No âmbito do litígio que opõe a brasileira Oi à angolana Unitel - com a primeira a reclamar aos sócios angolanos, através da PT Ventures, uma indemnização de 3.000 milhões de dólares por dividendos não pagos de mais de 600 milhões de dólares -, a empresária Isabel dos Santos apresentou, na Câmara de Comércio Internacional de Paris, um retrato surpreendente de si própria. Mais ainda se tivermos em conta a forma como nos últimos meses se empenhou em partilhar, através de entrevistas, publicações nas redes sociais e até num site, os resultados da sua passagem pela presidência do conselho de administração da Sonangol.

Ao contrário do que dão a entender os denominados "factos Sonangol", Isabel dos Santos revela que, afinal, tem dificuldades com contas e datas.

Pelo menos foi o que a gestora explicou aos advogados da PT Ventures, quando questionada sobre algumas operações financeiras efectuadas pela Unitel, empresa na qual a empresária detém 25%, através da Vidatel e cuja estrutura accionista, a partir de 2015, estendeu-se à PT Ventures.

Para além da Vidatel de Isabel dos Santos e da PT Ventures da Oi, o capital da Unitel é detido em partes iguais (25% cada) pela Geni, associada ao general Leopoldino do Nascimento, e pela Mercury, da Sonangol, igualmente visados no litígio, tendo em conta que o pedido de indemnização dos brasileiros abrange os sócios angolanos, e não apenas a ex-PCA da Sonangol.

Segundo as transcrições da audiência de Isabel dos Santos, noticiadas hoje pelo diário português Público, "os argumentos "não sei" e "não me lembro" foram usados abundantemente pela empresária angolana".

De acordo com o jornal, nas respostas às questões dos advogados da PT Ventures (PTV), a gestora escudou-se igualmente noutras evasivas como ""não sou boa com datas", "não sei os detalhes, os contratos foram preparados por advogados" ou "[não encontro documentos] porque mudei muitas vezes de casa"".

Entre as declarações da gestora, a que o Público teve acesso, sobressai ainda a revelação de que Isabel dos Santos não tem muito jeito para cálculos.

"O meu forte não são as contas", diz Isabel dos Santos

"O meu forte não são as contas", declarou a ex-PCA da Sonangol para sustentar o seu desconhecimento em relação a vários movimentos da Unitel.

"Sou engenheira e a maior parte das minhas contribuições passou pelo desenho técnico da rede ou pelo marketing. Os termos financeiros não foram uma contribuição minha. Não sei", disse a empresária a propósito de uma transferência de 155 milhões de dólares para a Tokeyna, empresa detida por Isabel dos Santos, e cuja ligação à Unitel foi considerada negativa para a operadora de telecomunicações por uma auditoria realizada em 2013.

Nos termos dessa avaliação, efectuada pela PwC e citada pelo Público, "as transacções com a Tokeyna reduziam em 764 milhões de dólares o valor contabilístico da companhia e impactavam negativamente o resultado líquido desse ano [2013] em 434 milhões de dólares".

Na base desses movimentos estava a prestação de serviços de consultoria pela Tokeyna à Unitel, que a PT Ventures considera "fictícios" e "sem qualquer justificação comercial".

Para Isabel dos Santos, porém, a ligação justificava-se pela necessidade de a Unitel ter uma empresa "fora de Angola" para tratar de assuntos operacionais.

Unitel assume que não pagou dividendos

À margem do processo de arbitragem em curso na Câmara de Comércio Internacional de Paris, a operadora de telecomunicações confirmou, em Dezembro do ano passado, que estão por repatriar dividendos superiores a 600 milhões de dólares da PT Ventures.

"O pagamento dos dividendos no exterior, por razões macroeconómicas de Angola, nomeadamente falta de divisas, não foi possível até à data, pois é necessária a sua conversão em USD ou Euros, para devida exportação", assinalava a Unitel, num comunicado enviado ao Novo Jornal Online.

Na mensagem, a empresa lembrava que embora a lei do investimento em Angola "acautele o direito dos investidores estrangeiros de expatriarem os seus lucros", cabe à PT Ventures, "tratar das formalidades da licença de exportação do seu dividendo, e proceder ao licenciamento do mesmo junto do Banco Nacional de Angola (BNA), obtendo para tal o boletim de autorização de pagamento de capitais".

A Unitel garantia ainda, no comunicado, que o processo foi tramitado regularmente e que os dividendos da PT Ventures foram licenciados pelo BNA, mas ficarm a aguardar disponibilidade cambial no mercado de divisas.

"Este valor dos dividendos corresponde, ao câmbio oficial actual, a mais de 600 milhões de USD, montante que facilmente se entende não ser comportável no sistema bancário angolano, no actual momento cambial que vive a economia angolana. É entendimento dos accionistas angolanos da Unitel que estes não podem ser responsabilizados por expatriação de dividendos de um accionista estrangeiro, o que, em seu entender, tem pleno assento na letra da Lei de Investimento e demais legislação aplicável em Angola", sustentava a Unitel.