Pouco mais de dois meses passaram e hoje é já "evidente" que, afinal, quando Donald Trump repetia uma após outra vez que a guerra na Ucrânia não era a sua guerra e que se fosse Presidente em Fevereiro de 2022, esta não teria sequer começado, mudou a agulha e passou claramente para o lado dos ucranianos assumindo que está é também a sua guerra.
Numa entrevista este fim-de-semana ao canal norte-americano NBC, Donald Trump, horas depois de assinar o há muito desejado acordo que ficou conhecido como "acordo das terras raras" com a Ucrânia, disse já não ter dúvidas de que uma das partes não quer a paz e que se está a dar muito melhor com o Presidente ucraniano.
Fica assim sem dúvidas remanescentes qual a preferência actual do Presidente norte-americano, que ameaçou mesmo dizer em público muito em breve quem é que na sua opinião está a defraudar os esforços de paz. Mas o mau da fita é agpra o russo Vladimir Putin.
E isso foi mesmo esclarecido na semana passada quando o norte-americano disse, numa outra entrevista à CBS, que estava a ficar com a convicção de que o seu "amigo" Vladimir Putin não quer a paz e está a enrolar a conversa para poder manter as conquistas territoriais através das armas.
Esta aproximação de Trump a Zelensky, e o notório afastamento de Putin, ocorre numa altura em que, para poder ter um sucesso nos seus primeiros 100 dias de mandato, o norte-americano se viu obrigado a ceder em toda a linha às exigências de Kiev para o "acordo das terras raras", em que não conseguiu nenhuma das mais valias pretendidas pela Casa Branca...
Kiev ameaça Pequim?
E ainda quando a visita já confirmada do Presidente chinês à Rússia, a partir desta quarta-feira, 07, para as comemorações, a 09 de Maio, do 80º Aniversário da vitória sobre a Alemanha nazi de Adolf Hitler, é um revês para Donald Trump quando é cada vez mais claro que a sua simpatia para com Moscovo tinha como objectivo afastar Putin de Xi Jinping para facilitar o confronto com a China que apenas não se sabe quando irá acontecer.
Visivelmente irritado com Trump, devido à sua sujeição aos ditames de Zelensky, nas terras raras e na questão do fornecimento de armas a Kiev, que o norte-americano já assumiu, mesmo que menos volumosa que o seu antecessor, Joe Biden, Vladimir Putin voltou a surgir em público a deixar ameaças veladas de uso do seu arsenal nuclear.
O chefe do Kremlin não repetiu, num documentário filmado pela Rossiya-1, como fez no passado, quais as condições para o uso do nuclear, que está na doutrina russa existente, mas fez a ameaça de forma indirecta ao afirmar que tem poder de fogo convencional suficiente para não precisar de usar armas nucleares na Ucrânia.
Neste documentário sobre os seus 25 anos no poder em Moscovo, Vladimir Putin mostrou-se convicto de que a Rússia vai concluir a sua operação militar especial na Ucrânia "naturalmente" com a sua vitória "lógica", concluindo: "Espero que não seja preciso recorrer ao nuclear para isso".
No entanto, o ponto central desta afirmação de Putin é dizer que espera não ser necessário, porque há uma situação em que tal convicção seria abandonada de imediato, que era o envio de forças da NATO para a Ucrânia, o que consubstanciaria uma "ameaça existencial" para a Federação Russa, o que cumpre os critérios da doutrina russa para uso do arsenal atómico.
Em causa não está o uso das armas nucleares estratégicas, mas sim as tácticas, cuja potência limitada permite o seu uso para atacar forças terrestres do inimigo sem provocar danos em extensas áreas geográficas.
E foi essa possibilidade que, por exemplo, a partir do fim de 2022, o antigo director da CIA, William Burns, se empenhou em chamar à atenção para esse risco iminente, tendo também o Presidente chinês Xi Jinping tido um papel importante nessa contenção do Kremlin.
Só que, agora, esse tema volta em força ao palco mediático, com as ameaças do Presidente ucraniano sobre um eventual ataque ucraniano sobre Moscovo durante as comemorações do 09 de Maio, que conta com a presença de dezenas de líderes mundiais, incluindo o Presidente chinês.
KIev está a ir demasiado longe nas ameaças?
Vários analistas já sublinharam que se Zelensky permitir que as comemorações em Moscovo sejam ameaçadas por ataques ucranianos, o Kremlin poderá responder de forma contida se se tratar de meras ameaças, mas pode ir até ao fim da linha se, por exemplo, ocorrer mesmo um ataque bem-sucedido às festividades.
Alias, o ex-Presidente russo e actual vice-presidente do Conselho Nacional de Segurança, Dmitry Medvedev, já veio a terreiro avisar que em tal situação poderá não haver sequer Kiev no dia seguinte, numa clara ameaça de uso de armas nucleares sobre a capital ucraniana.
Também neste mesmo diapasão, a porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, Maria Zakharova, acusou Zelesky de estar a "exibir um comportamento terrorista" ao procurar "espalhar o medo" em torno do 09 de Maio e a "usar as negociações de paz como ferramenta para extrair fundos aos seus aliados ocidentais".
Estas declarações de Zakharova são a sua resposta a uma imagem divulgada pelo número dois do regime ucraniano, Andrii Yermak, nas redes sociais, com Zelensky a olhar sobre o Kremlin envolto em chamas, o que é um dos mais flamejantes exercícios de desafio feitos por Kiev ao regime russo desde que em Maio de 2023 foi destruído um drone ucraniano já dentro do Kremlin.
E as ameaças de Zelensky e Yermak estão a ser levadas a sério em Moscovo precisamente porque os ucranianos já mostraram, seja com os drones que chegaram a Moscovo, por diversas vezes, ou os atentados à bomba com que foram eliminados generais, jornalistas ou bloggers de guerra pró-russos na capital da Federação, serem capazes de chegar ao coração do poder russo.
Zelensky disse mesmo publicamente que desaconselha aos líderes mundiais que já conformaram a presença a 09 de Maio a irem a Moscovo, porque "não é possível garantir a sua segurança".
Estes desenvolvimentos ocorrem num momento em que Putin avançou com um cessar-fogo unilateral de três dias, de 08 a 10 de Maio, coincidindo com as festividades do 80º Aniversário da vitória sobre os nazis, que Zelensky recusou, propondo em substituição uma paragem de um mês nas hostilidades, que o Kremlin não aceitou justificando a recusa com a ideia de que Kiev quer aproveitar esse tempo para se rearmar e recuperar dos reveses na linha da frente.
Uma das questões que estão a ser levantadas por analistas pró-russos é o que é que fariam os norte-americanos em Washington se uma força externa fizesse o mesmo tipo de ameaças sobre o mais importante momento de comemoração história nos EUA.