"Nagrelha", famoso kudurista do Sambizanga, não escondia a sua relação de proximidade com o mundo do crime, tendo mesmo o seu universo criativo, na música ou nos filmes amadores que protagonizou, esse mundo em pano de fundo.

E isso mesmo está hoje, como tem vindo a ser "ameaçado" nos últimos dias, a servir de "homenagem" dos seus "amigos" com uma vaga de assaltos um pouco por toda a cidade.

O Novo Jornal sabe que até perto das 09:30 várias pessoas foram assaltadas, tanto na rua como nos candongueiros.

Um dos casos ocorreu com uma senhora que apanhou o táxi na FPU para o 1º de Maio sem saber que todos os "passageiros" estavam a caminho da Cidadela, para integrar as cerimónias fúnebres do seu ídolo.

Foi assaltada, ficando sem todos os pertences, e largada a meio do caminho, depois de informada que o veículo não estava a seguir a rota do 1º de Maio mas sim da Cidadela, porque hoje era o dia de honrar "Nagrelha".

Outro caso aconteceu perto do Chamavo, onde dois indivíduos levaram telemóvel e um relógio de um homem depois de lhe encostarem uma arma branca na zona do abdómen, embora sem qualquer referência ao falecimento de Nagrelha mas com "aquele ar de kuduristas" que indícia pertença a esse universo.

Mas nas redes sociais já se anunciava que hoje seria um dia de vaga de assaltos para homenagear Nagrelha desde o fim-de-semana, o que, aparentemente, se está a confirmar, seja por aproveitamento, seja porque foi essa a forma definida de forma inorgânica para marcar este dia.

Ao longo do percurso da urna, milhares de pessoas foram acompanhando o cortejo fúnebre e já no cemitério os agentes da PN, que ali estavam em grande número, usaram gás lacrimogéneo para dispersar a multidão que ameaçava forçar a entrada no espaço onde o corpo desceu à terra.

Foram registados ainda episódios de arruaça, queima de património público e foram ouvidos tiros de pistola em vários locais...

A PN colocou nas imediações do Cemitério da Sant'Ana unidades especiais a cavalo ou ainda com cães para controlar os ímpetos dos milhares de fãs de Nagrelha.

O Novo Jornal está à espera de informações sobre este assunto da Polícia Nacional (PN), que colocou mais de mil agentes na rua para garantir a segurança da comunidade neste dia que começou sob a ameaça do mundo do crime de que iria ter lugar uma carga de assaltos para honrar a o homem que em vida foi a referência maior e promete continuar a sê-lo depois de morto, porque as suas músicas e a sua actividade social e cultural permanecem para a posteridade.

Funeral marcado para as 10:00

O funeral de Gelson Caio Manuel Mendes, "Nagrelha", dos Lambas, está marcado para as 10:00, em Luanda, no cemitério da Santana, que encerrou para os demais enterros neste dia e foi exclusivamente reservado para a descida à terra do " Estado-Maior" do Kuduro.

De acordo com um comunicado da comissão criada para as exéquias de Nagrelha, a concentração será no Estádio da Cidadela, às 09:00. O cortejo fúnebre vai passar depois pelo campo Mário Santiago e pelo Baião, Sambizanga, lugares com grande significado para o cantor, e seguirá para a sua última morada (cemitério de Santana).

A Polícia Nacional disponibilizou mais de 800 agentes manter a tranquilidade pública durante o funeral de "Naná", como era também carinhosamente tratado o kudurista.

Gelson Caio Manuel Mendes "Nagrelha", falecido na última sexta-feira, 18,aos 36 anos, em Luanda, no Complexo Hospitalar de Doenças Cardio-Pulmonares Cardeal Dom Alexandre do Nascimento, vítima de doença.

Nagrelha, considerado o "Estado-Maior do Kuduro" em Angola, lutou durante os últimos sete meses contra problemas respiratórios graves. Acabou por falecer no hospital D. Alexandre do Nascimento, em Luanda, despedindo-se da mulher e quatro filhos.

Entre os temas mais conhecidos de Nagrelha estão 'Toque do Nana', 'Não me agarra assim', 'Desce Mais', 'A Tchu Tchu Tcha', 'Banzelo', 'Ninguém é dono de ninguém', entre muitos outros.

Aline Frazão pede desculpa por tweet polémico após morte de Nagrelha

A cantora Aline Frazão, depois de uma vigorosa polémica, veio a público, no Twitter, pedir desculpa pelas declarações que fez, igualmente nesta rede social, entre outras, um reparo crítico à "comoção nacional" com a morte do kudurista.

Nesse tweet, Frazão acrescenta que com a morte do Nagrelha ficou a "pensar em como Angola se assemelha a um enorme orfanato", porque, no seu entender os angolanos são "órfãos de referências, órfãos de liderança, órfãos de sentido. É muito triste isso".

As reacções a esta posição da cantora, no sábado, foram imediatas e avassaladoras, até porque nesse mesmo dia, Aline Frazão tweetou igualmente isto: "Nada a ver com o lugar do kuduro na cultura popular, que é mto relevante e subestimado. Falo de algo +profundo, que tem a ver com o vídeo que vi de uma mama a chorar a perda do Zé Du e agora o Nagrelha. Às vezes parece q só precisamos mesmo de um pretexto pra chorar as desgraças".

Na segunda-feira, 21, a cantora angolana, publicou um pedido de desculpas pelas posições que tomou após a morte de Nagrelha: "Quero pedir desculpas a todas as pessoas que se possam ter sentido ofendidas com o meu tweet, em especial à família do Nagrelha, aos seus fãs e à sua comunidade".

A Lusa recordou que o Secretariado do Bureau Político do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido em cujos comícios o artista participava com regularidade, deixou uma mensagem de condolências, elogiando a forma ímpar e inigualável de ser e estar de "Nagrelha", que inspirou e mobilizou muitos artistas a aderirem ao estilo kuduro.

A política e Nagrelha

Para o MPLA, o músico notabilizou-se como um dos mais carismáticos integrantes do grupo musical Os Lambas, responsável pela introdução de um novo paradigma no estilo musical kuduro, marcado por composições com apreciável rima e elevada capacidade criativa, que catapultaram o grupo ao patamar dos melhores no estilo em referência.

Também o grupo parlamentar da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), principal partido da oposição angolana, endereçou votos de pesar à família, amigos, fãs e ao Ministério da Cultura, considerando "Nagrelha" como um ícone da música popular, especialmente da juventude angolana.

"Falar da morte de 'Nagrelha' é falar de uma dor que trespassa os corações de milhares de angolanos jovens e adultos amantes do kuduro", referiu, num comunicado, citado pela Lusa.

"Carismático, criativo e excêntrico, filho do povo e um dos símbolos da juventude que não se resigna ante as dificuldades sociais e económicas, 'Nagrelha' deixa um grande reportório musical que o imortaliza e mantém presente na memória cultural de Angola", salientou a UNITA.