Uma semana depois,na quinta-feira seguinte, 20, o Irão abateu um drone espião militar dos EUA, e, mais uma vez, foi a dúvida que impediu que o mundo tivesse acordado na sexta-feira com uma intensa bola de fogo a queimar, mais uma vez, o Médio Oriente.

O Presidente norte-americano, logo após os ataques aos petroleiros, tinha avisado que qualquer tiro do Irão na direcção dos Estados Unidos, das suas forças na região do Golfo Pérsico, ou dos seus aliados, da Arábia Saudita aos Emirados Árabes Unidos, passando por Israel, mergulharia o país num mar de fogo e fúria, embora, sempre a garantir que os EUA não desejam entrar em guerra com ninguém.

O Irão, através das chefias militares, primeiro, e pela voz do seu Presidente, Hassan Rouhani, depois, sublinha igualmente não deseja a guerra, mas foi avisando que isso não significa que não esteja preparado para qualquer conflito, seja com quem for, e que o seu território, nos céus, em terra e no mar, será integralmente defendido.

E foi neste caldo em efervescência que o fósforo aceso chegou mesmo ao rastilho, quando, na quinta-feira passada, um avião não-tripulado - drone - equipado com tecnologia de ponta, capaz, dizem os especialistas, de marcar no terreno um alvo do tamanho de uma caixa de fósforos, ao milímetro, que custa mais de 130 milhões de dólares, utilizado para radiografar os territórios inimigos com precisão cirúrgica, foi abatido por um míssil terra-ar disparado pela Guarda da Revolução, a elite das Forças Armadas iranianas.

O aparelho foi abatido sobre o Estreito de Ormuz, que separa o Golfo Pérsico do Mar de Omã e, de imediato, o Presidente Trump, disse ter sido "um enorme erro", afirmando, questionado pelos jornalistas se iria dar a ordem de ataque ao Irão: "Em breve vão saber!"

A tradução para aquela frase - "em breve vão saber!" - foi "sim", Donald Trump deu mesmo a ordem para atacar. E, na noite de quinta-feira para sexta-feira, os navios da 5ª esquadra da Marina norte-americana posicionaram as suas baterias de mísseis e os aviões levantaram do porta-aviões estacionado no Golfo Pérsico e das bases que os EUA têm na região.Mas... nenhuma explosão se ouviu.

Com estrondo surgiu apenas a notícia do The New York Times pela manhã, com a capa em ebulição perante a informação de que Trump tinha ordenado que o ataque fosse cancelado quando os aviões estavam no ar, os pilotos com o dedo no gatilho e os mísseis já largavam faíscas nos navios de guerra fundeados nas águas revoltas do Golfo Pérsico.

"Quantos vão morrer?"

A explicação de Trump para ter cancelado o ataque foi igualmente outra dúvida: quantas pessoas iriam morrer sob as bombas norte-americanas? Os seus assessores, como relata hoje a imprensa norte-americana, ter-lhe-ão dito que, pelo menos 150.

"Isso é desproporcionado!", terá Donald Trump dito por telefone aos seus comandantes militares, ordenando a suspensão do ataque, explicando depois, numa entrevista à NBC, que 150 mortes é um número de vidas "desproporcionado" por causa de um avião não-tripulado.

No entanto, subjacente a esta retirada de última hora, que, literalmente impediu o início de um conflito brutal - mesmo que fosse possível a seguir travar uma escalada regional, os danos seriam imensos, a começar pelos mercados petrolíferos, com o barril a subir quase 4 dólares nas últimas 48 horas - esteve também a forte dúvida sobre o local exacto onde o drone foi abatido.

O Irão disse que este estava a voar dentro do seu espaço aéreo soberano e que o seu abate foi legítimo e de acordo com a lei internacional; os EUA garantem que o drone espião voava em céus internacionais e, por isso, cumprindo as determinações internacionais, mas a verdade está aalgures entre os 10 a 20 quilómetros que separam as duas versões.

