A intenção era boa, mas não se dialoga, desde logo, num espaço com mais de 150 pessoas, nem se ausculta uma plateia falando mais do que auscultando...

A intenção era boa, mas tendo gravitado algumas intervenções em torno de interesses corporativistas e com a ausência de representantes de organizações sindicais, organizações não governamentais de solidariedade social e de ordens de profissionais, o Presidente acabou por perder uma excelente oportunidade para medir o pulso de uma massa crítica vital para a definição de novas políticas para Angola no período pós-Covid-19.

A intenção era boa, mas para remeter à condição de meros espectadores os presentes, teria sido preferível não ter convidado para virem a Luanda os representantes da sociedade civil do interior do país e promover antes um encontro entre o Presidente e especialistas das áreas da economia, da saúde pública, da justiça e outros sectores relevantes, num circuito fechado de 10 a 15 personalidades, que não os tradicionais "vocalistas" partidários...

A intenção era boa, mas o formato escolhido ao excluir a intervenção de peritos em economia que pensam diferente do Governo, parece ter ignorado que os problemas económicos que Angola enfrentava antes da Covid-19, se agravaram agora.

Não estou a garantir que quem pensa diferente do Governo tenha a solução, mas que mal haverá em os ouvir? Que mal haverá ouvir gente que acredita que o agravamento de impostos não é a melhor receita para o momento que vivemos? O modelo escolhido acabou, desta forma, por servir para tudo, menos para a tão esperada auscultação...

O modelo adoptado revelou-se tão disfuncional, tão desadequado e tão desalinhado que parece ter sido montado propositadamente para ninguém marcar golos.

Ou melhor, para dar lugar apenas à marcação de auto-golos. Assim sendo, há anos que andamos a perder tempo e dinheiro...

Mas, na semana passada, "por conveniência de serviço", ocorreram também outros episódios que podendo ser na aparência insignificantes, quando mal geridos, podem dar azo a críticas à governação.

Do que falo, é da forma como, entre nós, por vezes, os servidores públicos são nomeados ou despedidos. Se é certo que, nalguns casos, assistimos a uma correria desenfreada aos cargos públicos, a verdade é que, em muitos outros casos, ninguém pede para exercer funções governativas.

Temos como exemplo muitos cidadãos, que sentindo-se bem como simples profissionais, recusam viver obcecados com a ambição de ir para o Governo, para o Parlamento ou para a administração de uma grande empresa pública.

Livres, esses cidadãos passam bem na vida sem esses cargos e não se sentem diminuídos perante governantes, deputados e generais.

Basta-lhes a competência técnica, o brio profissional, a integridade moral e a idoneidade ética para se afirmarem como cidadãos dignos.

Mas, não foi sempre assim. O vício vem de longe. Não foi assim quando, vítima de pressão regionalista, "a seu pedido" e não "por conveniência de serviço", Afonso de Almeida, "Kassessa" preferiu pedir a demissão do cargo de Ministro da Saúde para ceder lugar a um representante da ala catetense...

Mas, já foi assim quando, "por conveniência de serviço", ficamos sem saber publicamente as verdadeiras razões que, em 1978, levaram à demissão de Lopo do Nascimento de chefe do Governo e a extinção do cargo de Primeiro-Ministro.

Pelo meio, ficámos a saber mais tarde, à boca pequena que, na origem do seu afastamento, um caudal de intrigas palacianas terá provocado profunda irritação em Agostinho Neto...

Com José Eduardo dos Santos no poder repetiu-se o mesmo ritual. Depois de ter feito a maior mobilização de munícipes e de massa crítica em torno do programa "Vamos Salvar Luanda", nunca ninguém percebeu as razões por que Rui Carvalho acabaria por ser afastado da liderança da capital...

Nunca com o antigo Presidente se tonaram igualmente claras as causas que, de um momento para outro, o levaram a perder a confiança no antigo Chefe do Estado Maior das FAA, general João de Matos.

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