Um dos efeitos imediatos do aumento de infecções nas maiores economias mundiais, que é, precisamente, o que está a suceder em países como os Estados Unidos, a China, o Brasil ou a Índia, mas também na Alemanha, é a diminuição do consumo de crude, gerando um aumento dos stocks, que é um dos indicadores de primeira linha da saúde dessas economias.

E a dos EUA, em particular, porque é a mais robusta do mundo e a que mais matéria-prima consome. Ora, os stocks norte-americanos estão a subir há pelo menos três semanas consecutivas, segundo dados do Instituto Americano do Petróleo e da Agência Internacional de Energia, embora exista uma brecha para esvaziar este efeito negativo no valor do barril, tanto no WTI de Nova Iorque, como no Brent de Londres, que é onde são definidos os valores médios das exportações angolanas.

Brecha essa que é a possibilidade de o crescimento dos stocks nos EUA ser resultado directo da chegada de dezenas de cargas adquiridas pela indústria norte-americana em Abril, aproveitando os "saldos" em que o petróleo estava - sempre por causa da crise pandémica -, tendo mesmo chegado a valores negativos em Nova Iorque, o que, a confirmar-se, deixará em pouco tempo de contribuir para o avolumar das reservas de crude na maior economia planetária.

Todavia, vários analistas estão hoje a apontar para um factor extra de contenção no consumo de refinados, desde logo a gasolina, que é o ressurgimento de vagas da Covid-19 nos EUA, Ásia e América do Sul, ou ainda na Europa, que é a derrapagem da "confiança" que leva à diluição do efeito da retoma em sectores como a da aviação comercial ou, ainda, o regresso a medidas restritivas com severo impacto económico como os confinamentos para travar esta nova expansão da pandemia.

O Brent, em Londres, estava hoje a valer, perto das 10:00, ligeiramente acima dos 40 USD, 40,26 USD mais precisamente, caindo 0,40% em relação ao fecho de quarta-feira, mas, na abertura, bateu nos 39,6, iniciando então uma ligeira recuperação, o que é uma boa indicação para as exportações angolanas.

Isto, porque, de acordo com dados saídos da reunião de quarta-feira da comissão económica do Executivo de João Lourenço, a revisão do Orçamento Geral do Estado (OGE 2020) que estava apontado para rever o valor de referência do barril para os 35 USD, afinal vai colocar esta cifra nos 33 dólares norte-americanos, deixando uma margem ligeiramente superior para a gestão do deve e haver nacional.

Esta revisão do OGE 2020 - cuja aprovaçã final compete à AN -, que tem como linha mestra o valor das receitas serem equivalentes às despesas, 10,4 biliões de kwanzas, segundo o comunicado da reunião citado pela Angop, surge como resultado do ajustamento do valor do barril para 33 USD, o que levou a uma redução deste montante que era inicialmente de mais de 15,9 biliões, e o barril com valor de referência nos 55 USD.

Este reajustamento foi resultado da pressão inerente à avassaladora dependência da economia angolana das exportações petrolíferas, que são mais de 90% do valor global das exportações nacionais e cerca de 40% do PIB nacional e, lê-se no mesmo comunicado, resulta da "necessidade de ajustamento do actual valor de receitas e despesas" à realidade económica mundial que é caracterizada pelo tremendo impacto da pandemia da Covid-19 que, por exemplo, retirou mais de 40 por cento do valor do barril até ao momento, mas que chegou a ser de 70% em finais de Abril.

Mas o Executivo já tinha admitido que a revisão do OGE tereia sempre em linha de conta o contexto global e, na primeira linha, o valor do barril nos mercados de referência para as ramas nacionais, cuja produção tem vindo a perder vigor por causa da crise mundial - menos procura - , e dos acordos que Luanda assinou no âmbito da sua participação na OPEP, que, em conjunto com outros produtores liderados pela Rússia, na OPEP+, tem em curso um corte na produção de 9,7 milhões de barris por dia para equilibrar os mercados.

A defesa é o melhor ataque...