Para provar que a verdade está nas suas afirmações, o Irão enviou uma carta às Nações Unidas com um mapa detalhado do local onde estava o drone no preciso momento em que foi alvejado, sustentando que se trata de espaço aéreo nacional iraniano.

Os EUA garantem o contrário e já convocaram uma reunião do Conselho de Segurança da ONU para segunda-feira, com este assunto como ponto único da agenda, mostrando igualmente mapas que sustentam as suas certezas. Facto é que a dúvida permanece como elemento emulsionante para esta ausência de guerra.

Alguns analistas começam a admitir que Trump mandou regressar os aviões - ele garante que ainda não tinham levantado voo na entrevista explicativa à estação de televisão NBC - porque seria trágico para a sua campanha eleitoral para um segundo mandato, lançada na semana passada, se a ONU aceitasse como boas as provas do Irão, quando o mundo inteiro está num frenesi para tentar impedir a eclosão de um conflito militar de larga escala na região do Golfo.

E, se assim fosse, eria de dar explicações ao Presidente russo, Vladimir Putin, que disse que o mundo não aceita nem aguenta uma guerra de forte intensidade nesta volátil região - ali estão 55% das reservas de petróleo do mundo e dali saem 20% do crude gasto diariamente em todo o planeta.

E também teria de explicar ao Presidente chinês, Xi JInping, que pediu, com um forte sublinhado, que as partes baixem a tensão porque esse é o principal interesse de todos.

A União Europeia e o Japão quereriam igualmente explicações porque têm estado na linha da frente da intermediação entre Teerão e Washington para evitar a guerra.

E o próprio Donald Trump não se tem cansado de dizer que não quer guerra, o que, se fosse possível, também o obrigaria a explicar a si próprio porque não aconteceu o que queria que tivesse acontecido.

Mas, por outro lado, a caminhada para a batalha parece ser o que mais impulsiona as seus mais próximos adjuntos e conselheiros, como é o caso do seu Secretário para a Defesa, Mike Pompeo, e o Conselheiro para a Segurança, John Bolton, dois "falcões" bem conhecidos dos corredores de Washington e próximos dos interesses da poderosa e incontornável indústria de armamento dos Estados Unidos.

Alias, esta é a terceira vez em pouco mais de dois anos de mandato de Trump que uma guerra de larga escala ou de perigosa perspectiva, está à beira de deflagrar.

Primeiro, foi, como o mundo bem se lembra, com a Coreia do Norte, sob a ameaça de uma "fúria como o mundo nunca vira antes" contra o "homem-foguete" como o inquilino da Casa Branca chamou a Kim Jong-un, o Presidente norte-coreano.

Depois foi com a Venezuela, sobre a qual "todas as opções" estiveram em cima da mesa, tendo, aparentemente, uma invasão estado mesmo por um fio para despejar Nicolás Maduro do poder no país que tem as maiores reservas de petróleo do mundo.

E agora, o Irão!?

É bom lembrar que, como pano de fundo para esta incandescente situação no Golfo Pérsico, está a retirada unilateral dos EUA, por ordem de Trump, no ano passado, do acordo nuclear com o Irão - que envolve ainda a China, Rússia e União Europeia - que tinha sido assinado pelo seu antecessor, Barack Obama, em 2015, exigindo o actual Presidente norte-americano uma renegociação que garanta que Teerão não vai ter a bomba atómica, embora o seu conselheiro John Bolton já tenha dito que o que Washington quer é uma mudança de regime em Teerão.

Hossein Salami, o comandante da Guarda Revolucionária, contrariando as palavras que aconchegam os alegados desejos dos EUA - travar o acesso deste país às armas nucleares - que o Irão poderá voltar a enriquecer urânio, material radioactivo essencial para o programa nuclear, que estava fortemente limitado pelo acordo de 2015 e que a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) sempre garantiu que estava a ser seguido à risca por Teerão, se os EUA não mudarem o seu comportamento e levantarem as sanções económicas.

