O maior perigo é a entrada em cena do Hezbollah, o movimento que ocupa o sul do Líbano e é apoiado pelo Irão, caso o conflito entre os "primos" do Hamas e Israel, em Gaza, se adensar de tal como que torne isso inevitável, ao que se sucederia o reacender da fogueira dos Montes Golã, região síria ocupada há décadas pelos israelitas.

E a deslocação imediata de uma poderosa e vasta frota naval dos Estados Unidos para o Mediterrâneo Oriental, com dois porta-aviões e dezenas de outros navios de guerra, além de largas dezenas de aviões militares que voaram ao mesmo tempo para a região, onde os EUA têm bases em quase todos os países mais próximos, como a Arábia Saudita, os EAU ou a Turquia.

Este reforço da presença miliar norte-americana no Médio Oriente demonstra, segundo vários analistas miliares, uma disponibilidade total de Washington para entrar em acção se o seu mais precioso aliado em todo o mundo, Israel, estiver sob ameaça do Irão, ou mesmo dos países árabes.

Com tanto carvão atirado para a fogueira que arde no chão da região que responde por mais de 40% do petróleo produzido em todo mundo, Turquia e Irão, provavelmente, a par dos sauditas, as mais poderosas potências militares da vasta região entre o Mediterrâneo e o Mar Arábico e o Golfo Pérsico, resolveram meter mãos à obra para tentarem travar uma escalada que seria catastrófica.

E, para isso, num encontro na capital turca, Ancara, os ministros dos Negócios Estrangeiros dos dois países, Hakan Fidan e Hossein Amir-Abdollahian (ambos na foto), avançaram com a ideia de uma Conferência Internacional que envolva a maioria dos países da região e com, provavelmente, as grandes potências como observadores próximos, de forma a não permitir esse caminho desenfreado para a catástrofe regional a partir do atrito mortífero entre Israel e o Hamas.

Isto, porque a Turquia, cujo Presidente, Recep Eddogan, tem sido a voz mais dura nas críticas a Israel entre os países islâmicos, e os lideres do Irão, país que já alertou que pode intervir se for ultrapassado o limite da invasão total a Gaza, sabem que em caso de um confronto alargado, o mais certo seria chegar-se a um momento da história em que se veria países muçulmanos contra países muçulmanos, que a todos enfraqueceria perante o resto do mundo e nada traria de bom para o futuro da Palestina.

"O Presidente iraniano propôs uma reunião com os dirigentes regionais, os países muçulmanos e árabes, o mais rapidamente possível para pôr fim à guerra" na Faixa de Gaza, declarou o ministro iraniano numa conferência de imprensa conjunta com o seu homólogo turco, em Ancara, citado pela agência France-Presse (AFP) e pela Lusa.

De acordo com o ministro turco dos Negócios Estrangeiros, Hakan Fidan, "os países da região devem assumir as suas responsabilidades", caso contrário "esta espiral de violência continuará a reproduzir-se na região", defendeu, ainda citado pelas duas agências.

"Não queremos que a tragédia humana de Gaza se transforme numa guerra que afetará os países da região", acrescentou o responsável turco, exprimindo a sua "inquietude".

Hakan Fidan mostrou-se procupado com a "propagação geográfica do conflito", tendo discutido com o seu homólogo iraniano que existem, segundo Teerão, "fortes indicações indicando que outros elementos armados na região poderão intervir no conflito se as condições não mudarem".

"Um cessar-fogo e a paz são essenciais mais do que nunca", acrescentou, acusando a União Europeia (UE) de "não querer ouvir falar" dessa possibilidade e de dar via livre a Israel na sua guerra contra o Hamas.

Segundo o chefe da diplomacia turca, Ancara trabalha para "um cessar-fogo e para a ajuda humanitária, mas a UE não quer ouvir falar de um cessar-fogo", acusando ainda Bruxelas de não fazer "nada pela ajuda humanitária".

"Posicionam-se junto aos Estados Unidos e estão a favor de que Israel decida quando pôr fim [à guerra]", acusou Hakan Fidan, como se pode ler na notícia da Lusa.

Entretanto, em Washington...

... o Presidente norte-americano está a tentar aproveitar o inequívoco apoio do Congresso para colar a aprovação de um pacote financeiro reforçado de apoio a Israel ao envio de mais dinheiro para a Ucrânia, que está a ser cada vez mais difícil porque os republicanos não querem manter o fluxo de dólares para Kiev mas estão a 100% com Telavive.

Em síntese, é isto: os republicanos do antigo Presidente Donald Trump, como este referiu ainda esta semana, estão totalmente ao lado de Israel, a quem aceitam dar tudo o que precisar para destruir os seus inimigos palestinianos, mas recusam manter o apoio à Ucrânia, enquanto os democratas do Presidente Joe Biden querem continuar a dar a Telavive o que precisa para aniquilar o Hamas, mas só se o mesmo acontecer com Kiev.

E isto a ponto de a Casa Branca já ter vindo a público dizer de forma clara que o Presidente Biden vai vetar o pacote de ajuda que está a ser elaborado pela oposição republicana se estes não aceitarem incluir no mesmo embrulho os 24 mil milhões USD que prometeu a Kiev e não está a conseguir fazê-lo por recusa do Partido Republicano, que detém a maioria na Câmara dos Representantes, a câmara baixa do Congresso.

Como vão democratas e republicanos descalçar esta bota? Ver-se-á nas próximas horas, mas, atendendo às palavras de Donald Trump na segunda-feira, garantindo que, se ganhar as eleições de 2024, Israel terá tudo o que precisar dos EUA e mais alguma coisa, é provável que venham a ceder para não comprometer o apoio a Telavive ou, então, o e-Presudente estará de olho noutra estratégia e aproveitará para manter o finca pé para depois culpabilizar Joe Biden pela interrupção da ajuda a Israel, que é o país, de longe, com maior capacidade lobista nos Estados Unidos da América.

