Os EUA não podem ficar apenas pelo apoio empenhado, colocando todas as suas bases no Médio Oriente à disposição de Israel, meter nos céus os seus aviões-tanque que permitem o reabastecimento aéreo dos aviões de guerra israelitas para chegarem ao Irão...

... fornecer informações estratégicas que Israel usa para definir os alvos dentro do imenso território iraniano ou ainda exercer uma pressão gigantesca sobre Teerão com a persistente ameaça de matar o aiatola Ali Khamenei, o Líder Supremo iraniano...

... ou colocando uma força naval raramente vista numa geografia em conflito, com três porta-aviões e dezenas de navios de apoio, incluindo submarinos nucleares, ou reforçando o pessoal militar em largos milhares e os seus aviões de guerra nas bases que Washington tem na Turquia, na Arábia Saudita, nos Emiratos Árabes Unidos...

... os Estados Unidos da América não podem deixar de entrar directamente nesta guerra ao lado de Israel porque sem esse passo, o Irão nunca será derrotado, porque o principal objectivo de Telavive, que justificou esta intervenção ilegal à luz da Carta das Nações Unidas, não pode ser alcançado, que é reduzir a cinzas o programa nuclear iraniano.

Isto, porque as infra-estruturas ligadas ao enriquecimento de urânio que Teerão tem dispersas pelo território gigantesco deste país, do tamanho da Europa Ocidental, com 1.648.000 km², mais 400 mil kms2 que Angola, estão a grandes profundidades onde Israel não consegue chegar com o armamento de que dispõe.

Mas os EUA têm-no, podendo chegar às centenas de metros no subsolo onde estão os equipamentos mais sensíveis do programa nuclear que o Irão garante há décadas ter como fim único a produção de energia civil e não armas atómicas.

Para isso, Donald Trump tem de autorizar o uso dos bombardeiros estratégicos B-2, os únicos com capacidade para largar as GBU-57A/B, de grande capacidade de penetração no solo, com 14 mil kg de explosivos, ou as MOAB (10 mil kg), conhecidas por "Mãe de todas as bombas".

Mas quando tal suceder, os EUA estarão oficialmente em guerra com o Irão, o que obrigará Teerão a lançar uma vaga de ataques contra as bases norte-americanas na região, porque, como nota Jacques Baud, antigo oficial de inteligência suíço com longos anos a trabalhar na NATO, e múltipla obra publicada sobre estratégia militar, sem isso, o uso dessas bases contra o Irão são a diferença que levará à sua inevitável derrota.

A iminente entrada dos EUA na guerra é ainda perceptível pela forma como Donald Trump, que ainda não declarou guerra ao Irão, já pediu a sua "rendição incondicional", o que só faria sentido se o Presidente norte-americano não estivesse já, pelo menos oficiosamente, em guerra aberta com Teerão.

De Presidente da paz a guerreiro mundial

O Presidente dos EUA que chegou à Casa Branca com uma retórica de campanha eleitoral anti-guerra mas corre o risco de ser o Presidente de todas as guerras, porque os Estados Unidos ainda estão em várias frentes, umas mais evidentes, como a Ucrânia e Médio Oriente, mas outras, entre várias, menos claras, como o Sudão ou a Líbia, está agora prestes a dar um passo que pode ser o mais longo até agora dado em direcção a uma guerra mundial.

E a razão para isso é evidente, como notava o analista e académico português Tiago André Lopes, na CNN Portugal, a China e a Rússia, e mesmo o Paquistão, não podem permitir que o Irão saia do mapa desenhado com a estratégia do eixo-Pequim-Moscovo para forçar uma alteração à actual ordem mundial onde os EUA e os seus aliados ocidentais detém uma liderança quase hegemónica.

Além disso, o Irão é claramente indispensável para o plano global chinês denominado, em inglês "Belt and Road Initiative", que visa levar, por estrada, ferrovia e mar, uma gigantesca e interligada ligação entre a China e o mundo, onde a faixa da Ásia Central/EurÁsia é fundamental e tem no Irão uma espécie de nó de ligação multipolar.

Já o Paquistão, o único país muçulmano com um arsenal nuclear, já colocou as suas bombas nucleares à disposição do Irão se Israel usar o seu arsenal atómico neste conflito, embora se trate claramente de uma ferramenta de dissuasão, devido à gigantesca fronteira que partilha com o Irão e o que teria de sofrer como danos colaterais em caso de explosão nuclear em Teerão ou noutra região deste país.

E à medida que os dias passam, com as televisões de todo o mundo a mostrarem, pela sexta noite consecutiva, os céus de Israel iluminados por uma chuva de misseis iranianos, em resposta aos contínuos ataques de Telavive a Teerão, com centenas de mortos no Irão e dezenas em Israel, além de largas centenas de feridos nos dois lados, mais complicado parece ser encontrar uma brecha por onde fazer entrar o bom-senso.

