A impressão com que ficámos é a de que, quando deu largas a esta campanha de combate à corrupção, na intenção de cumprir uma agenda política que lhe era favorável ao fazer-se ao jogo eleitoral, o Presidente João Lourenço mal sabia ao que ia, daí que rapidamente tivesse que redefinir o seu posicionamento e tivesse adoptado uma postura de menor exposição devido aos tentáculos dos inúmeros actos de corrupção cometidos no país que atingem não somente pessoas singulares mas também colectivas, como o seu partido, que vai passando ao lado do processo CNC, por exemplo, onde inclusive o Ministério Público fez questão de omitir o seu nome da lista dos beneficiários dos dinheiros públicos.

Só o facto de o processo em Angola ter começado às cegas, dando-se-lhe um carácter de complexa excepcionalidade, agravado com a falta de cultura jurídica para lidar com esses casos - como aliás admitiu a própria Procuradoria-Geral da República numa dessas ocasiões -, seja por conta da sensibilidade política que muitos destes processos apresentam, seja pelo facto de estar em causa valores que provavelmente nunca serão recuperados a favor do Estado, torna todo esse processo num intrincado jogo de desiguais.

E, pelo andar da corrida, é pouco provável que mudanças radicais se venham a verificar, uma vez que continua a imperar um moralismo cínico, que perante uma série de evidências prefere escudar-se num silêncio que tem servido de couraça para muitas figuras envolvidas, na sua maior parte com responsabilidades políticas no país e/ou com ligações a figuras que estiveram sempre encostadas ao centro do poder.

A alimentar este silêncio estará certamente boa parte das verdades e inverdades que se podem ouvir no julgamento do "caso CNC", que estranhamente, diferentes de outras latitudes, não têm estugado qualquer movimento em torno das questões que nos dizem respeito a todos nós, como aliás era suposto fazermos, uma vez que estas revelações são bem o exemplo do que está longe de qualquer ouvido ou holofote da imprensa. Trata-se, na verdade, de actos de ingovernabilidade que lesaram o país, mas nem mesmo este parece estar incomodado ou interessado em ver discutir esses assuntos.

Contrariamente ao que acontece em outras paragens, onde esses assuntos mobilizam toda uma sociedade, ocupam páginas em jornais, colocam especialistas a debruçarem-se sobre inúmeros mecanismos de controlo das finanças políticas e sobretudo de transparência da gestão política, o tema da corrupção continua a ser um não assunto enquanto tal, e deverá continuar a não ser e os exemplos estão ao alcance de qualquer um de nós.

A solução tem sido nada mais que um cómodo silêncio, consentido por todas as forças vivas com responsabilidade de agir e de inverter o rumo para que as águas paradas assim fiquem e não se transformem em imundice (?).

Na verdade, muita coisa até hoje continua a soar a estranho para um país onde as autoridades judiciais se dizem disponíveis para combater um fenómeno responsável pela degradação moral e ética dos servidores públicos. De tal sorte que não se percebe que o "caso Kwando Kubango", que este jornal trouxe à estampa na semana transacta, tivesse passado ao lado de quase todos, inclusivamente do próprio visado, que, depois de ouvir de nós os motivos da chamada telefónica, desculpou-se com um "liga daqui a duas horas".

Uma vez mais, lembrando-se de que em Angola existe o "santo remédio do silêncio", o vice-governador do Kwando Kubango esquivou-se para não ter de responder às questões que este jornal formou a respeito das suspeitas de peculato que pesam sobre ele na província. E nem por isso se prestou em exigir um direito de resposta por ter sido associado a alegadas práticas corruptas. Não restam dúvidas que estar calado em Angola vale muito mais do que quando se está a falar.

Que o digam as figuras envolvidas no processo CNC, que todas as vezes que se pronunciaram deixaram um rasto de sinais que sugeriram uma clara podridão dos actos de gestão da coisa pública num passado não tão longínquo!