Senhor Luís Paulo Monteiro, o seu mandato está a chegar ao fim e persistem as denúncias de exercício da advocacia de pessoas em incompatibilidades, como polícias e funcionários dos tribunais, em violação à Lei n.º 8/17, que regula o sector. Esses factos existem ou não passam de especulações?

Essa é uma matéria complexa, mas não é difícil de explicar. Primeiro, estamos a falar aqui de uma figura que se chama incompatibilidade. A incompatibilidade não se presume, a incompatibilidade tem de estar expressa na lei, no caso a Lei da Advocacia e o Estatuto da Ordem dos Advogados de Angola, que dizem, claramente, quais são as incompatibilidades, aquelas profissões ou funções que não podem exercer advocacia.

Portanto, se não estiver expressamente na lei, pode fazer. Os polícias não podem exercer advocacia, porque a lei diz que eles não podem, caem no regime das incompatibilidades. Os equiparados aos polícias também não podem exercer advocacia, porque a lei diz que caem no regime das incompatibilidades. Os funcionários dos tribunais não podem exercer advocacia, porque a lei diz que caem no regime das incompatibilidades. Sucede que existem polícias que, não só em Luanda, em Benguela, Kwanza-Sul e no Bié, que preenchem a declaração de incompatibilidade e não declaram que são polícias. Eles fazem uma falsificação da declaração de incompatibilidade e o processo entra, como há aquela declaração de incompatibilidade, a OAA emite a cédula.

O que a OAA tem feito é que, quando há uma denúncia, o primeiro passo é junto da instituição que se diz que ele está afecto, neste caso a Polícia, pode ser SME, SINSE ou Bombeiros. Enviamos um ofício aos recursos humanos para comprovar se, efectivamente, ele está inscrito nessa classe, e a resposta que invariavelmente vem é que sim. Então, pedimos para devolver a cédula, e têm sido devolvidas.

Se for denunciado no acto de advocacia, for encontrado no tribunal, então, levanta-se um processo-crime por procuradoria ilícita, porque ele está consciente de que não pode exercer advocacia.

Igualmente, tem sido condenado o exercício de advocacia por parte de deputados à Assembleia Nacional.

Quanto aos deputados, pela Constituição do País, podem exercer advocacia, nós é que entendemos que não é ético. Entendemos que, pelo facto de serem representantes de um órgão de soberania, não podem estar sob alçada disciplinar da Ordem dos Advogados de Angola. Não faz sentido um bastonário notificar um deputado para prestar declarações no âmbito de um processo disciplinar. Isso é que tem de se perceber, não é ético.

E que balanço é que faz sobre o seu mandato, dado que faltam apenas 10 meses para passar testemunho?

Pensamos que o balanço das actividades da OAA durante 2022 é positivo. Positivo porque conseguimos cumprir com grande parte dos programas gizados nesse mesmo ano. Tivemos a questão da Covid-19 nos anos anteriores, o que, efectivamente, dificultou a implementação de determinadas medidas, mas conseguimos cumprir com determinados programas, a nível da instalação da representação da OAA em todas as províncias. Neste momento, temos 10 conselhos provinciais e oito delegações em todo o País. Quer dizer que a OAA conseguiu implementar as suas representações em toda Angola. Em decorrência disso, houve vários benefícios, porque existem os advogados e os advogados estagiários domiciliados nas províncias, e determinadas atribuições constitucionais da OAA começam, efectivamente, a ser executadas.

Por exemplo?

A questão da assistência judiciária. Se anteriormente tínhamos números que eram baixos, na ordem dos 200 a 300 por ano, hoje estamos a falar em 2.400/2.500 [processos] só de assistência jurídica. Foi o caso de 2022. Em todo o País, temos números contabilizados na ordem de 2.500 casos patrocinados por advogados sob direcção da OAA.

Veja que o número cresceu muito, portanto, este foi um ganho. Outro ganho foi, efectivamente, a questão dos Exames Nacionais [de acesso à advocacia]. A nível interno [da OAA], os processos também foram mais aprimorados, conseguimos, certamente, consolidar a matéria disciplinar. Num universo de 10 mil associados que somos hoje, tivemos participações disciplinares na ordem das 100.

Ainda na mesma sequência, sente que realizou as expectativas que teve no início do mandato?

Em termos particulares, sou daqueles que entendem que o trabalho não acaba. Penso que a OAA teria feito muito mais, mas tivemos uma condicionante muito grande, que foi a Covid-19. Portanto, fizemos o que as pessoas e os colegas vêem que foi feito. Mas, repito, sou daqueles que pensam que devíamos ter feito muito mais.

Podíamos ter feito a revisão dos estatutos da OAA, devíamos ter feito a revisão da constituição complementar, devíamos ter feito muito mais.

Se tivesse a oportunidade de voltar a apresentar outra candidatura ao cargo de bastonário da OAA, para terminar o que não foi feito, o que faria?

Não, não faria. Não faria porque entendo que os mandatos devem ter limites. Na OAA são dois mandatos, que são seis anos. A OAA é considerada a instituição mais democrática do País, que realiza as eleições de três em três anos. Aproveito a oportunidade para dizer aos colegas, para que aproveitem já fazer as listas para as próximas eleições, que, em princípio, serão realizadas em Outubro [deste ano].

O NJ sabe que, nas últimas eleições para a liderança da OAA, no caso as que o elegeram para o seu segundo mandato, a lista que o senhor encabeçou foi a única. Podemos entender essa narrativa como um apelo para que haja mais candidatos?

A OAA funciona com intelectuais. Os advogados são intelectuais e conhecemo-nos todos. As eleições para bastonário são muito exigentes, porque requer subscrições feitas em todo o País. Onde existirem representações da OAA devem ser feitas subscrições. Os colegas devem subscrever naquela pessoa que se candidata a bastonário.

Portanto, nem todos têm este respaldo dos colegas, é muito difícil conseguir isso. É assim que, nas vezes passadas, os colegas, eles próprios, indicam um colega que dizem, esse deve representar-nos. Foi o que aconteceu, não só nas eleições passadas como também noutras. Os colegas reuniam-se e diziam "vamos propor como bastonário ou presidente do Conselho Provincial este". Efectivamente, os outros, se não tiverem, digamos que capacidade eleitoral suficiente para concorrer, não o fazem. Pelo contrário, integram e apresentam o programa que gostariam de cumprir, e, dado o nível de intelectualidade que existe [na OAA], o candidato recebe de bom grado o programa e executa-o. Daí que não somos uma ordem de conflitos permanentes.

Quando há eleições, não há ataques pessoais, e é isso que pretendemos transmitir para as outras associações políticas e profissionais, para que possam tirar como exemplo, em termos de eleições, as realizadas pela OAA. Nós, no próximo ano, também vamos trazer uma novidade, vamos tentar fazer que os votos nas eleições na OAA sejam por via electrónica.

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