Com uma extensão de 1.289 km e capacidade para operar até 50 comboios por dia, o corredor poderá movimentar cerca de 20 milhões de toneladas de carga por ano até 2030. O investimento total previsto ultrapassa os 1,6 mil milhões de dólares, incluindo 400 milhões já comprometidos pelo consórcio Lobito Atlantic Railway.
Mas há uma pergunta essencial que não pode ser ignorada: que lugar ocupam as comunidades locais neste processo? A resposta está no equilíbrio entre progresso e inclusão.
O desenvolvimento sustentável não se mede apenas em toneladas de carga ou quilómetros de linha férrea. Mede-se também na qualidade de vida das populações que vivem ao longo do traçado.
E é aqui que as lições que podemos colher de experiências práticas de iniciativas semelhantes - como o Corredor LAPSSET no Quénia, o Corredor de Nacala em Moçambique e o Programa de Infra-estruturas Sustentáveis no Perú- podem oferecer-nos uma bússola ética e operacional em matéria de aplicação de medidas e instrumentos para gerir os impactos ambientais e sociais em projectos de grande escala.
Estes projectos demonstraram que é possível conciliar crescimento económico com inclusão social, desde que haja vontade política, planeamento participativo e mecanismos de responsabilização eficazes.
Sou daqueles que defendem a necessidade de um maior envolvimento das partes interessadas, desde instituições académicas, empresariais, actores da sociedade civil e, de forma muito particular, as comunidades locais, desde a fase de planeamento e ao longo de todo o ciclo de implementação de actividades naquele corredor. Não como figurantes, mas como protagonistas.
A consulta pública não pode ser um ritual burocrático. Tem de ser um processo contínuo, transparente e culturalmente sensível. Em Angola, isso significa respeitar as línguas locais, os líderes tradicionais e os modos de vida rurais e a diversidade de ideias, opiniões e posicionamentos face a este grande projecto.
O desenvolvimento não pode ser feito à custa da aquisição de terras sem justa compensação, do deslocamento forçado de famílias ou da destruição de meios de subsistência.
O padrão mínimo deve ser claro para todos os envolvidos e afectados: evitar sempre que possível o reassentamento; quando inevitável, garantir compensações justas, habitação digna e apoio à reintegração.
No caso do Corredor do Lobito, estima-se que centenas de famílias possam ser afectadas, sobretudo nas províncias do Huambo, Bié, Moxico e Moxico Leste. A sua protecção deve ser prioridade. Mas não basta mitigar impactos. É preciso partilhar benefícios.
O projecto pode - e deve - gerar emprego local, formação profissional, acesso a serviços básicos e melhoria das infra-estruturas. Segundo estimativas do Governo e parceiros internacionais, o corredor poderá criar mais de 10.000 empregos directos e indirectos nos próximos cinco anos.
A construção de dois terminais de mercadorias (no Lobito e no Luau), um centro de formação ferroviária no Huambo e a reabilitação de infra-estruturas sociais são oportunidades concretas para devolver valor às comunidades.
Outro aspecto importante que não pode ser descurado é a criação de mecanismos de reclamação acessíveis. Os cidadãos, de uma forma geral, e as comunidades locais, de modo mais específico, devem ter canais para denunciar abusos, exigir compromissos, fazer sugestões e acompanhar a execução das promessas.
A tecnologia pode ajudar: plataformas digitais, linhas verdes e rádios comunitárias são ferramentas eficazes. O sucesso de tais mecanismos já foi demonstrado em Moçambique, onde o Corredor de Nacala implementou sistemas de monitoria feitos por comunidades locais com resultados positivos.
O Corredor do Lobito pode ser um exemplo de desenvolvimento transformador. Mas só o será se for também um exemplo de justiça social e sustentabilidade ambiental, para além da viabilidade económica.
As comunidades locais não são obstáculos ao progresso. São os seus guardiões. Ignorá-las seria um erro estratégico e moral. Integrá-las é a única via para um futuro verdadeiramente sustentável.
Coordenador OPSA*