pessoas, sem, no entanto, efectuar respectivo pagamento". Quem foram estas pessoas e com quem estão os carros? É que, nesta altura, HC também era o primeiro secretário provincial do MPLA em Luanda e muitos dos seus camaradas devem estar apreensivos. Em nome de agendas e interesses de grupos, vai-se fragilizar um partido que tem responsabilidades de governação e se colocar a justiça ao serviço destes mesmos interesses e para "travar" os indesejados. Quem engendra tudo isso não é capaz de se perguntar: E se fosse comigo? Ou também acrescento outra: E como será quando for comigo?
E se fosse comigo?
O mundo seria um lugar melhor se as pessoas perguntassem com mais frequência: "E se fosse comigo?" Temos de admitir que somos incompletos e temos a necessidade de nos completar, sem a necessidade de procurar ser perfeitos. Nesta semana, seis jovens angolanos perderam a vida num trágico acidente de viação em Lisboa, Portugal. Um caso que comoveu o País com várias ondas de solidariedade e mensagens de apoio aos familiares das vítimas, mas que também deixou sinais de um certo "esvaziamento" da dimensão humana, de respeito pela vida, indiferença pela dor alheia, uma preocupante desumanização. Certas declarações de desprezo e desrespeito pela vida alheia acabaram por mostrar que existe um elevador ético-moral que já andava aos solavancos, que parece estar a avariar de todo.