Mas, para já, foi o drone espião, modelo RQ-4 Global Hawk que o Irão atingiu, mostrando, segundo os analistas militares, uma capacidade tecnológica substantiva, porque, garantem os comandantes militares iranianos, este voava com a sua total capacidade furtiva activada - fuga aos radares, o que só uma resposta de tecnologia equivalente pode ter permitido a sua descoberta e posterior abate.

O general Amir Ali Hajizadeh, comandante da força aeroespacial da Guarda Revolucionária, disse aos jornalistas ocidentais que as forças iranianos "mostraram qual a sua linha vermelha" que não poder ser "atravessada por ninguém", garantindo que o aparelho abatido tinha "um sistema de comunicação que retransmite as informações recebidas para a base" e que as forças iranianas o advertiram "por várias vezes" que estava a invadir o espaço aéreo" nacional e que só depois desse processo de avisos é que foi abatido por continuar a progredir para o interior de território iraniano".

Face a este cenário, que, aparentemente, decresceu em perigosidade, outros sinais estão a ser dados em sentido contrário, como revelou hoje a Al-Jazeera, a estação de TV do Qatar - país situado no Golfo Pérsico -, com várias companhias aéreas a deixar de voar na região e as empresas norte-americanas a serem mesmo proibidas de usar estes corredores aéreos, principalmente usados entre os países asiáticos, os EUA e a Europa.

E é por causa desta situação ainda fortemente instável que o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, pediu às partes para manterem "nervos de aço" porque qualquer episódio ou descuido pode deitar tudo a perder.

Para já, Trump pediu que fosse aberto um canal negocial entre Teerão e Washington, mas o Governo iraniano recusa essa via, alegando que os EUA não são de confiança" porque os países que "deixam unilateralmente acordos que levaram tantos anos a negociar" não podem ser "considerados fiáveis".

Teerão garante ainda que só o fim das sanções que Trump retomou após ter deixado o acordo nuclear, há cerca de um ano, são o caminho, e que o acordo permanece activo enquanto, como é o caso, os restantes países o continuarem a cumprir.

Face a estas sanções, o Irão deixou de poder vender petróleo - é o 5º maior produtor mundial e o 3º da OPEP -, tendo passado de quase 3 milhões de barris por dia para apenas 500 mil, o que levou o país a voltar a uma crise económica substantiva e da qual estava a libertar-se paulatinamente desde que Barack Obama assinou o acordo e, consequentemente, retirou grande parte das sanções que pendiam sobre Teerão.

O dia seguinte

Para além do impacto directo da guerra, logo em primeiro lugar no Irão, depois as retaliações, que vão atingir os meios militares dos EUA na região e a sua presença em países como o Iraque, ou ainda a eventualidade do envolvimento de outros países no conflito, bem como o número elevado de vidas perdidas como sempre sucede, o mundo todo seria afectado de forma directa e brutal com o impulso do valor do petróleo para cifras estratosféricas, o abrandamento da economia global devido à incerteza, etc.

E isso está efectivamente a acontecer em frente aos olhos do mundo, como sublinha Andreas Krieg, analista da Escola de Estudos em Segurança do Kings College London, citado pela Al-Jazeera.

"Os EUA e o Irão atingiram um ponto de tensão em que qualquer noa acção pode abrir a porta para um conflito aberto e ambas as partes mostraram contenção precisamente por causa disso",

"O que estamos a ver é que ambos os aldos foram até onde sabem que podem ir mas, ao mesmo tempo, estão conscientes que daqui em diante, mais nenhum passo é permitido sem que se passe à fase de guerra aberta", notou este analista, lembrando que ambas as partes sabem que o abate de um drone não é razão suficiente para justificar aos olhos do mundo uma guerra total nem a entrada de um drone em território soberano é razão para essa escalada final, "até porque tanto de um lado como do outro existe uma consciência clara de que, agora, qualquer movimento menos reflectido é o caminho para o confronto de larga escala".

O que, em síntese, significa que a partir de agora a diplomacia é o único caminho e vai ser visível nos próximos dias, ou mesmo horas, se Teerão e Washington escolheram a diplomacia ou a guerra e se esperam apenas a melhor hora e circunstância para ficarem o melhor possível na fotografia da história.