Digo "nossas" porque este problema não é, já o percebemos, caso que se trate sem soluções conjuntas e compromissos comuns - o jeito que nos dava agora o multilateralismo (já lá vamos). O meu ponto, para início de conversa, prende-se com a forma como fomos apanhados de surpresa por uma coisa que de surpreendente não tem nada.
Não me interpretem mal. A gestão do agora faz-se como se pode, o meu problema é outro. Que eu e o leitor, ocupados com as nossas próprias lutas diárias, não imaginássemos que "isto" estava iminente compreende-se. Agora, que os alertas da comunidade científica, consistentes há vários anos, sobre uma pandemia de largo espectro, por um vírus transmitido pelo ar, com alta taxa de assintomáticos, tenham sido ignorados pelos governos, isso, se quer que lhe diga, já me parece desajustado.
Mas enfim, referia há pouco que um desafio desta dimensão só se resolve com uma cooperação na mesma proporção. Estamos a vê-la na esfera científica, com um envolvimento sem precedentes de investigadores e centros de pesquisa, e uma significativa partilha de informação. Pelo contrário, no campo político, aquilo que presenciamos é uma divergência de vontades e o reforço de nacionalismos e outros "ismos".
Cada um por si, sem respostas articuladas, em escala, corremos o risco de, da soma de estratégias individuais, sair menos do que aquilo que poderíamos esperar de uma estratégia comum. Refiro-me, claro, aos Estados Unidos e ao seu quasi novo "America First", que deixou um vazio no palco das nações que a China ainda não consegue preencher. Mas refiro-me também à cooperação regional e sub-regional, nas diferentes geografias, incapaz de produzir resultados concretos e resultados já.
A corrida desorganizada aos equipamentos médicos, com pressões especulativas e países a desviarem encomendas de outros países, concretiza essa ideia de um pós-multilateralismo exacerbado, no qual as cadeias de solidariedade que alimentaram as relações internacionais durante décadas - mesmo quando, não sejamos ingénuos, alimentadas por interesses outros - simplesmente desapareceram.
Tratada a doença, precisaremos de muitos anos - nalguns casos, demasiados - para recuperar a economia. A forma como isso acontecerá, antecipando-se uma deslocalização de centros de produção vitais "para mais perto", uma quebra acentuada no transporte aéreo e uma nova forma de encarar o trabalho, dependerá do "novo normal" que se está a desenhar. Sobre isso, Shannon K. O"Neil e Robin Niblett, na Foreign Policy, previam há dias o fim da globalização "como a conhecemos". Será?
* Jornalista em Cabo Verde