Alguns analistas admitem que já é demasiado tarde para a sensatez, até porque começa a emergir como tese sem oposição que esta guerra desencadeada por Israel não é para desmantelar o programa nuclear do Irão.

E a razão que a fundamenta é que não há quaisquer provas de que Teerão poderia ter uma arma nuclear nos próximos tempos, como o afirmou em público Tulsi Gabbard, a coordenadora geral das secretas norte-americanas, nomeada por Trump mas que Trump já disse que não quer "saber do que ela pensa", porque o que conta é ele estar "convencido de que o Irão está quase a poder ter uma bomba nuclear".

Uma guerra muito maior que o Médio Oriente

A tese mais sublinhada por esta altura entre os analistas fora do leque dos "especialistas" comprometidos com a versão israelo-norte-americana, e fora do universo dos media mainstream, é que Washington está a usar Israel para atacar o eixo estratégico Pequim-Moscovo, de forma a destruir a pretensão sino-russa-iraniana de orquestrar uma nova ordem mundial multipolar e libertada do sufoco de Washington e do Dólar como moeda franca universal.

Sendo o Irão a parte mais frágil, e depois de a Rússia ter dado provas de resiliência inesperada no contexto da guerra na Ucrânia, e quando o mundo se inclina geoestrategicamente para o Sul Global, onde estão mais de 2/3 da população mundial, menorizando o Ocidente Alargado liderado pelos EUA, esta guerra, justificada com a ameaça do nuclear iraniano, está cada vez mais claro que se trata de algo muito maior.

E isso mesmo foi dito por Donald Trump, quando, na terça-feira, 17, deixou abruptamente a meio, e com grande estrondo mediático, a reunião do G7 no Canadá, justificando que tinha em Washington à espera assuntos muito mais relevantes e grandiosos que negociar um cessar-fogo entre Teerão e Telavive.

Outro indício de que existe algo de mais abrangente que um conflito israelo-iraniano aparece nas palavras do chanceler alemão Friedrich Merz quando este diz que Israel "está a fazer o trabalho sujo" pelos europeus e norte-americanos.

Há ainda a acrescentar a esta possibilidade o facto de os EUA e Israel já terem dado a conhecer a vontade clara de mudar o regime em Teerão apresentando mesmo o príncipe Reza Pahlavi, o filho e herdeiro de linhagem do antigo Xá do Irão, Mohammed Reza Pahlavi, deposto em 1979 por uma revolução islâmica que deu início à teocracia dos aiatolas, como o futuro governante do país assim que o aiatola Ali Khamenei seja derrubado.

E a vontade em matar o Líder Supremo do Irão, entidade cujo poder resulta, desde 1979, de uma escolha entre os clérigos superiores do Irão, e partilha com o Presidente, que é eleito por sufrágio universal, o poder Executivo, foi manifestada por Donald Trump ao dizer que "ainda não deu a ordem" para o seu assassinato "por enquanto".

A todo este conjunto de demonstrações que Telavive, Washington e os países europeus ocidentais querem destronar o actual regime no Irão, o aiatola Ali Khamenei tem repetido com persistência que o seu país "vai resistir" e que "o regime terrorista israelita vai pagar caro esta guerra desencadeada contra o Irão".

Também o ministro dos Negócios Estrangeiros, Abbas Aragchi, tem dito quase diariamente que o Irão, apesar de querer a paz e estar disponível para parar os ataques a Israel se Israel parar os ataques ao Irão, vai responder com "cada vez mais força" a todos os ataques que forem infligidos sobre o país, incluindo "com novos misseis hipersónicos que o inimigo sionista nem sabe que existem ou as suas novas capacidades".

Entretanto, depois de o Presidente russo, Vladimir Putin, ter telefonado, logo no início deste conflito aberto isarelo-iraniano, a Donald Trump, oferecendo-se para colocar a diplomacia do Kremlin ao serviço da procura de uma solução pacífica, para já sem resultados que se vejam, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa veio alertar para o "sério risco de uma escalada" nuclear.

Sergei Lavrov, notando que o ataque de Israel "é ilegal e ameaçador da estabilidade global", acrescentou que o Governo israelita liderado por Benjamin Netanyhau está a fazer representa um "claro risco de desencadear uma catástrofe nuclear" ao atacar as áreas onde está localizado o programa nuclear civil iraniano.

"O ataque continuado e intenso de Israel às instalações nucleares civis do Irão é ilegal do ponto de vista da Lei Internacional, cria ameaças inaceitáveis à segurança internacional e arrasta o mundo para uma catástrofe nuclear", apontou Lavrov citado pela RT.