Tinham diversas origens sociais, étnicas e culturais e transportavam na bagagem a identidade da terra que os vira nascer e o sonho de a reconstruírem de outra forma.

Na metrópole, em contacto directo com outra realidade, a generosidade reforçou-lhes o sonho.

Era o início das descolonizações, e o Gana, em 1957, deu exemplo.

O regime ditatorial em Portugal criou, em 1943, uma instituição a que chamou «Casa dos Estudantes do Império», para apoio social, dinamização cultural e recreativa, admitindo que ela influenciasse no retorno desses jovens às ex-colónias a defesa propagandística do próprio regime.

Estávamos em plena Guerra-Fria, sob a bipolaridade, mas, sobretudo, no continente africano crescia uma «guerra quente» entre as duas superpotências e levadas a cabo por interpostos agentes.

Os jovens, associados da Casa dos Estudantes do Império, passaram a tomar parte nas independências das terras que os viram nascer. A generosidade e a utopia fizeram o resto.

Mais tarde, confrontados com a realidade, vieram dores por muitas causas.

A generosidade e a utopia haviam antes ocupado tudo.

Em 1962, cento e vinte desses jovens deixaram organizadamente os estudos, largaram tudo e foram abraçar as lutas de libertação nacionais.

Eles tinham nomes que acabaram por ficar registados também na história, e a formação política que receberam em contacto com outros jovens portugueses foi muitíssimo marcante.

Na «Casa», abreviatura com que carinhosamente falavam da instituição e que Pepetela descreveu num livro invulgar «A Geração da Utopia», foram dela associados e intervenientes activos Agostinho Neto, Alda do Espírito Santo, Alda Lara, Amílcar Cabral, França Van-Dúnem, Hélder Martins, Hugo de Menezes, Joaquim Chissano, Jonas Savimbi, Jorge Querido, Manuel Pinto da Costa, Manuel Rui, Mário Machungo, Miguel Trovoada, Óscar Monteiro, Pedro Pires, Rui Mingas, Sérgio Vieira, Vasco Cabral e centenas e centenas de outros.

A «Casa» publicou ensaios, poesias e contos com nomes desconhecidos, mas que mais tarde se tornariam personalidades de referência nas letras.

Em 2014 e 2015, como secretário-geral da UCCLA, promovi uma homenagem a esses jovens em Coimbra e em Lisboa, esta sede e aquela delegação, onde se dignaram estar presentes como convidados Joaquim Chissano, Pedro Pires, Pascoal Mocumbi, Miguel Trovoada, França Van-Dúnem, Mário Machungo, Jorge Querido, Manuel Rui, entre outros.

A iniciativa deu três documentários, a reedição das obras da «Casa», inúmeros colóquios, a uma exposição, recolocando, assim, a instituição como uma entidade de referência nas lutas de libertação nacionais, objectivo da maior importância do ponto de vista pedagógico.

Foi muito comovente para todos os que participaram revisitar a história.

Como escreveu um docente da Universidade de Lisboa: "a História é, por vezes, o retorno ao mesmo através do diverso".

Pena é que, confrontados com a realidade do mundo de hoje, hedonista, individualista, pegmático, muito pouco solidário e incerto e fundamentados agora na experiência, não combatamos, de facto, o que está mal para cuidar do que está bem.

Seria tão fácil, desde que o dinheiro e a ganância não preenchessem o lugar da defesa do interesse público.

Revisitar a actividade da «Casa», projectá-la publicamente e saber que ela hoje é falada por efeito da iniciativa de que me honro não deve afrouxar.

Os países de língua oficial portuguesa têm a estrita obrigação de o fazer.

É que não há futuro sem memória, como escrevi em título no preâmbulo da reedição das duas obras de poesia publicadas pela «Casa».

*Secretário-geral da UCCLA