Avenida Pedro de Castro Van-Dúnem Loy, 23h00, bairro do Morro Bento. Restaurante Fininho, oposto à base central da Odebrecht, é a nossa referência. Ou seja, uma das poucas orientações indicadas pela fonte do Novo Jornal para se encontrar trabalhadoras do sexo provenientes da Namíbia e África do Sul. A outra seria a rua do restaurante Nice, no mesmo bairro, cujo acesso está temporariamente interditado.
Com base nestas coordenadas partimos ao encontro delas. Dados iniciais indicavam-nos a província do Cunene como porta de entrada para muitas delas, de onde partem em direcção à capital angolana. O
Ponto de encontro
No local. O ambiente é de relativa acalmia e só perturbado pelas sirenes dos batedores que acompanham o regresso das equipas de hóquei em patins, que disputam o campeonato do mundo, para os respectivos hotéis. A nossa viatura, não identificada, pára a uns 200 metros do referido restaurante. Mesmo à esquina da segunda travessa a seguir o restaurante Fininho vislumbram-se rostos femininos, mulheres com idades que rondam entre 20 e 30 anos, se os números e a suposição não nos forem traiçoeiros.
Diante da janela do co-piloto está uma mulher magra, atraente, vestida de calções de cor branca e blusa preta, com olhar fixo. Acede ao nosso sinal, aproxima-se da janela e convidamo- -la a entrar. A equipa apressa-se a cumprimentá-la em inglês, mas a resposta inesperadamente é devolvida em português e deixa-nos até certo ponto desiludidos, pois esperávamos encontrar, logo à partida, uma namibiana ou sul-africana, como indiciavam as referências da nossa fonte.
O encontro com Maria
Diz chamar-se Maria e ser oriunda do Cunene. Esta é a sua terceira semana em Luanda onde, com uma tia, diz morar actualmente. Maria tem dificuldade em falar português, mas também não arrisca o inglês. Eu não fala inglês. Quem fala são essas ali, aponta para outras mulheres. Convidamo- la a dar uma volta, receando estar em local errado e em horário impróprio, mas esta recusa-se a ir sem que sejam acertados os valores.
Quanto é?, questionamos. Cinco mil kwanzas, diz-nos. Aproveitamos o pretexto do valor para motivo de conversa. Maria aceita baixar o valor até três mil e 500 kwanzas, mas ainda assim recusa-se a dar a pretendida volta pelas imediações. Antes pelo contrário convida-nos a irmos até um hotel que fica ali perto. Recusámos. Mas a conversa continuou no interior do carro. Mais à vontade e menos tensa, instantes depois, perguntamos pelas mulheres namibianas e sul-africanas e Maria aponta para um aglomerado de mulheres que se encontra um pouco mais afastado.
O nosso receio é que Maria se aperceba das nossas reais intenções e desista da conversa. Mexemos em falso no bolso da camisa, como que a confirmar a presença de valores. Enquanto isso perguntamos, se o preço que ela pedia era igual para todas, ao que respondeu que cada uma fazia o seu preço conforme quer e acha o seu valor. Minutos depois, Maria chama por Nancy, namibiana, em Luanda há já um ano, órfã de pai e mãe e responsável por cinco irmãos a residirem em Windhoek. Nancy tem agora 25 anos e é, segundo diz, estudante do terceiro ano do curso de Relações Internacionais, na Namíbia.
As histórias de Nancy
Maria desculpa-se e diz que prefere aguardar fora do carro por um outro cliente. Nancy não fala português e parece ser uma mulher experiente e bastante treinada. Apostando no risco, anunciamos que gostávamos de ouvir a sua história de vida. O nosso ensejo não lhe causa nenhum incómodo. Pergunta-nos sobre o que gostávamos de ouvir.
Conta-nos como foi e com quem vieste para Luanda, atiramos. Nancy, sorrindo, diz-nos que veio para Luanda há um ano, convidada por uma amiga, após a morte dos seus pais. A intenção, refere, era arranjar dinheiro para continuar a custear o curso de Relações Internacionais, que deixou pela metade, e criar uma base para continuar a sustentar os seus irmãos menores. Seis meses foi a meta estabelecida por Nancy, mas o resultado alcançado ao cabo desse tempo superou as suas expectativas e levou-a a adiar os planos de regressar já à Namíbia. Nancy diz-se bem-sucedida.