Estes reajustes em curso no panorama económico nacional, onde o crude ainda é rei e senhor, emergem de um contexto onde o ano de 2020 deverá ficar na história da indústria petrolífera como aquele que registou a maior queda de sempre no consumo global de crude, como avançou esta semana a Agência Internacional de Energia (AIE) no seu último relatório sobre os mercados petrolíferos.

Esta Agência, o organismo mais abrangente na vigilância das flutuações mundiais do petróleo, estima, no entanto, que a seguir ao ano trágico de 2020, seguir-se-á o ano milagroso de 2021, para o qual a AIE aponta uma "recuperação histórica", mesmo a mais vincada de sempre desde que existe indústria petrolífera.

Neste documento, onde periodicamente a AIE analisa a evolução dos mercados dos hidrocarbonetos, é sublinhado que 2020 vai observar uma queda diária em média de 8 milhões de barris por dia.

Mas, para 2021, está alinhado neste guião da AIE uma subida em média diária de 5,7 milhões de barris por dia.

Et tu, BP?

Sentimento que é contrariado pelo gigante mundial, a BP. Em mais um indicador negativo para o sector petrolífero nacional, segundo avança a Reuters, esta multinacional está a rever as suas estimativas e acaba de reduzir o seu Outlook de 70 USD para os 55 por barril no longo termo, o que coloca em risco os seus investimentos nas águas profundas angolanas, onde tem "assets" no valor em torno dos 1,5 mil milhões de dólares.

Deverão, por isso, segundo esta agência, ocorrer pesados ajustamentos da BP em águas nacionais angolanas, com diminuição da actividade devido ao elevado breakeven, que é superior aos 45 USD por barril.

Esta multinacional britânica está, além de Angola, a reavaliar igualmente o seu negócio nas areias betuminosas canadianas, pela mesma razão que nas águas ultraprofundas nacionais e também devido aos pesados efeitos ambientais da exploração.

Está presente em quatro blocos marítimos em águas ultraprofundas localizados a cerca de 200 quilómetros ao largo de Luanda, segundo a sua página oficial, não havendo indícios de que nas outras áreas onde tem presença, como, por exemplo, na unidade de produção LNG do Soyo ou noutros blocos.

Tudo por causa da pandemia

Por detrás deste sobe e desce está claramente a crise económica global gerada no rasto da pandemia da Covid-19 provocada pelo novo coronavírus que foi detectado pela primeira vez, em Dezembro de 2019, na cidade chinesa de Wuhan, e que, em escassas semanas alastrou a praticamente todos os países do mundo, estando hoje especialmente activa em países como os EUA, o Brasil e outros Americanos, embora a China tenha voltado a estar em foco estas semana depois de descoberto um surto potencialmente desastroso em Pequim. Como o Novo Jornal noticiou também.

A AIE admite que, estando 2020 a atravessar a linha do semestre, são já, no entanto, visíveis os efeitos das medidas tomadas, quer pela OPEP+, o organismo que agrega a OPEP e um grupo de não-alinhados (10) liderados pela Rússia, especialmente o corte de 9,7 milhões de barris por dia (mbpd) entre 01 de Maio e 31 de Julho, e as iniciativas do G20, o grupo das maiores 20 economias mundiais, onde ficou recentemente definido um conjunto alargado de medidas económicas, desde logo o perdão das dívidas dos países mais desfavorecidos, moratórias para os em desenvolvimento e injecções de capital nas economias mais desenvolvidas para contrariar os efeitos pandémicos.

Para os analistas da Agência Internacional de Energia, como fica claramente sublinhado neste documento, os últimos meses de 2020 deverão já mostrar sinais de estabilização, embora isso vá depender da evolução da pandemia da Covid-19, até porque, nestes meados de Junho as notícias que chegam das mais diversas latitudes estão longe de ser totalmente apaziguadoras.

Isto, porque, se por um lado, as grandes economias começaram já a aligeirar as medidas restritivas aplicadas desde Fevereiro para conter a expansão da Covid-19, activando todos os mecanismos de recuperação económica depois de um "Inverno de terror", especialmente nos EUA, na China e na Europa, os três mais poderosos blocos económicos globais, por outro lado, nestes mesmos espaços geoeconómicos, as notícias sobre a "morte" da pandemia estão a mostrar-se ligeiramente exageradas.