Sergei Lavrov sabe, certamente, da nova posição de Luanda na última votação na Assembleia das Nações Unidas, em Outubro de 2022, a condenar a anexação de quatro províncias ucranianas pela Rússia, onde votou a favor da resolução apresentada pela Albânia e pelos EUA, depois da abstenção na resolução de Março desse ano a condenar a invasão de 24 de Fevereiro.

E isso será obviamente um indicador para Lavrov dos novos ares que se respiram em Luanda, mas pior será quando o chefe da diplomacia do Kremlin for confrontado com a declaração de João Lourenço, aquando da Cimeira EUA-África, de Dezembro, em Washington, onde afirmou que a nova postura de Angola corresponde a passos responsáveis e reflectidos que correspondem a uma viragem na sua política externa para uma área mais próxima dos EUA. Mas isso quer dizer que será mais afastada de Moscovo?

A histórica ligação Luanda-Moscovo, forjada ao longo da luta de libertação através do partido que Governa Angola desde 1975, o MPLA, e depois, durante a guerra, que durou até 2002, onde a União Soviética, primeiro, até 1991, e depois a Rússia, mantiveram fortes relações políticas e económicas com Luanda, assente fortemente no fornecimento de armamento russo, que, é, ainda hoje, a base alargada das FAA, dificilmente será carta fora do baralho neste jogo onde dificilmente todos podem ganhar o mesmo mas é diplomaticamente possível garantir que ninguém perde totalmente, mesmo que em cima da mesa global esteja a ser forjada uma nova ordem mundial.

Há, no entanto, claramente novos ventos a soprar do ocidente (ver links em baixo nesta página). Depois de um encontro, em Washington, à margem da Cimeira EUA-África, entre João Lourenço e os Secretários de Estado, Anthony Blinken, e da Defesa, Lloyd Austin, o chefe da diplomacia de Washington veio a público dizer, com efusividade diplomática, que os EUA estavam muito satisfeitos com este novo olhar de Angola e a indicação do Presidente angolano de que Angola ia fazer "algumas compras" aos Estados Unidos.

Agora, com a chegada de Sergei Lavrov a Luanda, numa escala que não estava anunciada na sua deslocação a África, onde esteve nos últimos dois dias na África do Sul e no Reino de Eswatini, a única certeza que existe é que se a história garante que o encontro do velho diplomata russo com os membros do Executivo angolano, seja o MIREX Téte António, seja o próprio João Lourenço, será cordial, mas politicamente difícil.

É que, como foi publicado pelo Novo Jornal, na visita de Estado que João Lourenço fez a Moscovo, no início de Abril de 2019, então, o olhar de Luanda estava bastante pousado nas relações com a potência euro-asiática, tendo mesmo o Presidente angolano dito que pretendia ver a indústria de armamento russa abrir fábricas em Angola.

A diplomacia é, no essencial, a arte de estar bem com todos e ao mesmo tempo com todos adquirir vantagens ou, pelo menos, não criar adstringências desnecessárias, e o que Téte António deverá garantir ao seu homólogo russo é que Moscovo e Luanda não ganham nada em deixar de lado a cordialidade, mesmo que subjacente a isso esteja a decisão já tomada por João Lourenço de que Angola se reposicionou no concerto das Nações passando a inclinar-se estrategicamente mais para o lado dos Estados Unidos.

Esta posição de Angola é um ponto de viragem claro, embora essa realidade esteja longe de se verificar no continente, onde a Rússia parece estar a reganhar espaço de influência, especialmente na África Ocidental e Central, e também naquele que é, ainda, o país mais influente do continente, a África do Sul, a partir de onde chega Lavrov a Luanda, tendo, ali, apesar de alguns inexpressivos protestos da comunidade ucraniana, recebido um reforço de energia do Governo de Cyril Ramaphosa, que mantém de forma sólida a sua "amizade" com Moscovo.

Como, alias, o prova a organização dos exercícios navais previstos para Fevereiro, de 17 a 27 desse mês, com navios da Armadas sul-africana, chinesa e russa, tendo mesmo Moscovo anunciado que estes vão contar com a sua fragata Almirante Gorshkov, equipada com os novíssimos misseis hipersónicos Zircon, com capacidade de transporte de ogivas nucleares, e, segundo as chefias militares russas, sem "antidoto" em todo o mundo.

Alias, estes novos ares que sopram na política externa angolana serviram mesmo para uma crítica do líder da oposição, o presidente da UNITA, Adalberto Costa Júnior, numa entrevista recente a um jornal português, onde este diz que teve a informação da pate de um responsável russo "que as missões económicas e técnicas (da Rússia) em Angola terminaram há três anos porque o Governo angolano vendeu-se aos americanos".

Como, com este contexto novo em pano de fundo, vai correr esta visita de Lavrov a Luanda, só será possível perceber depois, mas aquele que é actualmente, aos 72 anos, um dos mais experientes diplomatas activos em todo o mundo, saberá que a única forma de garantir almoço e jantar é não hostilizar o anfitrião logo pela manhã.

Os recados de Mbabane

Durante a sua conferência de imprensa em Mbabane, Eswatini, Sergei Lavrov aproveitou para criticar as posições anti-Rússia de europeus e norte-americanos, face ao reforço das relações de Moscovo com vários países africanos, sublinhando que a Federação Russa apenas quer criar relações vantajosas para si e para os seus parceiros.

Acusou ainda de irracionais as declarações ocidentais que apontam o dedo a Moscovo por estar a "tomar territórios de influência francesa", como no Mali, Burquina Faso ou RCA, quando, na verdade, à Rússia só interesse desenvolver relações com todos os países do mundo.

E questionou esses mesmos países ocidentais que acusam a Rússia de estar a criar novas e mais profundas relações com países africanos através de estratégias arriscadas, notando que o continente africano é território de influência económica e política "seu", e depois a União Europeia e a NATO avançam para junto das fronteiras da Federação Russa e parece que aí já está tudo bem.

Lavrov mostrou-se pouco satisfeito com este tipo de posição de europeus e norte-americanos, e garantiu que Moscovo vai estar com a sua capacidade de ajudar, como é o caso dos fertilizantes e cereais que tanta falta fazem em África, sempre que os seus parceiros africanos assim o queiram, independentemente do que pensem no ocidente.

A agenda de Lavrov

Para já, a agenda garante de Lavrov para esta visita a Luanda, que se trata de uma visita normal, excepto não ter sido anunciada com o tempo das visitas normais, com uma recepção pelas entidades protocolares, ao final da tarde de hoje, terça-feira, 24, iniciando-se o programa oficial na quarta-feira.

Logo pela manhã, Lavrov é recebido por Téte António, seguindo-se um encontro com o Chefe de Estado, João Lourenço, e, de imediato, terá lugar uma visita ao Memorial Agostinho Neto e ao jazigo do ex-presidente angolano José Eduardo dos Santos, a que se segue uma visita ao Museu Nacional de História Militar e à Escola da Embaixada da Federação Russa, dormindo em Luanda nessa noite, seguindo na manhã de quinta-feira para Moscovo.

Quando chegar ao Kremlin e for reportar ao Presidente Vladimir Putin o resultado desta sua deslocação ao continente africano, entre as boas novas que leva de Pretória, onde viu o mais influente país do continente a garantir, através da sua chefe da diplomacia, a ministra dos Negócios Estrangeiros, Naledi Pandor, a sólida amizade com Moscovo, e o crescendo da influência mais a norte, no Sahel, Sergei Lavrov terá de confirmar também que muito está a mudar em África e o reposicionamento estratégico da política externa angolana é um revês sério...