No texto, intitulado "A importância de ser ministro", Jacques dos Santos, antigo deputado do MPLA, denuncia o "comportamento negativo (do ministro da Administração do Território, Marcy Lopes) exposto em impensáveis e ridículas apresentações no exterior do País, onde fez afirmações levianas que não lembrariam ao diabo".
Por causa destas críticas, o JA guardou na gaveta o artigo do seu colunista que aos domingos assina a rubrica "JAcQUEs Tou Aqui!", sem dar qualquer justificação aos leitores e ao autor, obedecendo, certamente, às normalizadas "Ordens Superiores", como acontece em silenciocracia.
A atitude do JA, a mesma que teve a Rádio Luanda, canal da Rádio Nacional de Angola (RNA), quando em Abril censurou o jovem e talentoso jornalista Israel Campos, espelha o patrulhamento de opinião e o condicionamento da comunicação social de capitais públicos, transformada em peça principal da máscara do Poder.
Na crónica, Jacques dos Santos faz uma crítica mordaz ao comportamento desse auxiliar do Presidente João Lourenço, que semanas antes, numa reunião com a Diáspora angolana em Lisboa, convidou os seus compatriotas a mentirem sobre a realidade do País e da actual governação, provocando a indignação de vários espectros da sociedade.
Fazendo parte dessa corrente contra a atitude do jovem governante que quer que os angolanos enganem os investidores estrangeiros, o ex-deputado do MPLA pede a demissão do ministro, atribuindo-lhe o estatuto de "óptimo candidato para o despedimento, para a exoneração que se impõe".
Na opinião do intelectual angolano, é urgente a defenestração do ainda ministro da Administração do Território, porque a sua manutenção "numa pasta com ligações próximas às questões eleitorais que já fervilham de suspeições é indubitavelmente um perigo para o Executivo e para o MPLA".
"Para defender a causa que tem em mãos, ou seja, o Governo que representa e sobretudo a reputação do País, que não é sua propriedade, é de milhões de cidadãos (às vezes os efebos esquecem-se disso), o jovem dirigente fez absurdamente o contrário", lê-se na crónica censurada.
Adianta que o visado, "no seu destemperado e muito mal elaborado discurso, ofendeu os seus compatriotas e deu azo a que fosse ruidosamente criticado, sujeitando-se agora a pagar as consequências do seu acto, se não diante de outro, pelo menos, na frente do Tribunal Popular, onde, por direito próprio, todos somos juízes e magistrados".
Muito contundente e frontal, como é seu apanágio, o cronista usa o comportamento do "jovem ministro arrogante" para chamar a atenção e manifestar a sua desilusão com o rumo da governação do País, afirmando que "se instalou entre nós, o temido homem mau".
Como muitos outros militantes do MPLA, o autor mostra na crónica a sua decepção com o Presidente João Lourenço, sublinhando que "sinto agora o desencanto do evidente falhanço da prometida transformação gradual da nossa sociedade, fosse ela na legislação como nas instituições".
Seis meses antes do artigo "A importância de ser ministro", o jornalista Israel Campos, apesar de muito jovem, sentiu na pele o peso da opressão e da repressão nos media, ao ser afastado dos programas "Viva Noite e Kialumingo", por ter lido aos microfones da Rádio Luanda o poema "E lá por Luanda" de Manuel das Mangas, um texto sobre as enxurradas que até aí tinham causado 18 mortes na capital.
Nesse poema, onde o jornalista viu "valor informativo e crítico oportuno", os censores da Rádio Luanda, dignos porta-vozes de algozes, viram um forte "ataque (ao Poder), sobretudo numa fase em que estamos em pré-campanha" eleitoral.
Israel Campos emprestou a sua firme e jovem voz às palavras de revolta de Manuel das Mangas, professor e activista, dando ênfase a um texto, cujo extracto abaixo é elucidativo das mazelas da cidade.
"As finúrias das nossas desgraças
O betão repelente na ilusão das nossas verdades.
Sobre verdades, as chuvas nos trazem as realidades...
Preparam as nossas mortes no silêncio dos políticos com a preocupação no combate às liberdades...
Há espaço para a serenidade?
Quantas vidas se foram?
Quantas serão as nossas lágrimas?
