No ano seguinte, a mesma primeira-ministra de centro-esquerda volta a ser investigada e absolvida pela Justiça finlandesa, acusada de negligência por aparecer, em vídeos tornados públicos, a beber e a dançar em festas privadas, atitude considerada por opositores e media como "conduta incompatível" com o cargo.
Estes episódios fragilizaram a posição e afectaram a credibilidade e popularidade de Sanna Marin, reconhecida internacionalmente como exemplo na gestão do combate à pandemia da Covid-19, na Finlândia, um dos países europeus menos afectados pela doença.
Apesar do sucesso no combate à pandemia, depois dessas polémicas, nas eleições realizadas em Abril de 2023, o partido da fragilizada Sanni Marin foi penalizado, entre outros, pela despesa pública do seu Governo, incluindo os referidos pequenos-almoços.
O PSD finlandês perdeu as legislativas e foi relegado para terceira força política do Parlamento, atrás do Partido Finlandês (extrema-direita) e do vencedor de direita, o Partido Coligação Nacional.
Na Suécia, em 2017, Tomás Tobé, deputado e secretário-executivo do Partido Moderado (conservador), usou, em benefício próprio, milhas acumuladas no cartão de Estado para pagar um pacote de jinguba, uma refeição, vinho e água, para além de bilhetes de comboio para viagens de carácter pessoal, no valor de quase 11 mil coroas, cerca de mil euros.
Mesmo tendo pedido desculpas públicas e devolvido o dinheiro ao Parlamento, Tobé não conseguiu travar uma investigação ao seu comportamento, desencadeada pela Agência Nacional Anticorrupção da Suécia.
Para os portugueses, diferentemente dos nórdicos, a ética na política é secundária, como mostram vários exemplos, nomeadamente os resultados das eleições antecipadas de 18 de Abril, convocadas para ultrapassar a crise política, provocada pela revelação pelos media de que o primeiro-ministro Luís Montenegro recebia de uma empresa privada uma avença mensal de 4.500 euros.
Ligado ao mesmo escândalo, a comunicação social foi divulgando em catadupas notícias sobre a falta de transparência e ética nos negócios por parte do primeiro-ministro.
Para fugir ao escrutínio do Parlamento, através de uma Comissão de Inquérito ao seu comportamento empresarial, Montenegro, apoiado pela coligação PSD-CDS e Governo, provocou a realização de eleições antecipadas, apresentando uma moção de confiança que já sabia do seu chumbo.
O inquérito, proposto pela oposição socialista, seria uma forma de, por exemplo, esclarecer as discrepâncias entre o volume de negócios, os lucros da pequena empresa familiar do primeiro-ministro (Spinumviva) e o número de funcionários, bem como a massa salarial e ainda aferir de eventual conflito de interesses por parte de Montenegro.
Tudo isso não impediu a relegitimação eleitoral de Montenegro que fez dessas eleições uma espécie de plebiscito ao seu carácter. O primeiro-ministro avençado, que nunca assumiu o erro, nem pediu quaisquer desculpas, e que disse não ter feito "nada que o comum dos portugueses não fizesse", venceu as eleições, elegendo 89 deputados, mais nove do que tinha a AD, coligação por si liderada.
Nas mesmas eleições, o Chega, partido da extrema-direita racista e fascista, defensor da castração química de alguns criminosos e a expulsão de cidadãos portugueses naturalizados, apesar de atolado em escândalos, também viu a sua votação reforçada, passando de 50 para, pelo menos, 58 deputados.
O próprio líder da extrema-direita, André Ventura, condenado civilmente por ofensa à honra e imagem devido aos comentários que fez na televisão contra cidadãos negros do bairro Jamaica, está a ser investigado por incitamento ao ódio na sequência de declarações racistas sobre o assassinato do cabo-verdiano Odair Moniz por polícias portugueses.
São também desse partido um deputado que roubava malas de passageiros em aeroportos, outro que está a ser investigado por incitamento ao ódio, um autarca pedófilo e promotor da prostituição de menores e outro parlamentar apanhado a conduzir sob efeito de álcool.