Mensalmente envio dinheiro para sustentar os meus irmãos e um outro valor para depois continuar os meus estudos. Mas vou de seis em seis meses à Namíbia, afirma. Como Nancy existem muitas outras e o número tende a subir, uma vez que existe comunicação entre as que ainda estão para lá das fronteiras angolanas, na Namíbia ou mesmo na África do Sul.
O dia de estreia de Cisco
Mais tarde, depois de ouvirmos Nancy prosseguimos a abordagem, sempre cautelosa. Assim chegamos ao contacto com Cisco. É oriunda da África do Sul. É uma mulher forte fisicamente, protótipo da mulher sul-africana. É mãe de dois filhos e, por mais que as coincidências sejam suspeitas, está aqui pela primeira vez e pelo primeiro dia em Luanda, como nos conta. Chegou e começou de imediato a sua empreitada.
Cisco, tal como muitas outras, atravessou as fronteiras a partir da Namíbia e diz ter sido recebida por uma amiga, que está por cá há mais tempo. Apesar de não ter ideia do que a espera, deseja conseguir levar daqui algum dinheiro e regressar a África do Sul, onde estão os seus filhos e o namorado, que nada sabe sobre a vida que leva em Luanda.
A nossa equipa pergunta-lhe se existe alguém, além da amiga, que se responsabilize por ela(s) aqui em Luanda - [uma espécie de um chulo, como aliás é prática corrente nestes casos]. Cisco diz que não. Que cada uma está entregue à sua própria sorte e que sobrevivem apenas daquilo que ganham e protegendo umas às outras.
A vida contada com humor
Nancy, que houve atentamente as perguntas feitas à amiga, puxa do humor para narrar histórias envolvendo clientes angolanos. Há clientes que nos levam para as suas casas para nos mostrar os bens que têm. Se soubessem das condições da casa que tenho em Windhoek, teriam vergonha de fazer o que fazem. Não faço isso porque quero. Faço-o porque tenho um objectivo, diz.
Os maus dias com a polícia
Mas nem tudo é um mar de rosas para estas mulheres, contam. De acordo com relatos de Nancy, o grande problema tem sido lidar com a polícia, que todas as noites ronda o local. Diante dos carros de patrulha que por lá passam, Nancy conta que safa-se quem tiver pernas para correr o suficiente e não se deixar apanhar. Algumas mulheres têm sido apanhadas e levadas para as esquadras de Talatona e Corimba.
Quando nos levam, depende da sorte de cada uma. Porque se ninguém engraçar contigo acabas por passar a noite na cadeia e no dia seguinte és obrigada a varrer a esquadra para depois seres solta, declara Nancy, que já esteve na esquadra de Talatona. Se gostarem de ti, namoram contigo. Senão, deixam-te ficar lá durante a noite, mas não podes perguntar nada. Não gostam de quem faz muitas perguntas, diz.
Uma história de amor mal-sucedido
A história de Nice é, contudo, diferente de outras histórias por aqui recolhidas. Oriunda da Namíbia, Nice conheceu em tempos um cidadão angolano que trabalha numa empresa petrolífera, em regime de 28 dias no mar e 28 em terra. Trazida pelo jovem angolano, com quem ainda vive, a namibiana viu-se forçada, na sequência de um desentendimento com o jovem, a ir viver com uma amiga da mesma nacionalidade. Foi por intermédio desta amiga que entra para a prostituição para poder sustentar-se.
Tempos depois, Nice conta que o jovem angolano retratou-se e voltou a reatar o relacionamento. Mas esta não deixou de se prostituir. O jovem angolano continua sem saber sobre a actividade da mulher, que aproveita os 28 dias de ausência do companheiro no mar para se dedicar à prostituição.
A frustração de Thumi
Thumi, sul-africana, de 25 anos, veio a Luanda com a irmã que se casou com um angolano, na África do Sul. A relação de conflito que se instalou em casa com a referida irmã abriu caminho para a prostituição. Thumi afirma que só está nesta vida porque não conta com o apoio da irmã que está ao corrente do que faz, mas que nada diz porque, segundo afirma, não tem qualquer moral para repudiar o seu comportamento, quando não a ajuda em nada.
Se Nancy, a namibiana, sonha com o regresso a Windhoek, ao encontro dos irmãos e terminar o curso superior de Relações Internacionais, Thumi não pensa voltar a África do Sul e justifica os seus motivos, mais do que suficientemente compreensíveis: Voltar a África do Sul para quê, se lá não tem o dinheiro que há aqui?, questiona a jovem sul-africana, que não esconde a frustração neste momento de ter de partilhar o mesmo tecto com a irmã com quem não se entende.