Quantos pobres mais terão de morrer... e aquele betão da ilusão?
(...)
Oh chuva... quem escolheu os mortos?
Tu ou a incompetência daquele executivo surdo com prioridades nos luxos das ilusões com os batedores debaixo de ti?
Venerando aquele que todos temem... e aquela toda arrogância não consegue te parar, oh chuva?"
Se, por um lado, a leitura destes versos custou ao Israel Campos o seu afastamento de dois programas da rádio estatal, por outro, essa censura serviu para mostrar que "a sociedade já não se cala quando alguém pode estar a ser ostracizado", de acordo com o intelectual angolano Adriano Mixinge, membro do MPLA.
A solidariedade com Israel Campos, tal como com o mwadjakimi Jacques dos Santos rapidamente ultrapassou as fronteiras da angolanidade, alcançando outras realidades desse mundo em que o digital ajuda a diluir barreiras.
Essa censura tem exposto negativamente o regime a nível externo e contribuiu para a nomeação do jovem jornalista como um dos três finalistas do prémio "Free Press Award" da Holanda.
Os promotores do galardão que visa "homenagear jornalistas e profissionais dos media que continuam a fazer o seu trabalho, independentemente dos desafios"", premiaram a coragem, a ousadia, a luta de Israel Campos pela liberdade de expressão e de imprensa, num regime que encarcera o pensamento livre.
Nomeado para a categoria de "Revelação do Ano em Jornalismo" (Newcomer of the Year Award), iniciativa da Free Press Limited, organização não-governamental holandesa que trabalha na defesa da liberdade de imprensa e dos direitos dos jornalistas em todo o mundo, Israel Campos passa, assim, a figurar nos anais dos combatentes pela Democracia.
Apesar da diferença de idades, Israel e Jacques representam uma forma de pensar Angola que o País não pode dispensar porque, ainda de acordo com Adriano Mixinge, existe "a convicção de que, sem mais delongas, neste País se necessitam mudanças radicais, mesmo."
Tanto Jacques dos Santos como Israel Campos não se deixaram sucumbir pelo medo, pelo terror imposto pela opressão e repressão da liberdade de pensamento, bem resumido no aviso da "Velha Chica" interpretado por Waldemar Bastos ao cantar "Xê menino não fala política!".
A atitude dos capturados JA e RNA vem dar razão ao Siona Casimiro, decano do jornalismo angolano, quando escreve que esses órgãos são dirigidos por "«cipaios» ideológicos da autocracia", que se escondem por detrás de ordens superiores para melhor semearem o terrorismo mediático no País.
Este patrulhamento da opinião confirma a normalização ou naturalização desses comportamentos nos media nacionais de capitais públicos que se assumem como brigadas caninas de protecção de um regime esgotado que usa os media como elementos de opressão e a censura como o caminho para a aplicação dessa violenta repressão humana.
Onde fica a Liberdade de Expressão e de Imprensa quando o espaço do comentário e de opinião na comunicação social de capitais públicos é ocupado pela narrativa única, a do Poder avesso a críticas e que quer uma oposição cafricada?
Como falar de Liberdade de Expressão e de Imprensa quando a formação de "confraria da opinião", como diz o jornalista Armindo Laureano, não visa apenas excluir do comentário político quem pensa diferente do Poder, mas, sobretudo, quem se recusa "a vender gato por lebre", a mentir, pela manutenção do Poder?
Perante o barril de pólvora que é hoje a situação política angolana, seria importante que o Presidente da República revisitasse o seu discurso da tomada de posse e voltasse a apelar aos "servidores públicos para que mantenham uma maior abertura e aprendam a conviver com a crítica e com a diferença de opinião, favorecendo o debate de ideias, com o fim último da salvaguarda dos interesses da Nação e dos cidadãos."
Se esse apelo fosse tido em conta, nenhum jornalista angolano ganharia ou estaria nomeado para prémios sobre liberdade de imprensa de democracias ocidentais, atribuído apenas a quem luta contra a censura, seja ela hétero ou auto contra a opressão e repressão da imprensa.
Tunda Mu Njila: Cipaios da autocracia
Que verdades incómodas para o Poder integra o texto do escritor angolano Jacques Arlindo dos Santos censurado pelo Jornal de Angola (JA), no último domingo?
