Quando, a 14 de Setembro, a infra-estrutura petrolífera da Arábia Saudita foi severamente atingida por mísseis lançados do Iémen, por, alegadamente, rebeldes Houthis, o barril de petróleo, em Londres, subiu cerca de 4%, para a casa dos 70 USD, mas rapidamente, em escassos cinco dias, começou a equilibrar para valores anteriores ao ataque.

A 02 de Janeiro, Qassem Soleimani, o general herói do Irão, uma das figuras militares mais prestigiadas do Médio Oriente, e também odiadas, foi assassinado por um míssil norte-americano lançado de um drone quando deixava, na companhia de outros lideres locais, o aeroporto de Bagdade, capital do Iraque, e o barril de crude voltou a assinalar o momento melindroso com uma subida dos 65 USD para ficar a escassos cêntimos dos 70, mas logo inverteu a escalada para chegar bastante abaixo do valor a que estava antes da morte de Soleimani, nos 64,90 USD por barril.

Em ambos os casos surgiram editoriais em todo o mundo a chamar a atenção para o enorme melindre da situação, para o perigo real do início de um conflito de larga escala no Médio Oriente, onde países como Irão, Israel, Síria, Arábia Saudita, Líbano..., destilam ódios antigos uns pelos outros que dificilmente são compreendidos noutras latitudes.

E não é para menos, porque, apesar de a situação ser diferente do que era nas décadas de 1980 e 1990, ainda é pelo Médio Oriente que passa a produção de quase 40 por cento do petróleo consumido em todo o mundo e pelo Estreito de Ormuz, que liga o Golfo Pérsico ao Mar Arábico, estrategicamente controlado pelo Irão, passa mais de 20 por cento da matéria-prima que "motoriza" a economia global.

Mas, apesar de tudo, longe, muito longe, dos 70 por cento que representava o petróleo do Médio Oriente em tempos idos, como nas múltiplas crises globais das décadas de 1970 e 1980, onde a OPEP tinha, efectivamente, capacidade de paralisar o planeta e usava amiúde esse poder para exigir mais e melhores contrapartidas ao Ocidente, ou para manifestar apoio político aos países da região envolvidos em conflitos ou escaramuças com Estados aliados do Ocidente/EUA, como, por exemplo, Israel.

Hoje, a OPEP mantém uma importância substancial, tanto pela produção como pelas reservas, sendo que o Médio Oriente tem, de longe, as maiores reservas do mundo, mais de 850 mil milhões de barris - mesmo que singularmente essas sejam da Venezuela -, mas já não assusta como antigamente em caso de conflito gerador de uma disrupção no abastecimento, porque as economias mundiais conseguem obter a matéria-prima de outras latitudes e os EUA são já auto-suficiente e em vias de surgir como país exportador, muito devido ao desenvolvimento da sua indústria do fracking - petróleo de xisto.

A mudança de paradigma

E estes dois recentes episódios - o ataque às refinarias sauditas e a morte de Soleimani - têm, provavelmente, uma importância histórica ainda por definir os seus contornos e dimensão ao demonstrar isso mesmo, que o Médio Oriente já não é o papão que foi outrora e o seu petróleo é agora bem menos decisivo para o equilíbrio mundial.

Porque, para além de ter novas e alternativas fontes de abastecimento, está ainda em curso um esforço relevante para diluir a dependência do crude com a geração de tecnologias ligadas à produção de energias renováveis, com destaque para a eólica, solar e mesmo através da mecânica das ondas do mar. Paulatinamente, a dependência dos hidrocarbonetos vai-se desvanecendo e o poder de influência dos países produtores segue o mesmo caminho, com o crescendo de problemas económicos naqueles que não conseguiram ainda, como Angola, ou nem tentaram, diversificar as suas fontes de rendimentos e a base das suas economias.

E, como cereja no topo do bolo da estabilidade que ainda pode e é garantida pelos países da região, a Arábia Saudita acaba de emitir uma declaração onde garante que quaisquer problemas de fornecimento de crude às economias mundiais terão uma resposta adequada, que contemplará a garantia da estabilidade dos mercados durante este período de instabilidade.

O ministro da Energia saudita, príncipe Abdulaziz bin Salman, disse, citado pelas agências, que a Arábia Saudita "vai fazer tudo o que estiver ao seu alcance" para garantir que os mercados não vão enfrentar dificuldades.

"A Arábia Saudita é o fornecedor de petróleo mais responsável, estável e confiável em todo o mundo", disse bin Salman numa conferência sobre energia, citado pela Reuters.

Com este conjunto de certezas, apesar de a Arábia Saudita ser o país-membro da OPEP que mais tem pugnado pelo controlo dos preços através de cortes na produção, sendo mesmo o país que mais contribui para esse esforço em curso desde Janeiro de 2017, com a colaboração da Rússia, o outro grande produtor mundial, que encerra o top 3 com os EUA e os sauditas, dificilmente o receio de uma ruptura dramática de petróleo levará ao pânico generalizado que aconteceria noutros tempos.

Este ainda não é o momento histórico em que o Médio Oriente deixa de ser uma permanente dor de cabeça do mundo, mas estão criadas as condições para que a sua importância estratégica comece a diluir-se e passe a ser "apenas" uma ligeira enxaqueca para a economia do resto do planeta Terra.