Alias, essa a razão pela qual, embora existam analistas que admitem tratar-se da preparação de um confronto directo com o Irão, como está prometido há muitos anos, e muitos acham ser ineviável, os EUA enviaram duas poderosas frotas navais liceradas pelos dois, entre os maiores do mundo, porta-aviões, já estacionados no Mediterrâneo oriental, o USS Ford e o USS Eisenhower, além de milhares de militares e centenas de aviões de guerra já enviados para a Arábia Saudita e para outras bases norte-americanas na região.

... e em Moscovo...

O Ministério dos Negócios Estrangeiros assumiu, pela primeira vez desde 07 de Outubro, que o risco de alastramento deste conflito para outros países da região "é inaceitável", sendo exemplo dessa "infecção" regional, explicou o ministro Sergei Lavrov, os ataques injustificados de Israel na Síria, atingindo aeroportos e outras infra-estruturas, incluindo na capital, Damasco.

Aproveitando a fragilidade do Estado sírio, onde o Presidente Assad ainda procura reerguer o país das cinzas geradas por mais de uma década de guerra civil que nasceu no âmbito das "primaveras árabes" em 2011, com, depois, uma longa guerra contra o `estado islâmico", que ainda justifica a presença de bases norte-americanas, que Damasco diz serem ilegais, e da Turquia, por causa dos curdos, no norte, Israel tem bombardeado os aeroportos de Damasco e Alepo, alegando que estes estão a servir como plataforma logística do Irão para apoiar o Hamas e o Hezbollah, do Líbano.

Após um encontro por vídeoconferência com o seu homólogo sírio, Faisal Mekdad, o chefe da diplomacia russa disse aos jornalistas, em Moscovo, que a frequências dos ataques israelitas na Síria amentou após 07 de Outubro e que isso está a contribuir para o alastramento regional do conflito de Gaza e levar, enfatizaram ambos os governantes, o Médio Oriente para um abismo onde as grandes potências ajustam contas através de terceiros e procuram vantagens adicionais para os seus objectivos geoestratégicos.

Este aviso já tinha sido feito antes pelo Irão, cujo ministro dos Negócios Estrangeiros, Hossein Amir-Abdollahian, alertou, cerca de uma semana após a invasão do Hamas no sul do Líbano, para a abertura de novas frentes de guerra, especialmente no norte, junto à fronteira com o Líbano, onde reina o Hezbollah, a poderosa força miliciana apoiada por Teerão, ou mesmo na fronteira com a Síria, nos Montes Golã, onde grupos locais se têm fortalecido militarmente nos últimos anos com apoio iraniano.

Outra frente, que mantém em alerta as grandes potências, especialmente China e EUA, é a denominada "rua árabe", onde milhões de pessoas protagonizam, nas últimas semanas, gigantescas manifestações de apoio à Palestina e exigem acção dos seus governos, embora estes, da Arábia Saudita ao Egipto, de Marrocos ou Iraque, Irão, Iémen, Qatar ou a Jordânia, mantenham uma sensata postura não belicista com Telavive... embora ninguém, como sublinham vários analistas árabes, saiba até quando isso será conciliável com os próprios interesses de política internas destes Estados.

É que o Médio Oriente é só e apenas a região de onde sai 40 por cento do petróleo consumido diariamente em todo o mundo, mais de 40 milhões de barris por dia, além de quantidades gigantescas de gás natural, o que, se o alastramento do conflito não for contido, levará a uma explosão dos preços da energia que, segundo o Banco Mundial, faria disparar o barril em poucos dias para cima dos 150 USD.

Tudo isto é explosivo e faz parte do risco histórico desta vasta região rica em recursos e pobre em sorte, mas há alguns sinais de compromisso que podem aliviar a tensão, como o aumento substancial da entrada de ajuda humanitária em Gaza pela fronteira de Raffah, com o Egipto, a abertura das condutas de água potável de Israel para este território, e a entrega de combustível aos hospitais para manter os seus geradores a trabalhar... e ainda a permissão de saída de um número, para já reduzido, de palestinianos para tratamento no Egipto.

A Faixa de Gaza...

... é um território encravado entre o Mediterrâneo a oeste, o Egipto a sul e Israel a norte e leste, com pouco mais de 365 kms2, estendendo-se por 40 kms por nove de largura, contendo o mais denso rácio populacional por km2 do mundo, mais de 6500 pessoas, o que faz de qualquer bombardeamento garantia de morte para um número elevado de pessoas.

Actualmente é a única parcela da Palestina sem ocupação material israelita, governada, após eleições democráticas, pelo Hamas desde 2006, embora este movimento islâmico radical tenha anulado posteriores eleições.

O resto da Palestina reconhecida pela comunidade internacional, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, geridos de forma limitada, porque são territórios ocupados por Israel, pela Autoridade Palestina, não são terras livres devido à pressão permanente das forças de defesa israelitas.

A isto junta-se ainda o crescente avanço dos colonatos nas terras ancestrais ainda usadas para agricultura e pastoreio dos palestinianos, incentivado pelo governo israelita da extrema-direita de Benjamin Netanyahu.

Desde a década de 1990 que a solução para esta martirizada terra está encontrada, e assenta nos Acordos de Oslo, assinados em 1993 pelos EUA, era Presidente Bill Clinton, por Yasser Arafat, do lado palestiniano, e Yitzhak Rabin, então primeiro-ministro de Israel, e assassinado por um judeu radical, em 1995, faltando cumprir a criação do Estado da Palestina, dando assim forma à ideia de paz de Rabin e Arafat de uma terra dois Estados.