O recado foi dado numa recente entrevista à agência noticiosa russa, TASS, onde João Lourenço disse querer negociar a instalação em Angola de fábricas de equipamento militar e armamento russo, passo que implica uma forte confiança entre os dois Governos e vontade mútua de aprofundar de forma significativa as relações históricas entre Moscovo e Luanda.

E um dos pontos da agenda deixa isso bem vincado, que é a escolha do Kremlin para, na quinta-feira, 4, "palco" da condecoração de Vladimir Putin com a Ordem Agostinho Neto, que é, entre as mais importantes existentes a 2º mais importante - foi a mais importante até 2004, ano em que foi suplantada pela Ordem da Independência -, e que é concedida a nacionais e estrangeiros, com especial destinatários Chefes de Estado e de Governo, contando-se entre os agraciados Nelson Mandela, Fidel Castro, José Eduardo dos Santos ou, entre outos, Kenneth Kaunda e Joaquim Chissano.

Mas antes, João Lourenço, como avança o comunicado da Casa Civil do Presidente da República, vai ainda ao Parlamento russo, a Duma, onde proferirá um discurso para os deputados da Federação Russa.

Na agenda está ainda em destaque as conversações entre delegações e comitivas dos dois países - o ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto, está em Moscovo desde sexta-feira, para ultimar o programa da visita do PR.

Durante aquela que é a primeira visita de João Lourenço à Rússia enquanto Chefe de Estado, far-se-á presente num fórum empresarial, que deverá ser crucial para se perceber a forma sob a qual se vai materializar a vontade clara dos dois países em revitalizar os investimentos num e noutro país que, desde a queda da União Soviética, em 1991, perdeu muito do vigor forjado durante o conflito militar até esse momento.

As relações entre Luanda e Moscovo estão, ainda hoje, assentes no Tratado de Amizade e Cooperação assinado em 1976, sendo o dado mais substancial perseguido desde então o assumir da Rússia - então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) - como o mais importante fornecedor de material e armamento a Angola.

Mas, depois do fim do conflito, Moscovo e Luanda mantiveram-se ligados pelos negócios em áreas como a mineração, a energia e a educação, Defesa, entre outras, mantendo-se centenas de estudantes angolanos a estudar em academias russas.

A recuperação dos laços privilegiados entre os dois países já está em curso há algum tempo, tendo sido um dos momentos mais importantes no contexto da recuperação desse ímpeto a visita a Luanda do influente ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov.

Recorde-se que pouco depois de assumir a pasta, enquanto ministro da Defesa, João Lourenço visitou a Rússia em 2015, numa estadia oficial de sete dias, à frente de uma larga comitiva de generais, com o objectivo de reforçar a cooperação técnico-militar entre os dois países.

Agora, nesta visita, e no encontro que os dois Presidentes vão realizar, para além da reactivação dos antigos canais de comunicação e interesses, Luanda e Moscovo partilham o meso ponto de vista sobre um dos pontos mais quentes do planeta neste momento no que concerne à política internacional, que é a crise na Venezuela.

Angola, no âmbito das organizações africanas que partilha, como a União Africana e a SADC, e também no seu posicionamento unilateral, mostra-se ao lado do Presidente Nicolás Maduro, fortemente pressionado pelos EUA para deixar o poder, mas com o apoio manifesto da Rússia e da China.

A Rússia acaba mesmo de enviar apoio militar em meios humanos e técnicos para Caracas, como o NJOnline tem noticiado. Existe mesmo um clima intenso de ameaças mútuas.

PR mostra o que pretende

O Presidente da República disse na referida entrevista à TASS que quer consolidar a cooperação técnica e militar com a Rússia e que nesse processo existe disponibilidade para ir além do comércio e compra de armamento e instalar capacidade de produzir e montar equipamento militar e armamento russo em Angola.

Numa peça noticiosa com o título "Angola quer construir fábricas de armamento russo", João Lourenço é citado a afirmar que a cooperação técnica e militar coma Rússia "vai continuar e vai ser aprofundada" como é desejo dos dois países.

E acrescentou: "Quando estou a falar de cooperação não estou apenas a referir ao comércio e compra de armamento, estou também, se for possível, a dizer que queremos instalar em Angola capacidade de produzir e montar equipamento militar".

"Queremos evoluir de compradores de equipamento militar e tecnologias para fabricantes e ter capacidade de montagem de equipamento e material militar russo no nosso país", disse ainda João Lourenço nesta entrevista à TASS.

Com este desiderato, João Lourenço procura diminuir a dependência externa do país na aquisição de equipamento para as suas Forças Armadas e ainda a criação de emprego para os angolanos.

A Rússia, como era igualmente a antiga União Soviética, é um dos grandes fornecedores de material militar e armamento a Angola, desde as simples armas ligeiras aos tecnologicamente avançados aviões de guerra.

Recorde-se que em 2012 os dois países acordaram na construção de uma fábrica de armas ligeiras em Angola.

Petróleo deixa de ser contrapartida

Foi ainda nesta entrevista que João Lourenço avançou com a importante decisão de que Angola vai deixar de oferecer petróleo como garantia das linhas de crédito da China, do Brasil e de Israel.

"O volume de crude aprovisionado tem sido elevado nos últimos anos porque Angola negociou créditos com a China para a construção de estradas, pontes e outras infra-estruturas", disse, acrescentando que o volume de petróleo exortado para a China foi "igual ao nível da dívida" com o gigante asiático.

Os acordos assinado com a China estão desactualizados e Angola que alterá-los, afirmou Lourenço, sublinhando ainda que isso vai estender-se também para os acordos existentes com Israel e com o Brasil.

"Queremos deixar de fazer este tipo de pagamentos quando recebemos linhas de crédito. Vamos deixar de usar o petróleo como principal garantia para as dívidas", disse à TASS