A política de substituição de importações foi amplamente defendida pela escola da Comissão Económica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), nos idos anos 1970, assente no desenvolvimento industrial apologista da protecção dos mercados internos e regionais. Mas a política de promoção das exportações de uma região limitada no consumo, de baixa produtividade, consequentemente, de baixos salários, cedo desmoronou, pela ausência de sustentabilidade. Contrariamente, os países do Oeste asiático, os Novos Países Industrializados (NICs), seguiram uma política de promoção das exportações. Assim vemos que países pequenos como a Singapura, Malásia e Correia do Sul atingiram o nível de desenvolvimento que conhecemos hoje. Um país tão pequeno como a Correia do Sul é a décima quarta maior economia do mundo, com produtos consumidos globalmente. O Brasil, que durante muito tempo foi um seguidor da política de substituição de importações, país, então altamente proteccionista, era muito mais conhecido pelo Samba, Futebol e Guaraná. Só muito recentemente, começa a alterar o quadro, com o desenvolvimento da agricultura, sector da aviação civil e outras indústrias, sendo hoje a oitava maior economia do mundo. Ainda assim, as suas exportações são dominadas maioritariamente por produtos do sector primário sem transformação, tendo, entretanto, alcançado a auto-suficiência alimentar.

A estratégia de industrialização seguida em Angola parece ser uma réplica da política de substituição da América Latina dos anos 1970. Caso a avaliação independente de programas em Angola fosse uma prática comum, por essa altura saberíamos, quais foram os resultados do PRODESI. Está a atingir os propósitos para o qual foi concebido? O que está a correr bem e o que não está a correr bem? Não se pode ter receio ou medo de reconhecer os erros. Certamente, se reconheço o erro, estarei pronto a corrigi-lo, tal como referiu Bento de J. Caraça, Patrono do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), da Universidade de Lisboa. As duas políticas não são exclusivas. Deve, entretanto, haver um foco enorme de coordenação entre as diversas entidades no centro da execução da estratégia.

O que foi feito no passado, não muito distante, mesmo que já tenha ouvido críticas, de que a indústria colonial era de acabamentos, foi o estabelecimento progressivo do nível do valor acrescentado bruto (VAB). Lendo Walter Marques , em "Estratégia de Industrialização de Angola", consubstanciada em não proibir as importações, antes elevar as taxas aduaneiras de produtos acabados. Como isso funcionava? Estabelecia-se o nível do VAB 35%, ou seja, o produto podia ter 65% da componente importada e 35% agregação local. Foi evoluindo até que nos anos 1972 o nível do VAB estava nos 75% e 25% a componente de importação. Assim vimos a indústria a emergir no território de Angola. Por exemplo, no sector de automóveis, produtos de consumo electrónico e eléctricos. Os produtos eram importados, inicialmente, na modalidade completamente montado (CBU - completely Build Up), semi montado (SKD - Semi Knocked Down) e completamente desmontado (CKD -Completely Knocked Down). Recordo-me das carrinhas Datsum 1.200, que eram importadas pela Friauto, em chassis, vinham com o motor já montado, fora do chassis, sem carroçaria, sem pneus, os acessórios de electricidade da viatura vinham em kits, a montagem era feita toda localmente, usando mão-de-obra local. Essa viatura tinha uma taxa aduaneira abaixo de 10% do seu custo. Entretanto, quem importasse uma viatura idêntica em CBU, completamente montada, pagava 50%. Assim protegia-se quem criava emprego no país, mas também penalizava aqueles que tinham consumo de luxo, sem obriga-los a baixar a sua qualidade de vida, a que estavam dispostos a pagar. Permitiu elevar o processo de aprendizagem, consequentemente, o acumular de conhecimento. O mesmo aconteceu com os refrigeradores, aparelhos de ar condicionado, televisores e rádios. Assim, vimos que naquele tempo as carroçarias de camiões e carrinhas eram feitas em madeira de Angola. Porquanto a curva de aprendizagem na actividade industrial é muito mais longa do que no comércio. Por isso é que o negócio de comércio é mais aderente, não é tão delicado como a indústria, pois é o sector que cria valor.

Os NICs começaram por receber, inicialmente, a deslocalização de indústrias que nos países do centro, na perspectiva Cepalina, eram inviáveis, transferindo as suas operações produtivas para países da preferia, que detinham mão-de-obra mais barata. Foi assim com a China, a Malásia, Filipinas, Indonésia, entre outros. Absorveram o saber fazer. Muitos desses países são simplesmente inovadores e mesmo replicadores de tecnologias. Ouvi uma história há tempos, que a Siemens, a multinacional alemã de energia, vendeu comboios a uma entidade chinesa, sabe-se que essa empresa hoje é concorrente da Siemens. A China, que no passado recente era mais conhecida pelas suas bicicletas, hoje tem uma indústria automóvel vibrante. Os produtos que compramos nas grandes cadeias no Norte da América e Europa, são maioritariamente fabricados (made in) na China.

Essencialmente, temos de ter a consciência, tal como refere Alves da Rocha (2023), que a diversificação da economia é uma totalidade sociológica, implica o desenvolvimento de uma multiplicidade de variáveis sociais, tais como a educação, a produção, a disseminação de conhecimento, entre outras. Não se pode pensar na industrialização, dependendo da força-de-trabalho expatriada. É impensável basear-se no conhecimento importado. Pensar, por exemplo, na agro-indústria desconectada do sector primário, sem acções de restaurar as pequenas unidades da indústria pesada, que existiam no País. As que conheci, ainda na década de 1980, como as Máquinas Pinheiro, que se dedicavam à construção de Chariots para o corte de madeira, a fábrica de pneus, uma nova Mabor, as linhas de montagem de equipamento electrónico (uma nova Aliança Industrial, Stereo, Ulisses, etc.), as unidades de construção de ferramentas mecânicas diversas, as fundições que fabricavam charruas, bicos de charrua, carros de mão, catanas, enxadas, entre outras fábricas. Aparentemente, básicos, mas têm um impacto muito importante no apoio a outros sectores produtivos. Pelo número de motorizadas que circulam pelas cidades, vilas e aldeias angolanas, pode-se logo imaginar a existência de um grande mercado para esses produtos. A motorizada de três rodas, vulgo, "caleluia", é hoje o meio de transporte mais utilizado, tanto para o transporte de passageiros, quanto de mercadorias no meio rural. O que seria se fossem montadas algures em Angola, onde, aliás, já se montou motorizadas e bicicletas na modalidade CKD, total incorporação local. O Custo de um kit em CKD pode variar entre 55% a 60% abaixo do CBU, havendo, por conseguinte, enormes ganhos, desde o frete, ao preço por unidade de CBU a CKD, para além do emprego, por serem, geralmente, actividades massivas na criação de empregos. Por isso, penso que precisamos de repensar a estratégia de relançamento da indústria nacional.

*Economista