Na verdade, não se justifica a existência de muitas delas hoje, mesmo porque haviam sido criadas no contexto da economia centralizada. Note-se, por exemplo, que a 15 de Setembro de 1995 havia sido promulgada a Lei n.º 9/95 - Lei das Empresas Públicas, cujo regulamento - que deveria ter sido aprovado no prazo de 120 dias pelo Conselho de Ministros - estabeleceria os métodos, formas e prazos de aplicação da referida lei às empresas estatais existentes à data da sua entrada em vigor. Contudo, até à revogação da referida lei 18 anos depois, com a aprovação da actual Lei n.º 11/13, de 3 de Setembro - Lei de Bases do Sector Empresarial Público, o regulamento nunca chegou a ser aprovado, de tal modo que até hoje algumas das referidas empresas estatais, que estavam estruturadas como Unidades Económicas Estatais (UEE), nos termos da Lei n.º 11/88, de 9 de Julho, pela qual se regulavam, continuam como UEE.
A falta de uma atitude consequente do Governo no que à reestruturação do SEP diz respeito, com o fim de assegurar a sua racionalidade, da qual resulta, como consequência, a manutenção de empresas ineficientes e ineficazes no seu universo - sejam elas necessárias ou não - pode ser entendida no âmbito da Economia Política. É que o denominador comum entre tais empresas são os elevados custos, como decorrência do excesso de pessoal e de contratos onerosos de fornecimentos e serviços de terceiros, além de problemas de gestão que limitam a sua capacidade de gerar receitas. A manutenção do excesso de pessoal ao assegurar a este o direito a uma remuneração, evita ao Governo ter de lidar directamente com as consequências que resultariam da redução do pessoal.
Já os contratos onerosos de fornecimentos e serviços de terceiros constituem formas de extracção de renda, pois é comum gestores das empresas do SEP e dos seu órgãos de tutela deterem interesse participativo nas empresas por estas contratadas (negócio consigo próprios), além de outros esquemas como a sobrefaturação. Ora, como a maior parte dessas empresas não gera receitas suficientes para cobrir todos os custos (com excepção de algumas, como por exemplo a SONANGOL - embora com menos capacidade hoje, com a retirada de si da função concessionária - e a ENDIAMA, cujas ineficiências acabam encobertas por gerarem receitas superiores aos elevados custos que têm), tem-se observado um círculo vicioso de erosão do capital por perdas, que demanda depois a recapitalização das empresas pelo Estado, ao que se segue nova erosão do capital por perdas e o círculo prossegue. Então a remuneração do pessoal excedentário acaba por constituir, de facto, um subsídio encoberto pago pelo Tesouro Nacional e os pagamentos aos fornecedores de bens e serviços uma transferência de modo indirecto de renda do Tesouro Nacional para particulares.
Um exemplo ilustrativo e paradigmático desse quadro será o da empresa pública TAAG - Linhas Aéreas de Angola. A primeira tentativa de uma reestruturação dessa empresa datará de 2001, quando se pretendeu a assinatura de um Contrato-Programa entre o Governo e os gestores da empresa. Nessa altura avaliava-se que a empresa teria perto de 3000 empregados excedentários, face ao número de aeronaves que dispunha, e era reportado, por exemplo, a existência de contratos de fornecimentos e de serviços desnecessários, como era um de aluguer de motores. Ora, com a excepção da sua privatização, na TAAG já se terá tentado de tudo em termos de reestruturação em busca da sua eficiência e eficácia, incluindo a contratação de gestores de topo, como os da Emirates, sem que a situação da empresa se tenha alterado.
As autoridades, através do Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE) - a instituição adstrita ao Ministério das Finanças que superintende o SEP, parecendo conhecerem esse quadro, admitem entretanto que a aparente tomada de atitude para a sua mudança terá sido forçada. Assim é que no seu relatório consolidado de 2019 do SEP (cf. em https://igape.minfin.gov.ao/PortalIGAPE/#!/sala-de-imprensa/noticias/8078/relatorio-agregado-do-sep), o IGAPE assume como "...inadiável o processo de reestruturação do tecido empresarial público em diversos domínios das estruturas internas das empresas e dos instrumentos a sua disposição, para que afinem os seus modelos de gestão e negócios, de modo a transformá-las num elemento catalisador do crescimento da economia" em face dos "...desafios impostos pela situação económica e financeira de Angola, os compromissos assumidos nos acordos com o Fundo Monetário Internacional e com o Banco Mundial...", não obstante "a relevância inegável do SEP...". E adianta que "...a performance financeira do sector é negativa e afigura-se insustentável. O crescimento da dívida pública (em parte impulsionada pela dívida das empresas do SEP), as limitações no Orçamento Geral do Estado (OGE), fruto da crise petrolífera e os compromissos assumidos com programas com organizações internacionais (com o Fundo Monetário Internacional e outros credores), tornam inviável o modelo de subsídios directos (à exploração e a preços) e indirectos (por via de recapitalizações, garantias soberanas e outros tipos de apoios) dos últimos anos". Foi nesse quadro que foi apresentado um programa de Reforma do SEP, assente em três pilares, designadamente: privatização, reestruturação e revisão legal.
Os desenvolvimentos recentes, contudo, deixam dúvidas quanto à efectiva vontade política para, definitivamente, mudar-se o cenário. Por exemplo, fala-se hoje de uma eventual privatização da TAAG, tendo circulado rumores sobre eventuais despedimentos na empresa. O Governo, nervoso, veio entretanto a terreiro desmentir tal pretensão, como de resto sempre faz em situações semelhantes. Então o Governo tem supostamente a pretensão de tornar a empresa eficiente, mas tanto não admite despedimentos, como não comunica um eventual plano para a empresa fazer face ao excedente de pessoal, de modo transparente, com a explicitação de eventuais custos para o Tesouro Nacional, como de resto deveria ser o caso para todas as empresas nessa situação - entre as quais se inclui, por exemplo, a ANGOLA TELECOM - e cuja viabilização seja possível.
O facto é que, dado um nível de receitas, não é possível tornar uma empresa com custos excessivos eficiente mantendo a mesma estrutura e magnitude de custos, pois como se diz, "there ain"t no such thing as a free lunch", que traduzido para português significa "não existe almoço grátis". Outro caso é o da pretensão manifestada de "relançamento" da ENCIB - Empresa Nacional de Construção de Infraestruturas Básicas - cuja necessidade é questionável, dada a existência de inúmeras empresas de construção civil no mercado -, uma das 16 UEE que constam na lista do IGAPE das 86 empresas que constituem o universo do SEP e que tem a sua situação operacional qualificada como "paralisada". Essa pretensão é só mais uma - o que reforça a ideia do círculo vicioso -, sendo que na imediatamente anterior a mesma fora reequipada, supostamente para intervir na reabilitação de estradas secundárias e terciárias de Luanda, como agora igualmente se pretende, não se conhecendo, contudo, algum impacto positivo para a empresa e para as obras do Governo Provincial de Luanda de tal reequipamento.
Então, não será de admirar que o programa de reforma do SEP apresentado não vá, mais uma vez, adiante, tendo em conta os elementos de Economia Política que ditaram até hoje tal atitude, já que a alta do preço do petróleo bruto que se assiste de algum tempo para cá terá criado algum alívio na situação económica e financeira do País, o que permite ao Governo manter por mais algum tempo o círculo vicioso das empresas do SEP ineficientes e ineficazes, como também não o impele a novos compromissos com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial dos quais poderia vir mais uma vez a exigência de racionalização do SEP.