Mas Emmanuel Macron não veio ao continente dizer apenas que existe outra "França" para descobrir pelos africanos, uma França na condição de "interlocutor neutro" no continente, que é o que será de ora em diante.

Esta nova França é o resultado de décadas de mal-estar entre franceses e as antigas colónias, desde logo, e com maior ênfase, na África Ocidental, no Sahel, com o Mali e o Burquina Faso a darem o pontapé de saída da "FranceAfrique", cujo significado pejorativo é uma espécie de continuidade da influência de Paris sobre os antigos colonizados e que, agora, para recuperar das perdas e evitar novos colapsos diplomáticos, Macron quer fazer evoluir para um "interlocutor neutro" inter pares.

Libreville é a primeira etapa de um tour acelerado que o levará em quatro dias a quatro países, seguindo já esta quinta-feira para Luanda, onde está até meio da tarde de sexta-feira, seguindo de imediato para Brazzaville, onde também permanecerá apenas por algumas horas, deslocando-se a seguir ao seu mais difícil destino, Kinshasa, onde já começaram a fazer-se ouvir manifestações anti-França, embora a RDC seja um país francófono mas não uma antiga colónia francesa, e sim belga.

Em Libreville, porém, Macron não perdeu tempo para redefinir a nova estratégia de longo termo de Paris para o continente africano, que é, naquilo a que chamou, uma "nova época" pós "FranceAfrique", com um sentimento do Chefe de Estado francês que ", por vezes, as mentalidades não evoluem ao mesmo ritmo" que a sua vontade de mudança.

"Por vezes, penso que não há evolução quando leio e escuto, eu vejo que são atribuídas à frança intenções que ela não tem, que ela não tem mais", explicou Macron quando falava com a comunidade francesa em Libreville, citada pelo Le Monde, acrescentando que nestes tempos a França "é um interlocutor neutro que fala com todo o mundo sem a intenção de interferir nas mudanças que possam ocorrer na política interna dos países".

Mas, estas palavras não são verdadeiramente novas, porque antes de deixar Paris na segunda-feira, já tinha dito que era uma nova França aquela que seguia com ele para este périplo africano, embora esteja já a ser acusado de ter chegado a Libreville com uma agenda política.

O ponto cimeiro da sua agenda no Gabão é a Cimeira sobre a defesa das florestas que está a ser organizada pelos dois países e incide sobre as florestas tropicais de África, Ásia e Américas, dando-a como exemplo de uma parceria equilibrada e entre iguais.

Depois de Libreville, Emmanuel Macron parte para a capital angolana, onde dorme de quinta para sexta-feira, dia em que terá um encontro com João Lourenço depois de ambos presidirem ao encerramento de um fórum económico com delegações dos dois países, em Luanda.

Em Luanda, Macron e João Lourenço vão discutir as relações bilaterais, tendo em conta a aposta clara de Paris no fortalecimento dos laços com Luanda, mas com a questão da instabilidade nos Grandes Lagos, especialmente no escaldante leste congolês, em cima da mesa.

Até porque, com João Lourenço a desempenhar um papel de protagonista na busca por uma solução de paz para o confronto entre Kinshasa e os rebeldes do M23 (ver links em baixo) e a tensão crescente entre a RDC e o Ruanda, Macron vai querer perceber onde poderá ajudar a pacificar as relações entre estas duas potências regionais francófonas, mas nenhum deles antiga colónia francesa.

Com uma agenda muito apertada, Luanda será um dos pontos mais fáceis desta vinda "oficial" de Macron à África Central, porque de seguida segue para Brazzaville, para um encontro com o seu homologo Denis Sessou-Nguesso, e pouco depois, com alguns encontros com a comunidade francesa e autoridades locais, segue para a RDC.

Na capital da República Democrática do Congo, Macron tem o seu teste, com manifestações populares claramente anti-França à sua espera, porque em Kinshasa cresceu nos últimos anos a ideia de que Paris está ao lado do Ruanda no quezilento período que os dois vizinhos dos Grande Lagos atravessam por causa da violência no leste do país.

Kinshasa acusa o Ruanda de estar a apoiar os rebeldes do M23 que há mais de um ano mantém a ferro e fogo as províncias do leste congolês, e que Kigali e o regime de Paul Kagame contam com o apoio tácito de Paris.

Em ano eleitoral, o Presidente Félix Tshisekedi tem apostado nesta disputa de argumentos com o Ruanda para arregimentar vontades na RDC e criar uma frente nacional que, se Macron não estiver preparado, pode emergir desta ida a Kinshasa como uma vítima da estratégia politico-eleitoral de Tshisekedi, absorvendo o ódio que cresce entre os congoleses contra Kigali e os seus aliados ocidentais.