"A insignificância é a essência da existência. Ela está connosco em toda a parte e sempre. Ela está presente mesmo ali onde ninguém quer vê-la: nos horrores, nas lutas sangrentas, nas piores desgraças. Isso exige, muitas vezes, coragem para reconhecê-la em condições tão dramáticas para chamá-la pelo nome. Mas não se trata apenas de reconhecê-la, é preciso amar a significância, é preciso aprender a amá-la", escreve Kundera.
A viagem introspectiva ao mundo particular das questões egocêntricas, dos indivíduos mergulhados nos seus dramas individualistas, tomados pelo ego e pela vaidade, tornando-se incapazes de perceber "a festa da insignificância na qual se encontram. Para Kundera (neste livro), a vida é uma festa: uma festa da insignificância da existência humana diante de tantas coisas maiores. Se começarmos a tratar e a olhar para alguns problemas e atitudes com insignificância, teremos uma vida mais bem-humorada e significativa. Faz sentido a expressão: "reduzo-me à minha insignificância" perante o apego às coisas sem importância, à sensação ilusória e passageira de poder e status de outrem, diante da hipocrisia social, a indiferença e a falta de compaixão pelo outro, perante a pequenez de quem se julga tão grande.
"A Insustentável Leveza do Ser" é verdadeiramente a obra mais famosa, mais completa e bem conseguida de Milan Kundera. O livro escrito é uma interessante viagem pela história e filosofia, que traz à tona a reflexão sobre a forma como devemos viver a nossa vida e as escolhas que fazemos ao longo da nossa passagem pelo mundo. Um livro também ele subtilmente erótico com reflexões sobre os relacionamentos. Reflexão que nos leva a concluir que tudo aquilo que escolhemos e apreciamos pela leveza acaba por se revelar de um peso insustentável. "Não há nada mais pesado do que a compaixão.
Mesmo a nossa própria dor não é tão pesada como a dor consentida com outro, por outro, no lugar de outro, multiplicada pela imaginação, prolongada em centenas de ecos", é um livro sustentalvelmente pesado, mas com grande leveza de alma. Também acompanha os caminhos entrelaçados de quatro personagens (Tomas, Teresa, Sabina e Franz) de uma forma metafórica, melancólica, emocionante e filosófica, daqueles que não se esgota numa leitura. É uma análise profunda à alma e comportamento humano. Um livro com conteúdo de peso e se permite ser lido com uma leveza única.
É o peso e a leveza das coisas da vida, histórias sobre a vida e sobre a contradição da liberdade de escolha e da efemeridade (insignificância) da vida. A interessante relação entre o peso e a leveza das coisas na vida. A leveza e o peso da existência humana. Como alguém um dia questionou: a leveza das coisas pode tornar a nossa vida insustentável? Existem escolhas sem peso? A questão da leveza e da superficialidade das nossas vidas, da insustentabilidade das nossas relações.
O peso e a leveza dependem muito de como encaramos os desafios da vida. "O acaso tem a sua magia. A necessidade não. Para que um amor seja inesquecível, é preciso que os acasos se juntem desde o primeiro instante", diz, neste que é fundamentalmente um livro sobre relacionamentos humanos associados ao momento político pelo qual se passa a história do mesmo (a invasão da União Soviética à Checoslováquia em 1968). É o drama de uma vida explicada perla metáfora do peso. Temos um fardo sobre os ombros, carregamos este fardo, que a vida define se o suportamos ou não. O drama das nossas vidas não é, muitas vezes, sobre o peso, mas, sim, de leveza. Foi o que precisamente aconteceu com Sabina. Deixou um homem porque quis deixá-lo. Ele perseguira-a depois disso? Revoltou-se? Quis vingar-se? Não.
O seu drama não era de peso, mas, sim, de leveza. O que se abatera sobre ela não era um fardo, mas a insustentável leveza do ser. Para ele, a leveza era positiva, para ela, negativa. O que Milan Kundera nos faz perceber é que a própria leveza tem o seu peso, peso esse, às vezes, impossível de suportar, insustentável. Então, o que escolher ? O peso ou a leveza? Só lendo Milan Kundera.
Nota: Milan Kundera morreu nesta quarta-feira, 12, aos 94 anos. Este editorial é dedicado à sua história e trajectória. Um eterno agradecimento por tudo quanto nos deixou. Obrigado e descanse em paz!