Um jovem, cansado de andar, decidiu parar para aproveitar o fresco proporcionado pela copa larga da árvore. Encostou-se, absorveu com o olhar, por entre uma miríade de fagulhas que o Sol alimentava, o verde, sempre exuberante, da paisagem, o risco preto que descia a serra, e que era um caso sério para subir, quando chovia, e adormeceu, sem temer a queda de alguma jaca madura, pois não era época.

Sonhou com uma jibóia que descia da árvore e o envolvia. Mas, por estranho que pareça, não se assustou. Parecia que a esperava. Descontraía-o o olhar embevecido com que a jibóia o olhava. Enamorada. Ele também não era insensível aos seus encantos. Desde logo, a pele ornamentada e brilhante, figuras geométricas perfeitas, construídas com pequenos losangos que se justapunham, com um resultado irrepreensível. Os olhos, castanhos, ternurentos, enfeitiçavam-no. O corpo sensual, que se estendia em curvas sedutoras, e que parecia protegê-lo, com o seu peso sobre si, como se de uma amorosa armadura que o deixava a salvo de todos os males do mundo se tratasse. O meneio, lento e langoroso, enquanto acomodava o corpo macio ao seu, enchia-o de sensações positivas que lhe agradavam.

A jibóia amava-o, isso era claro. E ele amava-a também. Pareciam um casal perfeito, e não tardaram as juras - pois ela falava, numa voz doce, ainda que ligeiramente sibilante -, de amor eterno.
Quando passou uma família por perto, e ele demorou um pouco mais o olhar na jovem, certamente a filha, que a integrava, sentiu um ligeiro aperto. Como se um aconchego mais forte. Surpreso, olhou para a jibóia, cuja expressão, dissimulada, não mostrava nenhuma contrariedade. Julgou ser simplesmente um gesto de amor aquela contração que o estreitava. Um abraço mais chegado.

No aconchego do abraço, o bem-estar fê-lo divagar, e pensou nos amigos, e não pôde deixar de recordar o prazer que sentia na sua companhia - conversas intermináveis, discussões, quantas vezes espúrias, mas que lhe eram essenciais. Uma nova contração, agora mais forte, fê-lo regressar ao presente. À jibóia, que o abraçava, e que exigia toda a sua atenção.

Mas o seu pensamento não deixava de andarilhar, e começou a percorrer o mundo, bem para lá daquelas paisagens belas e verdejantes, e que esperava que o descobrisse, partilhando-o, sempre que possível, com a sua amada, mas, certamente, também em expedições solitárias, introspectivas, profundas, pessoais, onde se poderia encontrar consigo próprio e crescer. Uma sensação de falta de ar acometeu-o. Sentia-se estalar num abraço obsessivo e prolongado!

Acordou. O dia continuava brilhante e verde. O Cangundo, ao longe, com as suas construções com tetos de chapa de zinco, reflectia o Sol, e aproximava-o da Humanidade. Ele sentia-se estranhamente dorido, e respirava com dificuldade. Levantou-se a custo e dispôs-se a andar. Lembrou-se do sonho. Que sonho!
O Amor precisa de espaço para respirar.