Obviamente que o que pretendo com esta explicação simplificada, que me perdoem os nossos ilustres Arquitectos e Engenheiros por esta entrada em seara alheia e sem estudos para o efeito, é olhar para a governação angolana. Deste ponto de vista, fica claro que não basta ter areia para fazer um adobe resistente. Tem de ser a areia certa. É, então, possível aceitar que a estrutura governativa está assente num adobe incompetente que considera, de forma errada, que a mesma estratégia, traída pela força do hábito, serve para todas as questões.
Temos sido testemunhas durante este mandato, sem nenhum plano consequente e prioritário, do custo da incompetência deliberada, da falsa incapacidade de acabar com a corrupção e com a impunidade, da mentira acerca da separação de poderes e, sobretudo, com a arrogância de uma espécie de angolanos que acha que está a falar para um povo fraco e sem qualquer poder, impondo medidas, leis e discursos fora da realidade em que vivem 33 milhões de habitantes, a quem a Constituição não protege e a quem nenhum benefício social gratuito, à excepção do ar e do sol, lhes é oferecido.
Estamos conscientes da gravidade da nossa situação económica. Mas já não estamos disponíveis para continuar a ver a ineficácia dos investimentos públicos, a prestação predadora dos empréstimos que o Governo contrai todos os dias, incluindo aquelas "linhas" que com pele de cordeiro são piores que os lobos. Todos sabemos que o preço da nossa desgraça colectiva não tem padrastos. Tem pai e mãe conhecidos, vivos e sem vergonha na cara. Os nossos pendentes não podem continuar eternamente atrelados às teorias da conspiração. O tiro que foi dado no pé governativo foi feito com o vosso punho.
É imperativo retirar da governação os nefastos mecanismos que se intrometem entre a salvação do povo e da Pátria e as promessas feitas a cada eleição que não se concretizam. As democracias africanas estão a tornar-se cáusticas pelo apego ao poder. Angola está a seguir este mau exemplo. Esta cegueira impede que seja o discernimento a liderar e o que vemos é uma governação telepática, frágil, desestruturada, egoísta e sem imaginação, que não está disponível para cortar nenhuma das suas gorduras, luxos ou benefícios, mas carrega em cima do povo exausto, que não foi incluído em nenhum banquete e ainda assim não multiplicou o azedume, não obstante já ter deixado claro que a sua paciência acabou.
O actual modelo de apoio e protecção da infância é imoral e está esgotado. Morreu "por cansaço". O futuro de Angola terá de resolver a vida de milhões de crianças malnutridas, mal escolarizadas ou analfabetas, retiradas do discurso oficial, depois de cada eleição. O retrocesso da liberdade de expressão e de manifestação é doentio. No ano em que festejaremos 48 anos de Independência apenas existe um único jornal diário impresso, que infelizmente se afundou no modelo de caixa-de-ressonância da propaganda militante. Desvalorizar as soluções populares que permitem a mobilidade de milhões de angolanos, num País onde o transporte público não é universal e as novas soluções não vão conseguir entrar na profundeza do bairro, porque são de "superfície" é preocupante. Tal como a impossibilidade de pretenderem encafuar dentro de um mercado a Zunga nacional, num País onde a maioria das pessoas está desempregada e vive no "desenrasca" da informalidade, a Educação continua a ser vítima da indiferença e do imediatismo inconsequente, não sendo preocupante, para o Governo, o que se passa no ensino superior devido à incapacidade de reconhecerem que sem academia nenhum país cresceu e se desenvolveu.
Pretender "domesticar" a sociedade civil é tão grave como ir para o mar sem entender as marés. É não entender que o futuro da política, no mundo democrático, não assentará no modelo inflexível da autoridade partidária, neta das ideologias da primeira metade do século XX. O povo percebeu que, depois de eleito, o candidato perde o respeito e se torna agressivo, agindo apenas com foco na manutenção do primeiro e segundo mandatos. Um novo modelo mais arejado, assente num "contrato político" que tenha a responsabilidade de cumprimento obrigatório, poderá ser o único que permitirá garantir um novo fôlego da democracia, refém de partidos vencedores, que se arrogam donos dos países. A governação deverá apenas ter como fim a felicidade colectiva, e isso terá de ser global, pois somos todos inquilinos da mesma casa.
Na verdade, o que está aqui em causa já não são as políticas, nem os planos, nem as estratégias, nem as pessoas que devem implementá-las. O que está em causa neste momento é a queda do BOTOX. O SISTEMA assumiu-se sem pudor e decidido a enfrentar tudo e todos. Este SISTEMA, que é quem decide se o sol nasce de manhã ou se se põe ao fim do dia ou se nem nasce de todo, é o centro do poder e o único responsável pelas vitórias e pelas derrotas da governação. As paredes do SISTEMA foram feitas com defeitos graves no processo de "cura" do abobe e, por isso, apresentam cada vez mais fissuras, permeabilidade e o consequente ingresso de agentes corrosivos que destroem qualquer tipo de longevidade. Essas paredes permitem que os ecos se antecipem à acção e surjam nas redes sociais destapando evidências do interesse privado. O SISTEMA não percebe que a fase experimental terminou, que a Paz alicerçada no medo é sempre temporária e que a forma como tratamos os outros é a mesma forma como seremos tratados. E também não percebe que o elemento "população", eternamente desvalorizado, é hoje uma força pelo tamanho e pela consciência dos direitos da sua superioridade numérica.
Os "costureiros" do SISTEMA não percebem que estão entre o fogo e a frigideira. A falta de paz no prato não permite que o povo olhe para a sua desgraçada vida com paciência. Sobretudo o povo mais jovem. O futuro deste País vai ser decidido pela reacção de milhões de jovens, sem presente, que perceberam que não têm nada a perder. Não compreender isto é não perceber que o PODER vai encolher na mesma proporção em que se agiganta a natalidade, que está a pressionar o adobe, devido ao excesso de lotação. Combater os pobres em vez da pobreza mostra quão desfocado está o foco do SISTEMA.