João Lourenço (JLO) não é José Eduardo dos Santos (JES), não há duas pessoas iguais, não foi eleito para ser uma réplica do seu antecessor, não é isso que se está aqui a pedir. JES era o diplomata e estadista, JLO é o militar e controlador. JLO não é o avesso de JES é o inverso. As metáforas da "lebre cansada" ou das "estradas reparadas" podem ter provocado uns momentos de um humor cinzento, mas não tiveram acolhimento por parte de militantes e estruturas do partido. A da "lebre cansada" vem alinhada numa estratégia de João Lourenço em criar uma ruptura geracional no MPLA, que começou com o alargamento do seu Comité Central. Inicialmente, a estratégia foi a de alargar para melhor reinar, surgindo agora com a narrativa de que os kotas (como ele) estão cansados e que é agora a vez dos jovens tomarem conta do Partido. É claramente uma narrativa populista e perigosa, uma narrativa que vai legitimar a ridicularização dos mais-velhos por parte dos jovens e a pressão para o seu afastamento das estruturas de liderança. A ideia que fica é que o líder do MPLA esteja a usar os jovens numa estratégia de afastamento e "acantonamento" dos kotas, condicionando assim total e qualquer oposição interna vinda desta ala, assumindo ele próprio que o seu substituto tem de ser um jovem e que até já teria seleccionado alguns deles. É uma estratégia perigosa e que vai "fracturar" internamente o MPLA, vai criar várias correntes de opinião.
No discurso deste acto de massas no Kilamba, João Lourenço mostrou que é um líder que quer liderar, não apenas porque sabe, mas porque precisa de ser visto a fazê-lo. É a sua estratégia de projecção de poder, onde aparece como o líder que controla, dirige, decide e comanda. Um poder central e unipessoal. Este discurso foi apenas uma confirmação ou reforço daquilo que João Lourenço tem deixado bem claro por palavras e actos: é explosivo quando desafiado, autoritário quando contestado.
A validação interna é uma espécie de oxigénio para um líder que precisa de reconhecimento e admiração constante, que precisa de ser aplaudido. Daí a necessidade permanente destes actos de massas à medida do líder. Até o termo é bem elucidativo: acto de massas! É assim que os cidadãos e militantes são vistos pelas máquinas partidárias e de propaganda do Partido.
Mas existe e existiu sempre um medo central nas lideranças do MPLA, foi muito evidente com JES, é também assim com JLO: o medo de ser ignorado, de ser descartado. Foi assim com JES, que acabou literalmente afastado do partido e isolado até ao fim dos seus dias. JLO sabe disso. Também sabe que o recurso à subserviência estratégica ou às lealdades convenientes são uma solução de curto prazo e não garantem o seu "day after". João Lourenço vive e enfrenta o mesmo dilema dos seus antecessores: o do líder que quer e precisa de controlar a máquina partidária. Para isso tem uma estrutura comportamental de projecção de poder, mesmo sabendo que existem fissuras internas no Partido. A estratégia de gerar controlo por via do confronto é completamente errada, é melhor um recuar controlado do que um avançar desestabilizado. O que João Lourenço teme aceitar é que o líder não se pode substituir ao Partido ou à vontade dos militantes. Muito pelo contrário, o líder é resultado da vontade ou escolha dos militantes. O que João Lourenço deixou neste discurso é que não existem outras soluções, que acredita que a sua solução é a única solução. Sendo ele o líder que está acima das estruturas e da vontade dos militantes. Totalmente errado. Principalmente quando o discurso do líder não agrega, mas divide. Não cria concórdia, mas favorece ondas de contestação interna. O problema de João Lourenço é que o MPLA é um partido que não se controla e não se deixa controlar. É uma máquina de triturar líderes. É um partido com histórico de afastar líderes e o caso recente de José Eduardo dos Santos é um bom exemplo. Não é com actos de massas ou com discurso de tambor que se vão resolver os problemas internos no MPLA. O buraco é muito mais fundo e exige reflexões profundas e urgentes.n
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O discurso do tambor
"Quem sobe ao poder geralmente não sabe descer", escreveu Carlos Drummond de Andrade no "Avesso das Coisas". O acto de massas do MPLA, realizado no passado dia 13, no Kilamba, mostrou-nos um líder, João Lourenço, com discurso sem apelo à união e coesão no seio do Partido, sem uma ideia estruturante ou uma estratégia de futuro, sem um plano que tenha ficado na nossa retina. Viu-se um líder que procurou mostrar que está acima das escolhas e da vontade dos militantes. Um líder que veio para romper e não para manter. Não se está a pedir a João Lourenço que tenha qualidades de oratória como Winston Churchill, mas também não precisa de vestir a pele de Odorico Paraguaçu.

