Alguns renomados autores afirmam, sem rebuço: "Foi Coleman Hawkins que fez do saxofone tenor um instrumento de Jazz, que definiu o som que devia ter: amplo, profundo, imenso", como destaca num belo texto Geoff Dyer- romancista e jornalista de música.
A importância de Coleman Hawkins foi respeitosamente mencionada no trabalho anterior.
Mas é urgente recordar tenores esquecidos ou, talvez pior, ignorados do grande público.
E agora socorro-me de um dos "meus" filósofos, o autor do romance "A Náusea", Jean-Paul Sartre, que o nosso ( de muita gente que já atingiu a barreira dos 70s) professor de Desenho, Eduardo Zink, aconselhava vivamente.
De leitura difícil, com muitas curvas e dissonâncias e a terminar num Blues ardente, consegui chegar- orgulhosamente e na adolescência- às últimas páginas.
Sartre, que gostava de Jazz, e acolheu Miles Davis em Paris, e o acompanhou aos "caveaux" da "rive gauche" dizia, com carradas de razão, que o homem está condenado a ser livre. É difícil, mas é possível, como se sabe. Paga-se cá um preço...
George Orwell no seu "Triunfo dos Porcos" conclui desta forma: " todos os animais são iguais mas uns são mais iguais que outros. Como até as verdades objectivas são relativas, talvez possamos admitir que ambos tenham razão.
Estou, tudo parece indicar, condenado a escrever sobre gente do Jazz que acorda morta. Há muita gente incapaz de celebrar "acordos de cavalheiros" e mesmo "pactos de não agressão" com certos tumores malignos.
E recordo agora o mestre Dexter Gordon ( 1923- 1990), fulminado na faringe.
Bem ou mal ganhou-se o hábito de guardar gente na memória. Como já há tantas pessoas injustiçadas pelas fraquezas da "História do Jazz" há que recordá-lo. É um músico eterno.
Filho de um médico de Los Angeles, cuja lista de pacientes incluís Duke Ellington ( pianista, compositor e "band leader" e Lionel Hampton (vibrafonista), Dex, como era carinhosamente chamado pelos mais chegados, tornou-se músico profissional aos 17 anos.
O enorme e desengonçado saxofonista era sinónimo de Jazz.
Traço de união entre os saxofonistas Coleman Hawkins, Lester Young e John Coltrane, tinha uma silhueta fotogénica, um sorriso irónico, uma voz dramaticamente rouca, um olhar sonolento, movimentos lentos, mas seguros.
Dexter Gordon que nos anos 80 do século XX vivia já num relativo isolamento porque as doenças se abatiam sobre ele com alguma violência, desempenhou mesmo assim, o papel principal em "Round Midnight" ( 1986) , do realizador francês Bertrand Tavernier, que é um grande filme sobre Jazz. Sobre a amizade. Sobre o que foi ( e é ainda) a vida dos grande Jazzmen.
Se fosse necessário exemplificar com som personalizado ou voz, invenção, swing, calor, fraseado e tudo o mais que define um músico de Jazz, bastaria um dos seus discos, um qualquer dos temas.
"Tanya", "The Panther", ou o magnifico "Blow Mister Dexter".
Foi um clássico tenor do "Bebop"(estilo de Jazz da década de 40, caracterizado pela dissonância e cromatismo). Tocava com um som enorme, todas as variações. Durante um período relativamente longo, Dexter foi uma referência obrigatória para os saxofonistas.
Em 1962, depois de uma estadia em Londres no inesquecível clube Ronnies"Scott, permanece algum tempo em Paris onde tocou no lendário "Blue Note" e gravou o célebre álbum "Our man in Paris" com Pierre Michelot em contrabaixo e dois músicos americanos exilados em França: o pianista Bud Powell e o baterista Kenny Clarke.
Parte para a Escandinávia, apaixona-se por Copenhague, onde permanece um total de 14 anos.
Numa entrevista à Jazz Magazine, em 1985, disse: "os tempos mudaram, incorporaram-se um montão de novos valores morais e sociais. É uma das coisas mais fabulosas a propósito do Jazz. Está sempre vivo, evolui, cresce. Espero que partilhemos um pouco esse sentimento no filme "Round Midnight". Antes de tudo, trata-se da minha própria vida", rematou a concluir.
Infelizmente, vários países mantêm verdadeiros "records" de alheamento e até algum desprezo pelos seus verdadeiros artistas, enquanto vivos. Bastaria recordar os célebres e tristes casos de Van Gogh, Fernando Pessoa, Antonin Artaud, Fela Kuty, Camille Claudel, entre tantos outros.
E sabe-se lá quem é que toca nas estações de metro e é obrigado pela vida a esconder-se nos cantos mais sombrios dos piano-bares.
Foi isso que aconteceu com vários "Boppers", com a cantora Billie Holiday. ÀS vezes entravam pela "porta do cavalo" para tocar a sua música. Era esse o seu estatuto.
Este trabalho acerca dos saxofonismos no Jazz termina com Stan Getz ( 1927- 1991).
Possuía um ouvido fenomenal e uma forma muito pessoal de estar no Jazz. E recordo o que dele disse Miles Davis: "Stan Getz transforma uma cantiga num tema".
O sopro
O grito que transborda a embocadura
E flutua um vapor autónimo
Vozes que se entregam nas nuances mais íntimas
Eloquentes
Velozes
Intensas
Sussurrantes
Distintas.
Plenitude do som
Sopro colorido da música
Imediatamente identificável,
Stan Getz.
P.S. O Dia Internacional do Jazz, 30 de Abril, aproxima-se lentamente. Luanda regressa à paixão do Jazz ao vivo. No Epic Sana, com uma banda de Barcelona: Andrea Motis Temblor, a princesa espanhola do Jazz ( instrumentista e cantora) e a banda liderada pelo pianista e produtor Dimbo Makiesse, Luanda Jazz All Stars, que prestarão um tributo a Ruy Mingas, o cantor de "Noites de Luanda no Morro da Maianga", que nos deixou recentemente, numa iniciativa da Fundação Bornito de Sousa. E na Rádio LAC, às segundas, ao entardecer, os saxofonismos jazzísticos.

Jazz(o), logo existo.