O que está o Presidente francês, Emmanuel Macron, que levou na bagagem a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von Leyen, a fazer esta quarta-feira, 05, em Pequim? E o que levou o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky à capital polaca, Varsóvia, no mesmo dia?

As agendas oficiais são as do costume, fortalecer as relações bilaterais, mas estas só sairão fortalecidas com estas deslocações oficiais de grande relevo para o futuro da guerra na Ucrânia, e, por isso, para a Humanidade, se forem resolvidos problemas, que se sabe bem quais são, mesmo que não se conheçam as soluções para os resolver.

Emmanuel Macron tem como pano de fundo a sua já divulgada missão de convencer a China a afastar-se da Rússia e aproximar-se da União Europeia, começando, desde logo, por induzir o Presidente Xi Jinping a condenar a invasão russa à Ucrânia, a não fornecer armamento a Moscovo e a reduzir o balanço comercial entre os dois países.

Para isso, terá de conseguir furar a sólida relação pessoal, e bilateral China-Rússia, fomentada ao longo dos últimos anos, e reforçada desde o começo da guerra, com ambos a anunciar a vontade inabalável de abalar a ordem mundial baseada nas regras forjadas pelo ocidente no pós II Guerra Mundial, onde está em destaque a França e a União Europeia como aliados dos EUA, tendo reforçado as relações comerciais, desafiando mesmo os Estados Unidos ao retirar o dólar do deve e haver, que é considerado o mais cortante desafio à hegemonia global norte-americana.

E terá ainda de lidar com as ameaças feitas pela sua acompanhante, a presidente da Comissão Europeia, Ursula Leyen, quando esta, dias antes desta visita, disse que a China veria alterado o estatuto das relações entre Pequim e Bruxelas se não mudar o "chip" no apoio a Moscovo no contexto da guerra na Ucrânia, exigindo a alemã que Xi JInping condene a invasão russa... prometendo, na forma de aviso, castigar o gigante asiático se tal não vier a suceder.

No mínimo, esta deslocação do Presidente Macron a Pequim é delicada e se não for conduzida com pinças, apesar de Ursula Leyen ter usado o "machado" antes de embarcar, o sucesso será diminuto ou mesmo inexistente, porque são dos três dias mais desafiantes da sua vida política, seja pela forma como vai lidar com a posição chinesa sobre a guerra, seja pelo que os dois lados esperam das relações comerciais no futuro e a forma como estas podem ser prejudicadas pelas relações de Pequim com Moscovo.

Do que se sabe, Macron vai, e se não o fizer, fá-lo-á Ursula Leyen, o que será visto em Pequim como o mesmo, exigir à China que não municie os russos com armamento, apesar de o Governo chinês já ter questionado publicamente a exigência ocidental quando esse mesmo ocidente fornece um fluxo permanente e vasto de armas e dinheiro a um dos lados dessa mesma guerra.

Mas o que alguns analistas também estimam como tão ou ainda mais importante, é que Macron, que nunca disse o que disse Ursula, que defendeu que é preciso derrotar a Rússia no campo de batalha, venha a usar esta passagem por Pequim para incentivar Xi Jinping a aceitar o desafio de mediar o conflito e levar ambos os contendores para a mesa das negociações, visto que a China é o derradeiro actor mundial com poder para exercer essa pressão e não está ainda comprometida em definitivo com nenhum dos lados.

Como nenhum outro país na Europa ocidental, a Franca atravessa um momento de contestação social que não se via há décadas, sendo isso também evidente noutros Estados europeus, a inflação galga recordes em todo o mundo, com destaque para os EUA e os países europeus, e em quase todos eles começam a surgir sinais de cansaço com esta guerra, que, por exemplo, se tem traduzido em mudanças políticas que mudam com maior ou menor incidência, a forma como se olha para a guerra e o apoio a Kiev.

Por isso já mudaram a agulha política países como a Finlândia, onde partidos de direita e extrema-direita suplantaram os que estavam no poder, de centro-esquerda, na Bulgária, com a vitória de políticos menos abrasivos para a Rússia, e, no Montenegro, essa mudança foi ainda mais radical, adivinhando-se que o mesmo possa ocorrer em vários países onde este ano vão decorrer eleições, como Espanha, Luxemburgo ou Grécia.

Zelensky em Varsóvia

Mas a missão do Presidente ucraniano na Polónia, com uma visita a decorrer também nesta quata-feira, 05, não é menos incandescente.

Porque se a Polónia é, claramente, o principal apoiante na Europa da Ucrânia, com mais armamento oferecido, mais declarações anti-Rússia e mais pressão exercida sobre os outros membros da NATO para enviarem material militar para Kiev, o Governo do Presidente Andrzej Duda viu entrar-lhe pela porta um inusitado problema.

A Polónia foi um dos maiores defensores e instigadores da campanha mediática global que pressionou Moscovo para abrir um corredor humanitário no Mar Negro de forma a que por ele passassem navios com cereais ucranianos que estavam a fazer falta nos países africanos mais pobres.

Esse acordo foi assinado em Julho de 2022, com russos e ucranianos a poderem exportar os seus grãos, sendo dois dos maiores fornecedores dos mercados globais.

A Polónia está a ser agora, como a Roménia e a Bulgária, os seus vizinhos no leste europeu, fortemente afectada pela decisão da União Europeia em retirar as taxas alfandegárias aos cereais ucranianos que entram no espaço europeu, onde estes chegam muito mais baratos, levando os agricultores locais à falência, com as suas produções atulhadas em armazéns a apodrecerem.

Face a este cenário, o Governo polaco está a ser fortemente contestado nas ruas do país por milhares de agricultores enfurecidos, que ameaçam bloquear os acessos à Ucrânia por onde estão a passar os camiões e comboios com apoio ocidental à Ucrânia.

E se há uma coisa que o Governo do Presidente Andrzej Duda sabe é que não pode lutar contra o seu mundo rural, onde tem o pilar fundamental do seu apoio ultraconservador e anti-russo.

Contexto da guerra na Ucrânia

A 24 de Fevereiro de 2022 as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era (é) a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.

O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.

Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.

Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.

Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.

A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.

Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.

Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.

Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, incluindo o sector energético, do gás natural e em parte do petróleo...

Milhares de mortos e feridos e mais de 9,5 milhões de refugiados internos e nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.

O histórico recente desta crise no leste europeu pode ser revisitado nos links colocados em baixo, nesta página.