No caso particular deste último país, João Lourenço alegou que as relações com o nosso têm crescido "todos os dias", daí a necessidade de a TAAG passar a operar nos "states". Não avançou dados estatísticos sobre esse suposto crescimento no tráfego aéreo.
"Os Estados Unidos têm-nos aberto as portas. Portanto, essa oportunidade deve ser bem aproveitada", justificou.

O desejo de João Lourenço ver crescer a principal companhia aérea do País seria perfeitamente aceitável e nada teria de anormal, não fosse o facto de uma manifestação de vontade do Titular do Poder Executivo (TPE) ser interpretada entre os seus auxiliares como uma "ordem superior", um "documento de trabalho" de cumprimento obrigatório.

Foi, aliás, o que aconteceu no começo do ano passado, quando o PR, em visita de trabalho à província do Uíge, "ordenou" à transportadora aérea nacional para que voltasse a operar naquele destino, para o qual a TAAG já não voava há vários anos.

Na altura, nenhum dos administradores da TAAG havia contrariado a vontade do PR e lhe dito, olhos nos olhos, que aquela escala não era economicamente viável para a retomada dos voos.

Numa de agradar o Chefe, a nossa transportadora aérea foi efectuando voos para aquela província e, como se não bastasse, praticando "preços de igreja". O bilhete custava 9. 500 Kz, tendo mais tarde duplicado o preço, mas nem com isso a TAAG conseguiu cobrir o enorme deficit. Significa, por outras palavras, que os custos de operação eram superiores aos das receitas obtidas.

O destino estava traçado, e, como já se esperava, o negócio viria a morrer meses depois, quando, em Março deste ano, a transportadora aérea nacional deixou de operar naquela escala, alegando a falta de passageiros que não chegavam a ocupar, nos dois sentidos, metade de 74 lugares dos aviões tipo Daesh-400.

Sintomaticamente, a imprensa estatal, que, no acto inaugural dos voos havia dado grande destaque ao acontecimento, ficou praticamente remetida ao silêncio, aparentemente cúmplice.

Conhecendo-se como as coisas funcionam neste País, no que diz respeito à excessiva subserviência dos gestores públicos ao TPE, ninguém se admirará que, dentro de alguns meses, a nossa TAAG venha a sulcar os céus daquele país da América do Norte, mesmo que isso possa representar elevados danos financeiros para a companhia aérea nacional e, por arrasto, para o erário.

Não basta dizer que as relações bilaterais entre Angola e os EUA têm vindo a crescer e que as portas da antiga potência do capitalismo norte-americano estejam escancaradas aos angolanos, mas é necessário que se faça um estudo profundo de viabilidade económica, se, de facto, há vantagens ou não da nossa companhia em abrir novas escalas em terras do tio Sam.

Convém não perder de vista que o desafio/ordem do PR à TAAG em "alargar" o seu espaço de actuação surgiu 24 horas depois de ele ter inaugurado o Novo Aeroporto Internacional de Luanda, pelo que se presume que ele ainda esteja ainda tomado pela emoção.

Não basta Angola dispor de um novo aeroporto, bonito e mais moderno, e a TAAG ter em carteira um plano de aquisição de novas aeronaves mais sofisticadas, ela só pode aventurar-se em realizar altos voos caso os mesmos lhe garantam retornos financeiros.

Antes de sulcar novos céus, os gestores da TAAG deveriam ser mais cautelosos, não esquecendo o que aconteceu com a SONAIR, o extinto braço aeronáutico da SONANGOL, que já operou no mercado norte-americano e com resultados bastante negativos.

De tantos passivos, a SONAIR viu-se forçada a abandonar, em Março de 2018, os voos para aquele país, por não serem economicamente viáveis.

De acordo com uma notícia divulgada na altura pelo Jornal de Angola, a subsidiária da SONANGOL deixara de realizar os seus voos directos a Houston, Estados Unidos, por não garantir o retorno pretendido.
Contas feitas indicavam que a companhia aérea da petrolífera angolana tinha prejuízos na ordem dos 2,5 milhões de dólares/mês, devido às fracas taxas de ocupação das aeronaves, sobretudo nos voos de regresso.

As constantes interferências do poder político na gestão das empresas públicas, sobretudo em períodos que antecedem as eleições, têm levado aos desastres financeiros das mesmas, ante a passividade dos seus gestores que temem perder os seus cargos, visto que eles foram nomeados pelo PR.
Apesar de dispor de excelentes infra-estruturas, o Aeroporto do Uíge, à semelhança de Malanje, Ndalatando, Ngove, no Huambo, Kuito Kuanavale, Joaquim Kapango, no Bié, não é economicamente rentável.

A reabilitação destas infra-estruturas aeroportuárias, que raramente recebem voos, à excepção dos presidenciais e um ou outro do MAT, terá obedecido a uma estratégica de enriquecimento ilícito por parte de antigos gestores do Ministério de tutela, por via das chamadas " comichões".
Hoje, os aeroportos andam às moscas, subaproveitados e os investimentos feitos no sector foram mal direccionados.

Angola, verdade seja dita, seria mais bem servida, se o dinheiro gasto com os aeroportos e as manias das grandezas tivesse sido destinado a construir boas estradas e pontes que permitissem uma maior mobilidade de pessoas e bens. Não é que os aeroportos deviam ser preteridos, mas que fossem respeitadas as prioridades.