Um condenado por violência doméstica e outro por furto e burla a casas e igrejas, acrescentam o leque de "foras da lei" da extrema-direita que alberga, entre os seus 58 deputados, 25 que já tiveram problemas com a Justiça ou viram o seu nome envolvido em polémicas, segundo a CNN-Portugal.
Entretanto, partidos de esquerda sem qualquer envolvimento em escândalos, como o PCP, foram penalizados pelo eleitorado. Os comunistas passaram de quatro para três deputados, numa eleição em que o maior derrotado, o PS, perdeu 20 assentos, ficando-se nos 58 deputados.
Ainda neste ano, em Março, os portugueses da ilha da Madeira reforçaram a votação no arguido Miguel de Albuquerque, presidente do Governo regional, indiciado pelo Ministério Público em oito crimes, designadamente de corrupção activa e passiva, recebimento de vantagem, tráfico de influência, participação económica em negócio, abuso de poder e atentado contra o Estado de Direito.
O partido de Albuquerque, PSD-Madeira, nas referidas eleições antecipadas, convocadas para ultrapassar a crise política, provocada pela investigação do Ministério Público, passou de 19 para 23 deputados na Assembleia Regional.
São muitos os políticos portugueses a contas com a Justiça ou mesmo condenados por crimes praticados no exercício das funções e ou contra o próprio Estado, como fraude fiscal, branqueamento de capitais e corrupção, que ganham eleições pela "obra" feita.
É o caso do autarca Isaltino de Morais (ex-ministro do Governo do PSD), que, após cumprir dois anos de prisão por crimes de corrupção, foi reeleito presidente da Câmara Municipal de Oeiras, com maioria absoluta, em 2017.
Também Fátima Felgueiras, autarca do PS, foi reeleita em Felgueiras, com maioria absoluta, logo a seguir ao seu regresso do Brasil, para onde fugira para evitar a prisão preventiva, decretada pela Justiça portuguesa, na sequência de uma acusação de corrupção, de que mais tarde foi absolvida.
Esses exemplos mostram que, para os portugueses, a ética não é relevante na hora de fazer escolhas políticas, contrariamente a questões relacionadas com a situação económico-social do País e a proximidade política do eleitor à agenda dos candidatos e das organizações políticas.
Nestas eleições, que poderão ter relegado os socialistas para o terceiro lugar, essa proximidade determinou a mudança do espectro político do País com a direita e sua extrema a ocuparem mais de dois terços do Parlamento.
Destaca-se a aproximação da AD à agenda da extrema-direita anti-imigração, num país estruturalmente racista, onde essa discriminação está reflectida nos partidos, incluindo os de esquerda.
Neste quadro, em plena campanha eleitoral, o Governo da AD anunciou a sua decisão de expulsar nos próximos tempos mais de 18 mil imigrantes em situação irregular, incluindo cerca de meio milhar de cidadãos da dita CPLP.
Com essa decisão ignoraram que, para crescer economicamente 3%, Portugal precisa de pelo menos 140 mil imigrantes/ano, segundo um estudo da Universidade do Porto. Ignoraram ainda que, só em 2024, os imigrantes contribuíram com 3,6 mil milhões de euros para a sustentação da segurança social.
Com essa caça ao imigrante desprezaram avisos do Banco de Portugal e da Comissão Europeia, que estimam para 2026, para Portugal, um défice de 0,6%. Também desvalorizaram que, no último trimestre de 2024, o PIB recuou 0,5%.
Com a nova política de humilhação e afastamento dos imigrantes, como vai Montenegro evitar uma crise económica em Portugal?
Que farão os populistas da direita e sua extrema quando o trungungo contra os imigrantes se manifestar contra-producente e atingir profundamente o desempenho da economia do País?
Será que vão aproveitar os seus mais de dois terços no Parlamento para rever a Constituição para retirar conquistas simbólicas da Revolução de Abril, principalmente o Estado social, cuja sobrevivência depende, em muito, da contribuição dos imigrantes?